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O custo das convicções pessoais

Devem-se evitar respostas apressadas a questões complexas

Por Sérgio Lazzarini
Atualizado em 9 nov 2018, 07h00 - Publicado em 9 nov 2018, 07h00

Muito já se discutiu sobre os erros da esquerda no poder: expansão desenfreada do Estado, proteção injustificada a campeões nacionais, indisciplina nos gastos. É certo que várias dessas políticas serviram para favorecer grupos bem conectados, em troca de contribuições aos partidos. Mas foram justificadas com base em pura ideologia: políticas pró-mercado seriam antagônicas ao desenvolvimento, o capital estrangeiro causaria dependência e a avaliação de resultados seria prática de neoliberais que querem incorporar critérios de mérito na gestão pública. Agora no poder, a direita corre o risco de incorrer em erros da mesma natureza. Ideo­lo­gi­ca­men­te opostos, sim, mas igualmente simplórios, caso ela embase suas propostas em preconcepções ou respostas apressadas a problemas complexos.

Vejamos um tema altamente polêmico: segurança. Sabemos que os presídios brasileiros se encontram em situação precária e que o atual número de vagas não chega à metade do necessário. Quando indagado sobre o tema, Jair Bolsonaro afirmou que o problema da superlotação não é do Estado, mas “de quem cometeu o crime”. Que é do infrator a decisão de ir para a “antessala do inferno que são os presídios brasileiros”. Faltou lembrar que a antessala do inferno não é paga pelo capeta, mas pelo contribuinte. Cada infrator, mesmo sob condições degradantes, custa cerca de 2 400 reais por mês. Às vezes mais. Para piorar, trata-se de um custo recorrente. Enquanto estiver preso, o criminoso continuará sangrando os cofres públicos. E quem sai provavelmente cometerá novos crimes, o que exigirá mais policiamento e reparação de danos. Pior: retornará ao cárcere. Organizações criminosas se beneficiam desse círculo vicioso, ao prover aos presos suporte dentro das prisões e emprego (ilícito) nas ruas. No fim, o governo fica enxugando gelo, gastando muito em problemas que se repetem.

Imagine, agora, que sejam feitos investimentos em melhorias nos presídios e serviços diversos que aumentem a chance de uma parcela dos presos reintegrar-se à sociedade — por exemplo, ações de capacitação profissional nas unidades ou apoio às famílias dos infratores. Ideias de esquerda? Projetos desse tipo, amparados em detalhadas análises de custo-benefício, têm sido implantados pelo mundo e se beneficiam de captação via mercado. Nos chamados contratos de impacto social, investidores financiam ações de ressocialização e o governo os remunera se, e somente se, obtiver economias geradas por uma menor reincidência dos presos. Com isso, o contribuinte deixa de bancar despesas recorrentes desnecessárias e paga apenas por aquilo que dá resultado.

O mesmo cuidado de análise e desenho de políticas deve ser aplicado a questões como privatização, regulação ambiental, atração de capital estrangeiro, relações internacionais e discriminação no mercado de trabalho. Sempre haverá uma resposta simples, e provavelmente enviesada, sobre como lidar com esses temas. Convicções pessoais, à esquerda ou à direita, não podem sobrepor-se ao imperativo de propor projetos cujo resultado diminua, e não aumente, a conta para a sociedade.

Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2018, edição nº 2608

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