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Nova UDN, corinthianos e até piratas: os 76 partidos na fila do TSE

Se todos eles fossem aprovados, número de siglas eleitorais triplicaria no país; a maioria surgiu durante as grandes manifestações de rua entre 2013 e 2016

Por Da Redação Atualizado em 18 out 2019, 14h33 - Publicado em 18 out 2019, 02h59

O Brasil tem hoje 32 partidos registrados e aptos a disputar as eleições – 26 deles têm assentos na Câmara dos Deputados e no Senado. Se você acha que o número é alto demais, saiba que ele pode aumentar bastante: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem atualmente na fila nada menos que 76 legendas em formação que tentam cumprir as exigências legais para serem habilitadas a participar do processo eleitoral.

Todos esses partidos já têm CNPJ registrado, o primeiro passo para entrarem com o processo pela regularização. A partir disso, eles precisam cumprir algumas exigências, sendo a principal delas obter um número mínimo de apoiadores de 0,5% do total de votantes nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados, hoje algo em torno de 490 mil assinaturas – detalhe: nenhum apoiador pode ter filiação a um partido já legalizado. Além disso, é preciso ter adesões em ao menos nove estados.

Entre os partidos que deram um passo, mesmo que pequeno, além da simples abertura de CNPJ, estão algumas tentativas de reconstrução de legendas extintas, como o Prona, do médico Enéas Carneiro, que disputou três eleições presidenciais e chegou a ficar em terceiro no pleito de 1994, atrás de FHC e Lula. Há em andamento duas tentativas de ressuscitar o Prona no TSE, mas a mais exitosa delas reuniu até agora apenas 2.523 apoiadores.

Outra tentativa de ressurreição de legenda envolve a UDN (União Democrática Nacional), partido que nasceu em 1945 como oposição a Getúlio Vargas e ao populismo e defendeu o conservadorismo político, o liberalismo clássico e a moralidade nos costumes até ser dissolvido em 1965 durante a ditadura militar. Um de seus líderes foi o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, que apoiou e depois passou a fazer oposição ao regime militar até morrer em 1977. Agora, o partido se oferece para abrigar o presidente Jair Bolsonaro, caso ele realmente deixe o PSL em meio à disputa que se instalou no partido pelo controle do dinheiro e dos diretórios.

A recriação da UDN permitiria que os deputados fieis a Bolsonaro pudessem migrar de sigla sem perderem os mandatos, segundo o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. “A refundação é uma desculpa para criar um partido sem passar pelas mesmas regras, mas existem precedentes. Foi o caso do PTB e do MDB, por exemplo. São 11 ministros no STF e 7 no TSE. Eles podem aplicar a analogia dos partidos de antes de 1988”, afirmou.

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Ao falar sobre seus planos, Marcus Alves de Souza, presidente da nova UDN em formação, é otimista: afirma que entre 30 e 35 deputados e 8 a 10 senadores “estão certos” para migrar para a legenda após a homologação. Mas não fala em nomes, segundo ele, para não prejudicar a estratégia. “A gente teria um generoso Fundo Eleitoral para 2020. Passa dos R$ 100 milhões”, afirmou. Os filhos de Bolsonaro já acenaram com a possibilidade de a recriada UDN ser o destino do clã, mas a discussão esfriou nas últimas semanas.

Outro partido que busca ser recriado é a Arena (Aliança Renovadora Nacional), que dominou a política do país durante os anos da ditadura militar. Era o partido oficial do regime, em um sistema de bipartidarismo – a outra legenda permitida era o MDB, que aglutinava a oposição. A refundação da Arena, no entanto, está bem incipiente – apesar de criada juridicamente em abril de 2013, até agora não há nenhum apoio de eleitor registrado no TSE.

Além das recriações, a lista de espera do TSE tem partidos para todos os matizes ideológicos (cristãos, nacionalistas, esquerdistas, conservadores e ecológicos, entre outros) e de categorias muito específicas, como militares, servidores, indígenas, negros e esportistas. Há também partidos em defesa dos animais, das favelas.

Propaganda do Puma, que ainda está longe de ser regularizado pelo TSE (Reprodução/Reprodução)

Há também um partido em formação que se denomina Piratas – ou Partido Pirata, agremiação inspirada em outros “partidos piratas” pelo mundo (o primeiro surgiu na Suécia em 2006) e que tem como base pautas ligadas à tecnologia digital, à internet e as redes sociais, como a liberdade de informação e o livre compartilhamento de cultura e conhecimento. Uma das estratégias para conseguir apoiadores, por exemplo, é montar estande para coleta de assinaturas em eventos como a Campus Party, em São Paulo, um dos maiores sobre o mundo digital realizados no país.

Propaganda do Partido Prata, que tem pautas ligadas a tecnologias digitais, internet e livre acesso à informação (Reprodução/Reprodução)

Dois partidos estão bem próximos de cumprir as exigências mínimas para homologação pea lei. Um deles é o Partido Nacional Corinthiano, que já recolheu assinaturas de mais de 441 mil apoiadores segundo o TSE (o site da legenda fala em mais de 490 mil), sendo 251 mil deles no Estado de São Paulo, onde fica a sede do Corinthians, que inspirou a criação da legenda – apesar disso, a agremiação não tem ligação com o clube nem com qualquer uma de suas torcidas organizadas. Aliás, o partido ainda nem começou a disputar a eleição e já é questionado na Justiça pelo Corinthians, que enxerga violação do uso da marca e pede a proibição da sigla.

Propaganda do Partido Nacional Corinthiano, que está perto de ser homologado pelo TSE (Reprodução/Reprodução)

O estatuto do partido aponta para uma conformação ideológica mais à esquerda, com críticas ao capital e defesa da força dos trabalhadores e dos menos favorecidos. A inspiração óbvia, segundo o presidente Juan Antonio Moreno Grangeiro, é a Democracia Corintiana, movimento liderado por jogadores como Sócrates e Casagrande nos anos 1980 que peitou a ditadura militar à época ao defender o voto como arma do cidadão, além de implantar regras liberais no clube que se contrapunham ao regime fechado da ditadura.

O partido, fundado em agosto de 2014, chegou a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para obrigar o TSE a agilizar a homologação da sigla, que entende que já cumpriu os requisitos, a tempo de participar da eleição municipal de 2020. O ministro Marco Aurélio Mello negou a liminar, alegando que é o próprio TSE quem deve decidir a questão – com isso, dificilmente a legenda estará nas urna no próximo pleito eleitoral.

Outra legenda próxima de cumprir as exigências é a Unidade Popular (UP), fundada em setembro de 2016 e que já reuniu 499 mil assinaturas de apoiadores em 17 estados. O programa do partido também é claramente de esquerda, mas mais radicalizado que o do Partido Nacional Corinthiano. Entre as bandeiras estão o “controle social de todos os monopólios e consórcios capitalistas e dos meios de produção nos setores estratégicos da economia”, a “planificação da economia para atender às necessidades da população”, a “nacionalização do sistema bancário e controle popular do sistema financeiro”, a “reestatização das estatais privatizadas” e o “fim, da espoliação imperialista”. Também tem forte discurso voltado ao combate ao racismo e em defesa das minorias. É bastante ativo nas redes sociais.

Fragmentação

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, uma quantidade grande de partidos não é por si só um probelma. “Nos Estados Unidos tem uma centena. A questão é a fragmentação. No Brasil, você tem que juntar vários partidos para compor uma maioria. Na época de FHC, juntando PSDB, MDB e PFL, você tinha 308 votos. Hoje, um partido com mais votos tem 54. Para chegar a 308, você tem que constituir uma base tão ampla de partidos em uma negociação muito custosa e complicada”, afirma. Segundo ele, com tantos partidos, você fecha um acordo com um líder de bancada, mas isso não garante um acordo com todos os integrantes. “O caso do PSL é sintomático. O líder não representa todos”, completa.

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Outro problema, segundo ele, é a pulverização de votos em muitos partidos que acabam tendo índices de relevância muito pequenos. “E eles são pouco ou nada programáticos. Alguns não são nada ideológicos, e isso é ruim também. Não há uma unidade. Outros são ideológicos demais, e aí se perde o pragmatismo. Penso que você precisa conciliar alguma unidade ideológica com capacidade programática”, afirma.

Para o cientista político, a criação do fundo eleitoral em 2017 é a principal força motriz para a maioria dos partidos. “Não para todos, é claro. O partido Novo tenta se diferenciar em relação a isso (não usa dinheiro público). Há partidos à esquerda, como o PSTU, que também não são movidos por isso. Dentro da fauna e flora partidária, há bons exemplos, como esses, tanto à esquerda quanto à direita, de siglas que deixam claro que a questão financeira não é o mais importante”, diz. Ele acredita que não há problema na criação de legendas como o Partido Nacional Corintiano, específico de uma torcida de futebol. “Aberrações existem e vão existir em alguns lugares do mundo. A questão é se essas aberrações têm suporte popular. Se não houver sustentação na sociedade, o partido morre”, avalia.

O Brasil tem apenas partidos nacionais, até por exigência da legislação, mas isso não ocorre em outros países, como a Índia, a maior democracia do mundo, onde há 1.841 siglas partidárias, a grande maioria representando uma região ou um estado. “Se você tiver um federalismo de verdade, com os estados tendo autonomia, com condições de ter leis muito próprias, orçamentos próprios, não vejo problema em haver partidos regionais. No Brasil, o federalismo é bastante frágil, os estados estão, quase todos, quebrados e estão sempre recorrendo à União. Imagina se um estado quebrado é controlado por um partido regional. Como ele vai dialogar com a Federação, com as instituições federais? Se quisermos disutir isso, precisamos discutir nosso pacto federativo”, defende.

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Protestos de rua

Dos 76 partidos em formação, exatamente a metade deles surgiu entre 2013, ano das grandes manifestações de rua que questionavam o sistema político – havia muitas bandeiras contra a política tradicional e “contra todos” os partidos existentes – e o impeachment de Dilma Roussef (PT), em 2016, que também deixou o cargo em meio a grandes protestos nas principais cidades brasileiras. A onda de questionamento ao establishment político acabou levando à maior renovação parlamentar da história do país, nas eleições de 2018, disputa eleitoral que catapultou ao poder um até então inexpressivo PSL, que varreu os partidos tradicionais do poder.

 

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