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Ministra de Bolsonaro e senador foram alvo de espionagem exposta em dossiê

Flávia Arruda e Alexandre Silveira tiveram o sigilo telefônico violado e as informações reunidas em um material criminoso

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 jul 2022, 08h34 - Publicado em 29 jul 2022, 06h00

No dia 6 de setembro do ano passado, uma segunda-feira, o senador Alexandre Silveira (PSD-MG) estava no litoral norte da Bahia, onde ficam alguns dos mais confortáveis e luxuosos resorts do estado. Nessa época, ele ainda era suplente do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) e participava ativamente de uma negociação política que, mais tarde, resultaria numa inesperada e surpreendente eleição do correligionário para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Silveira é dono de uma casa na região e costuma viajar para lá nos fins de semana e feriados. Ele não sabia nem desconfiava que seus passos estavam sendo vigiados — e não só ele. A então ministra-chefe da Secretaria de Governo (Segov), deputada Flávia Arruda, era alvo do mesmo monitoramento. Durante quatro meses, detetives acompanharam de perto a rotina da ministra em seu gabinete no Palácio do Planalto, rastrearam seus deslocamentos dentro e fora de Brasília e, mais grave, violaram seu sigilo telefônico, expondo a intimidade de autoridades importantes da República e pessoas que tiveram algum tipo de contato com ela no período.

O resultado desse cerco ilegal está detalhado em um dossiê apócrifo que circulou em alguns gabinetes importantes da capital. O material comprova que tanto a ministra Flávia Arruda como o senador Alexandre Silveira tiveram sua privacidade invadida de maneira criminosa. Pelo teor das informações relatadas, fica claro que os detetives que bisbilhotaram a vida do senador e da ministra estavam interessados em saber se os dois se falavam, com quem conversavam e os trajetos que percorriam. O documento informa que o monitoramento aconteceu entre 1º de setembro e 31 de dezembro de 2021. Um dos capítulos — “Comunicação mantida ou tentada por F.A. fora de Brasília” — não deixa dúvidas sobre a identidade do alvo principal dos espiões. F.A. é Flávia Arruda. Logo nas primeiras linhas do relatório fica evidente o método utilizado pelos bandidos para bisbilhotar a ministra. O texto dos criminosos descreve que Flávia recebeu uma ligação de um deputado estadual às 17h07 do dia 7 de setembro. A chamada não foi completada, mas a simples tentativa de conexão forneceu aos arapongas o local exato em que a ministra se encontrava. Flávia estava na Praia do Forte, no litoral norte da Bahia. O rastreamento continuou sendo feito em viagens dela para São Paulo e Minas Gerais.

ALIADOS - Anastasia: a ex-ministra e Silveira apoiaram a eleição do senador ao TCU -
ALIADOS - Anastasia: a ex-ministra e Silveira apoiaram a eleição do senador ao TCU – (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Reprovável em todos os aspectos, a espionagem ocorreu no momento em que havia uma intensa disputa política em Brasília. Deputada de primeiro mandato, Flávia ganhou no ministério a função de articuladora política do governo, responsável, entre outras coisas, pela complicada missão de ajustar os múltiplos interesses de deputados e senadores ao cronograma de liberação de verbas federais. Não demorou para a ministra ser acusada de descumprir acordos para beneficiar parlamentares amigos. No segundo semestre do ano passado, havia também uma disputa no Senado por uma vaga de ministro no Tribunal de Contas da União, posto atualmente muito cobiçado pelos congressistas. Para não criar turbulências entre os aliados, o governo costurou um pacto entre os partidos da base para apoiar a senadora Kátia Abreu (PP-TO). A questão parecia pacificada. Porém, para surpresa geral, o eleito foi Antonio Anastasia, com o apoio de vários governistas. Flávia foi acusada na ocasião de traição depois que se descobriu que ela havia liberado dezenas de milhões de reais em emendas para os senadores que se comprometeram a votar em Anastasia. Segundo um assessor de Jair Bolsonaro, a ministra agiu em parceria com Alexandre Silveira, que, com a eleição de Anastasia, foi promovido de suplente a titular no Senado.

No relatório, Alexandre Silveira é o A.S.. As ligações telefônicas dele também foram monitoradas e seus deslocamentos igualmente acompanhados por geolocalização. No dia 9 de novembro, por exemplo, os espiões anotaram que o congressista, exercendo temporariamente o mandato, estava no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), exatamente às 12h08. De lá, ele embarcou em um voo com destino a Portugal para acompanhar um fórum jurídico que tinha Flávia Arruda entre os palestrantes. Na mesma data, só que à noite, os detetives registraram que Flávia também esteve no aeroporto de Guarulhos. Um telefonema de doze segundos entre ela e uma colega senadora foi captado às 22h26 e permitiu a localização. Por lei, qualquer quebra de sigilo ou acesso a dados pessoais só pode ocorrer por ordem judicial, ocasião em que as operadoras de telefonia disponibilizam a uma determinada investigação o fluxo de contatos telefônicos e telemáticos de alvos predeterminados. A legislação é explícita ao afirmar que é crime “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

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CONTEXTOS - Kátia Abreu: a senadora do Tocantins era considerada favorita à vaga no tribunal, mas foi derrotada -
CONTEXTOS - Kátia Abreu: a senadora do Tocantins era considerada favorita à vaga no tribunal, mas foi derrotada – (Horacio Villalobos/Corbis/Getty Images)

Portanto, bisbilhotices como as descritas no relatório apócrifo são, por óbvio, ilegais e a pena para esse tipo de crime pode chegar a quatro anos de prisão. Especialistas consultados por VEJA explicam que rastreamentos clandestinos como esse podem ser realizados basicamente de duas formas: a partir da instalação de um programa malicioso nos celulares dos alvos ou, o mais provável, com a cumplicidade de funcionários das empresas de telefonia. “Com um software o criminoso vira dono do telefone e pode capturar todas as informações até em tempo real, se quiser”, diz o diretor da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais e especialista em segurança cibernética Evandro Lorens. “Algumas dessas invasões são tão bem-feitas que muitas vezes o usuário nem sequer percebe o que está acontecendo”, acrescenta. Na dark web, camada da internet inacessível a mecanismos de busca, é comum encontrar endereços eletrônicos que comercializam dados sigilosos das operadoras. No caso do senador e da ministra, fica evidente que os detetives tiveram acesso aos extratos dos telefones e ao sistema que permite descobrir a exata localização dos usuários enquanto os aparelhos permanecerem ligados. Por isso, são grandes as chances de que tenha havido nesse caso a colaboração de alguém ligado às empresas de telefonia. “Isso é muito grave, deve ser apurado com rigor, mas infelizmente esse tipo de crime é relativamente fácil de se cometer e se intensifica com a proximidade das eleições”, afirma o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).

As duas vítimas desse monitoramento criminoso foram alertadas da situação pela reportagem de VEJA e ficaram, evidentemente, revoltadas. “Incontestavelmente há um crime gravíssimo neste episódio. O momento de Brasília é muito tenso e não tenho nenhuma dúvida de que há interesse político em rastrear informações de autoridades”, disse Alexandre Silveira. Delegado de polícia, o senador confirma que esteve na Praia do Forte e no aeroporto de Cumbica como informa o relatório. “Não tenho nada que possa me comprometer sobre onde estou ou com quem estou falando, mas um monitoramento ilegal é mais um jogo porco que terá de sofrer as devidas apurações e consequências”, acrescentou o parlamentar, candidato à reeleição em Minas Gerais. Flávia Arruda deixou a Secretaria de Governo em março. Ela pretende disputar uma vaga para o Senado pelo Distrito Federal e acaba de acertar uma importante aliança com Ibaneis Rocha (MDB), atual governador. “Não tive conhecimento, acesso e tampouco sei as motivações. Qualquer investigação clandestina é crime e, se confirmada, será tratada como tal na Justiça. Encaro com repúdio e indignação mais uma ação que evidencia a violência política, diária, contra as mulheres”, disse a ex-­ministra em nota. Tem toda a razão. O caso agora é de polícia.

Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

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