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MP mira ex-mulher de Bolsonaro no escândalo das rachadinhas

Investigadores apuram se Ana Cristina Siqueira Valle fazia parte ou se beneficiou do esquema de arrecadação de salários dos funcionários

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Nonato Viegas Atualizado em 3 jul 2020, 11h14 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00

Não são apenas os ex-policiais Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega que estão trazendo para o presente uma parte ainda não muito nítida do passado da família do presidente da República. Ex-mulher de Bolsonaro, a advogada Ana Cristina Siqueira Valle também está nessa relação. Em dezembro do ano passado, uma operação do Ministério Público atingiu nove parentes de Ana Cristina que estiveram lotados no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A suspeita: prática de “rachadinha”. Dois fatos corroboram a desconfiança dos investigadores: os parentes sempre moraram em Resende, cidade localizada a mais de 160 quilômetros da capital fluminense, mas assinavam o ponto como se estivessem cumprindo o expediente normal. Além disso, a quebra do sigilo bancário revelou uma curiosa coincidência: os familiares da ex de Bolsonaro sacavam praticamente todo o salário imediatamente após o pagamento. Para o MP, essa movimentação é indício de que o dinheiro era desviado e canalizado para o bolso de alguém.

Ana Cristina foi intimada a depor na próxima quinta-feira. O Ministério Público apura se a ex-mulher de Bolsonaro fazia parte ou se beneficiou do esquema de arrecadação de salários dos funcionários. A advogada foi responsável pela indicação dos parentes, que, durante anos, se revezaram como assessores nos gabinetes de Flávio e de Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois do presidente. As quebras do sigilo bancário da família revelaram que havia algo anormal. Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina, chegou a sacar 98% de seus vencimentos enquanto trabalhou para Flávio, entre 2008 e 2017. Já José Cândido Procópio Valle, pai da advogada, sacou na boca do caixa 99% de tudo que recebeu como assessor do então deputado por três anos. Daniela Siqueira, prima da advogada, foi a recordista no quesito volume em dinheiro vivo: sacou quase 800 000 reais da conta enquanto assessorava o filho do presidente, 96% do total recebido. O mesmo procedimento foi repetido por um tio e três tias, outra prima e um primo da ex-mulher do presidente. Dos 4,8 milhões de reais recebidos pela família Valle apenas no gabinete de Flávio Bolsonaro, 4 milhões de reais foram sacados na boca do caixa.

ARQUIVO VIVO - Queiroz: acusação de rachadinha e dinheiro para autoridades. (Nelson Almeida/AFP)

O presidente manteve uma união estável com Ana Cristina por dez anos, entre 1997 e 2007. Em 2008, eles se envolveram num tumultuado processo de separação judicial. No litígio, cujos detalhes foram revelados por VEJA em 2018, Ana Cristina acusou Bolsonaro de ocultar patrimônio e receber pagamentos não declarados. Segundo ela, o então deputado federal tinha uma “próspera condição financeira”, abastecida por uma renda mensal que chegava a 100 000 reais, em valores da época. Oficialmente, Bolsonaro recebia 26 700 reais como parlamentar e 8 600 reais como militar da reserva. Essa diferença, de acordo com Ana Cristina, vinha de “outros proventos”. Depois do embate, o casal chegou a um acordo financeiro. Mesmo após a separação, os parentes da advogada continuaram nos gabinetes de Flávio e de Carlos Bolsonaro. “Se o Ministério Público afirmar que eu recebo ou recebi rachadinha, vai ter de provar. Isso eu quero ver: provar”, disse a VEJA a ex-mulher do presidente. É a partir desse ponto — as investigações da rachadinha — que as histórias de Ana Cristina, Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega passam a convergir.

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Em dezembro passado, quando os investigadores cumpriram mandados de busca e apreensão na casa dos parentes de Ana Cristina, ela enviou recados a pessoas próximas ao presidente solicitando ajuda. O socorro, até onde se sabe, veio em forma de apoio jurídico. Criminalista e morador de Resende, o advogado Magnum Roberto Cardoso assumiu a defesa dos familiares da ex-mulher de Bolsonaro. Ele fez uma viagem a São Paulo, onde se reuniu num hotel com Frederick Wassef, defensor de Flávio Bolsonaro até a semana passada. O que exatamente foi tratado nesse encontro é mantido em segredo pelas duas partes. Procurado, Magnum Roberto não quis comentar. Wassef, por sua vez, desconversou e disse que não se recordava do episódio. Naquela época, ninguém sabia — ou quase ninguém —que o advogado de Flávio Bolsonaro mantinha Fabrício Queiroz escondido numa casa dele, em Atibaia, lugar onde o ex-policial foi preso duas semanas atrás. Os elos vão se juntando.

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ARQUIVO MORTO - Adriano: executado em condições ainda não esclarecidas. (//Reprodução)

Em entrevista a VEJA publicada na semana passada, Frederick Wassef, que também é advogado do presidente da República, contou que decidiu dar abrigo a Queiroz ao descobrir que havia um plano para assassinar o ex-policial. O crime seria parte de uma conspiração maior, que teria começado em fevereiro com a execução de Adriano da Nóbrega. A trama, segundo ele, teria dois objetivos. O primeiro era incriminar Jair Bolsonaro e sua família. O segundo era impedir que Queiroz e Adriano revelassem segredos que comprometeriam altas autoridades do Rio de Janeiro. Os ex-­policiais eram grandes parceiros e trilharam uma carreira muito parecida. Em 2003, estavam juntos numa incursão que resultou na morte de um técnico de refrigeração. Ex-capitão do Bope, Adriano foi expulso da PM por envolvimento com o jogo do bicho, em 2014. Já o subtenente Fabrício Queiroz entrou para a reserva quatro anos depois. Em 2007, ele virou segurança e motorista de Flávio Bolsonaro.

ALVOS 1 E 2 - Flávio e Carlos: parentes de Ana Cristina nos gabinetes. (Cristiano Mariz/VEJA)

Além de lotearem cargos no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio entre seus parentes, assim como fez Ana Cristina, Adriano e Queiroz compartilhavam negócios. Ambos aplicavam recursos em grilagens de terra e na construção de moradias irregulares em áreas controladas pela milícia, conforme contaram a VEJA, sob a condição de não terem seus nomes revelados, pessoas próximas a eles. Adriano, que ficou foragido por um ano e foi morto a tiros pela polícia da Bahia em condições até agora não muito bem esclarecidas, era um importante empreendedor nesse ramo. O Ministério Público do Rio suspeita que o dinheiro da rachadinha levantado por Queiroz no gabinete de Flávio possa ter sido aplicado em negócios de seu amigo. Outra informação importante seria sobre a relação de Adriano com o poder público.

Em fevereiro, VEJA revelou que ele relatou a sua mulher, Júlia Lotufo, ter repassado 2 milhões de reais à campanha de Wilson Witzel para o governo do Rio. Na época, o principal cabo eleitoral de Witzel era Flávio Bolsonaro, que tinha justamente Queiroz como asses­sor. O ex-policial teria condições de escla­recer quem pediu a Adriano a ajuda financeira para Witzel, que depois de eleito se tornou adversário do presidente da República. Mais: Queiroz também poderia dizer se outros políticos receberam contribuições parecidas. “O Adriano sabia quem dava propina a políticos e autoridades públicas do Rio. Quem dava e quanto dava”, contou a VEJA um parente dele. Segundo esse mesmo parente, Adriano não mantinha relação direta com os Bolsonaro. Seu contato se dava por intermédio de Queiroz.

CONSPIRAÇÃO - Wassef: segundo ele, trama para tentar atingir Bolsonaro. (Jonne Roriz/VEJA)

Essas relações, como se vê, são tão intrincadas — e perigosas para a primeira-família da República — que a defesa de Queiroz e Adriano também passou a ser coordenada por Wassef. Foi ele quem indicou o advogado Paulo Emílio Catta Preta para representar Queiroz e a família de Adriano. Foi ele também que se tornou porta-voz, em entrevistas, de teses que pregam a inocência dos dois personagens. Adriano, segundo Wassef, não seria o chefe do chamado “Escritório do Crime”, o grupo de matadores de aluguel que vem sendo investigado pelo Ministério Público. Já Queiroz não passaria de um “roleiro” de primeira, daquele que faz dinheiro com todo tipo de atividade, de agiotagem a venda de carros — cambalachos que justificariam as altas somas de dinheiro que ele movimentou no período em que trabalhou com o filho de Bolsonaro. Wassef costuma resumir o caso da seguinte forma: “Associaram os nomes do Adriano e do Queiroz com o do Flávio para, assim, atingir o presidente. É uma conspiração”. A teoria, porém, ganhou um terceiro personagem importante. E esse (na verdade, essa, a ex-mulher Ana Cristina) é diretamente ligado ao presidente.

Com reportagem de Cássio Bruno

Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694

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