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Mensalão: o dinheiro que o brasileiro nunca mais verá

STF tem aplicado multas aos condenados e discute como a sociedade deve ser indenizada pelos crimes do mensalão; o pagamento, no entanto, é difícil

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 4 nov 2012, 18h46

A condenação dos principais mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pulverizou o argumento, amplamente usado por petistas, de que não passavam de “piada de salão” as denúncias de que deputados recebiam mesada para apoiar o recém-eleito governo Lula. Ao confirmar que 25 réus terão de pagar pelo rosário de crimes do mensalão, alguns deles cumprindo pena atrás das grades, a mais alta corte do país também começou a discutir como devolver aos cofres públicos ao menos uma parte do dinheiro desviado. Essa reparação está prevista em lei, mas as ferramentas para alcançá-la não são das mais eficazes. O caminho para reaver os recursos será árduo e pode terminar em frustração.

Desde 2007, o Ministério Público Federal tenta, por meio de ações de improbidade administrativa na primeira instância, cobrar dos réus do mensalão a devolução dos recursos. Até agora, no entanto, nenhum avanço concreto foi conseguido. As pretensões do MP em propor múltiplas ações de reparação contra uma mesma lista de mensaleiros, por exemplo, foram rejeitadas de imediato pela Justiça, que considerou que os procuradores estavam espalhando sem motivo processos idênticos de improbidade. Parte dessa discussão já chegou aos patamares mais altos do Poder Judiciário e está sendo travada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Os pedidos de recuperação dos recursos ainda encontram percalços, por exemplo, na própria Lei de Improbidade, alvo frequente de disputas entre o MP e políticos. Essa legislação não prevê explicitamente a prerrogativa de autoridades serem julgadas apenas pelas mais altas instâncias da justiça. O Ministério Público considera que, por serem cíveis, as ações de improbidade podem ser propostas nas instâncias iniciais, como fez no caso do mensalão, mas os próprios ministros do STF não têm uma posição definitiva sobre que juiz ou tribunal é indicado para julgar esse tipo de processo contra autoridades com foro, como ministros de Estado, deputados e senadores.

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Em meio ao impasse sobre quem pode julgar ações de improbidade administrativa contra agentes com foro privilegiado, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, sem analisar o mérito do pedido, chegou a excluir, por exemplo, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu da lista de potenciais responsáveis pela devolução do dinheiro do valerioduto. A decisão, contrária à briga do MP por recuperar os recursos apropriados no esquema do mensalão, se baseou em um julgamento em que a suprema corte, em 2007, entendeu que, no caso de determinados agentes públicos, os processos não podem ser analisados originariamente em instâncias inferiores. A interpretação do TRF é a de que, para exigir desses agentes, incluindo Dirceu, reparos financeiros por conta dos crimes do mensalão, a Procuradoria-Geral da República tem de ingressar com processos específicos no Supremo.

Reservadamente, advogados que atuam no julgamento do mensalão ainda antevêem que, mesmo se o Ministério Público propuser ações específicas levando em conta o direito ou não de foro privilegiado contra cada mensaleiro condenado, os ministros da corte devem enfrentar dificuldades para decidir quem é obrigado a pagar qual parcela do bolo de recursos desviados.

Responsável pela defesa de Marcos Valério, o advogado Marcelo Leonardo, por exemplo, já pediu ao STF que defina uma fórmula clara sobre como poderia ocorrer a reparação civil à sociedade. Como mais de um réu foi condenado pelos mesmos crimes, os ministros precisam definir uma cota-parte da reparação financeira para cada condenado, considerando e individualizando a pena, ou fixar que o pagamento será de forma solidária. Para Leonardo, como Valério atuou como intermediário dos recursos, as cobranças de reposição à sociedade deveriam ser feitas aos destinatários finais, ou seja, aos deputados condenados por vender apoio político.

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Apesar das reais dificuldades no processo de reaver os recursos que foram apropriados criminosamente pelo esquema do valerioduto, a briga entre o Ministério Público e os réus do mensalão é relativamente nova, considerados os longos prazos por que um processo pode se arrastar no sistema judicial brasileiro. A dificuldade na recuperação dos recursos é tanta que 20 anos depois do escândalo de desvios milionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o governo ainda disputa na justiça o direito de leiloar imóveis da advogada Jorgina de Freitas, chefe da quadrilha que assaltou os cofres previdenciários no Rio de Janeiro, e bloquear os bens de seus comparsas. Dos 500 milhões de dólares – em valores não corrigidos – desviados pela quadrilha, apenas 70 milhões de reais – também não corrigidos – chegaram de volta aos cofres da União.

Se a reparação financeira aos cofres públicos, e consequentemente à sociedade, é de difícil execução, também não é realista a aplicação de multas contra aqueles que o ministro Celso de Mello chamou de “marginais do poder”. Se não houver a quitação da multa imposta pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no prazo de dez dias após a sentença, o nome do réu é apenas inscrito na dívida ativa da União. Condenado a mais de 40 anos de cadeia, o publicitário Marcos Valério, por exemplo, teria somente de responder a mais um processo, desta vez uma execução fiscal. A pena pecuniária imposta ao operador do esquema criminoso beira os 3 milhões de reais.

“Há uma falência dessa pena de multa, que só existe como uma ficção. As pessoas se assustam com as multas de milhões, mas nada se paga. Se a pessoa simplesmente não der bola, isso se transforma em uma execução fiscal. É como se um de nós não pagasse o IPTU”, diz o ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Vladimir Passos Freitas. O desembargador aposentado, atual professor da PUC-PR, também estima as dificuldades de se medir quanto cada réu deveria, em tese, devolver aos cofres públicos e se esse dinheiro efetivamente seria pago. “É raríssimo um juiz penal fixar esse valor, e mais raro ainda essa inovação ter alguma efetividade. Somos despreparados para esse tipo de confisco. Ainda estamos no tempo de punir só o assaltante à mão armada”, afirma.

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Embora não atue nas ações judiciais que buscam recuperar o dinheiro desviado no mensalão, a Advocacia-geral da União (AGU) também enfrenta dificuldades burocráticas e processuais para reaver em larga escala os recursos públicos embolsados por quadrilhas. Até 2007, apenas 1% do montante confiscado por corruptos em todo o país voltava aos cofres públicos. Hoje, de cada dez reais desviados, somente 1,50 real retorna para os caixas da União.

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