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Liturgia da queda: o ‘jeito mineiro’ de Dilma demitir

Em todas as crises, presidente agiu para que os próprios acusados pedissem demissão. Estratégia evita que sua imagem seja atingida, dizem especialistas

Por Adriana Caitano
26 out 2011, 20h27

Os mineiros costumam dizer que o pior inconveniente é melhor que a melhor das brigas. A frase, lembrada pelo cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Octaciano Nogueira, ajuda a entender o comportamento da presidente Dilma Rousseff nas sucessivas crises que enfrenta desde que assumiu o governo, no início de 2011. Para evitar arranhões em sua imagem, ela seguiu o mesmo ritual na queda dos cinco ministros defenestrados por envolvimento em escândalos: no lugar de demitir, agiu nos bastidores para que o próprio alvo pedisse para sair. Uma liturgia que a livra de sujar as próprias mãos.

Dilma não tem nenhuma experiência como governante e ainda está aprendendo a lidar com a rotina de ocupar o posto mais importante do Executivo. Mas conta com a história a seu favor. No extenso anedotário político brasileiro, políticos como Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves (por acaso também mineiros) adotaram um estilo peculiar de gerenciamento de crise. “Os mineiros não são de confrontar, são de conciliar, não querem arestas, sempre entendimento”, comenta. “Quando você demite alguém, mesmo que involuntariamente se cria um conflito, então o cerimonial para enterrar uma carreira política é manter a pessoa em fogo brando para que ela se sinta na obrigação de abandonar o posto.”

O especialista em marketing político e presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos Manhanelli, reforça a tese de Nogueira relatando uma história que diz ter ouvido de Tancredo Neves, quando governador de Minas Gerais. Segundo ele, antes de o mineiro tomar posse, um homem começou a avisar aos jornais que seria convidado para ser o secretário de Fazenda.

Quando Tancredo assumiu, ele disse que ficaria chato se não fosse indicado para o cargo, já que todos os jornais diziam que isso aconteceria. “A resposta do governador foi simples: ‘Então anuncie no jornal que eu te convidei e você não aceitou’, disse, demonstrando que o governador ou presidente sempre tem que ser preservado”, diz o especialista.

Ritual – O primeiro teste de Dilma foi a crise envolvendo o ex-ministro-chefe da Casa Civil Antonio Palocci. Ele foi o ministro que mais aguentou no cargo enquanto a crise ganhava contornos mais graves. Do dia 15 de maio – quando surgiram as primeiras denúncias – até a data de sua despedida do cargo, passaram-se 23 dias. No período, Dilma começou em silêncio e, após a intervenção de Lula, saiu em defesa do ministro, que pediu demissão dias depois. A tática revelou-se falha e a presidente foi criticada por não agir com firmeza diante do escândalo.

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A partir do segundo caso, Dilma reagiu mais rápido. A presidente afastou envolvidos no mensalão operado pelo PR no Ministério dos Transportes, que estava nas mãos de Alfredo Nascimento, no mesmo dia em que VEJA revelou o esquema. A demissão em massa deu a ela o título de faxineira política. Preocupada em não comprar uma briga maior com o partido, Dilma iniciou o discurso da presunção se inocência, afirmando que o ministro não deveria ser julgado sem se defender. Por fim, a decisão pela saída de Nascimento, em tese, partiu dele mesmo – quatro dias após a reportagem ser publicada.

Wagner Rossi, ex-ministro da Agricultura, teve uma queda mais demorada, porém menos indolor. No início, novamente Dilma defendeu a tal presunção de inocência e o próprio ministro. Mas a pressão interna para a derrocada de Rossi crescia. Ainda assim, foram necessárias três semanas seguidas de revelações de malfeitos relacionados ao peemedebista para que ele jogasse a toalha.

Apesar de ser o menor de todos os eliminados, em altura, Pedro Novais, antigo dono da pasta do Turismo, foi o mais resistente. Ele cambaleava desde que chegou ao cargo, em janeiro, mas foi a Operação Voucher da Polícia Federal, em agosto, que levantou a bola para que a presidente desse a cortada final. No entanto, a queda só se concretizou um mês depois, quando acusações mais graves – e pessoais – o atingiram.

Com Orlando Silva, o último a abandonar o barco, Dilma manteve o ritual: defendeu o ministro e pediu-lhe que desse explicações públicas. Mas, por debaixo dos panos, fez de tudo para que, mais uma vez, partisse do acusado a ideia de deixar o cargo. O ministro resistiu somente onze dias na corda bamba e pediu para sair, para que liturgia mineira não fosse descumprida.

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