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“Há um risco claro”

Filósofo José Arthur Giannotti diz que “versão descontrolada” de um governo Bolsonaro pode ferir democracia, mas acha que volta do PT seria pior para o país

Por Ana Clara Costa Atualizado em 26 out 2018, 07h00 - Publicado em 26 out 2018, 07h00

Quando os protestos de junho de 2013 tomaram o país, o filósofo e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) José Arthur Giannotti constatou, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, que não havia surgido, até então, um “líder demagogo” capaz de fazer a ponte entre os protestos e a política. Cinco anos depois, ele reconhece que a liderança apareceu. “Só não imaginava que o demagogo fosse um perverso da direita”, afirma. Em entrevista a VEJA, Giannotti diz que a provável vitória de Jair Bolsonaro levará o país a “travar uma verdadeira batalha” pela democracia e que, caso o presidenciável “não se civilize”, correrá o risco de ser alvo de impeachment. Giannotti considera que Bolsonaro representa um risco à democracia maior que o PT, mas pondera que, com Fernando Haddad, a chance de renovação na política é menor, o que o faz preferir o “risco Bolsonaro” ao petismo.

O senhor vê riscos à democracia num governo Bolsonaro? Vejo que há um risco claro. Há uma escalada contra a democracia que já havia começado com o PT e seus arroubos contra tudo aquilo com que o partido não concordava. E isso culminou nesse processo de renovação que acabou levando à liderança de votos Jair Bolsonaro, uma pessoa de alta virulência. O que se desenha é um período de grande preocupação, em que nós, como sociedade, teremos de travar uma verdadeira batalha para defender a democracia.

O que, exatamente, o preocupa? A coerção de liberdades, o que seria, a meu ver, a pior versão, a versão descontrolada de um governo Bolsonaro. Se isso se confirmar e ele afrontar princípios básicos da Constituição, criará inevitavelmente uma situação de conflito com os poderes — o Congresso e o Judiciário — e com a população. Em outra instância, também pode se indispor com as Forças Armadas, que são hoje muito mais democráticas do que no passado e certamente não apoiariam nenhum ímpeto autoritário dele.

Em 2013, o senhor escreveu que nenhum “líder demagogo” havia sido capaz de fazer a ponte entre os protestos e a política. Bolsonaro seria esse demagogo? Parece-me que virei profeta. Só não imaginava que o demagogo fosse um perverso da direita.

O senhor acha que o STF pode ser o principal alvo de eventuais medidas autoritárias de um governo Bolsonaro? Não acho. O que o filho dele falou naquele vídeo três meses atrás me pareceu algo impensado. Precisamos esperar para ver como ele se enquadrará, se sua vitória se confirmar. Algo que me preocupou foi seu discurso para os manifestantes no domingo (em que Bolsonaro diz que “marginais vermelhos serão banidos do país”). Ele precisa aprender a se conter, a respeitar a divergência de opinião. Ou ele se civiliza, ou os conflitos e a violência dentro do país entrarão em escalada ainda maior. E seu governo não sobreviverá, haverá impeachment. A população não vai mais suportar um governo de força, não vai apoiar. Vai criar uma situação contra ele. Não há demanda na sociedade por algo que fuja da via democrática.

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Qual o maior risco a que um even­tual governo Bolsonaro estará exposto? O fato de Bolsonaro ter chance de ganhar somente por causa da rejeição ao PT, e não pelo apoio às suas propostas de ultradireita. E ele precisa entender isso. Ele só poderá vencer por causa do fator rejeição. Diante disso, se fizer um governo autoritário, muita gente vai lutar contra e vai trabalhar para que ele caia. Agora, outras coisas também põem seu possível governo em risco. Todos vão querer saber o que ele fará para sanar o problema dos 13 milhões de desempregados, uma situação completamente intolerável. Ele também vai ter de responder sobre a segurança, sua principal bandeira. Não dá para vivermos num país em que há mais mortes por ano do que na guerra da Síria. Se ele não resolver esses dois problemas, a situação poderá degringolar.

No caso de vitória do PT, que riscos enxerga? No caso do PT, temos uma falsificação do que se pensa que seja um governo de esquerda. Trata-se, na verdade, de um governo populista. Um governo de esquerda combate ou tenta se posicionar diante de um capitalismo tal como ele é. Não é o que faz o PT. O mundo vive um capitalismo de alta tecnologia, com os Estados Unidos em ascensão econômica puxada por uma renovação tecnológica extraordinária. E nós aqui ainda pensando em educação primária e secundária. Estamos fora do jogo. E essa situação, que tem muito a ver com o PT, é, a meu ver, muito prejudicial.

Entre os dois, Haddad e Bolsonaro, qual apresenta o maior risco? Bolsonaro traz mais risco, mas também maior possibilidade de renovação, considerando a troca que já vemos acontecer no Congresso e que deve se reproduzir em toda a máquina pública. Há uma estrutura que era fechada e que se abrirá para dar espaço a um novo governo, e isso é positivo. Já uma vitória de Haddad traria menos riscos, mas também pouquíssima possibilidade de renovação. Apesar dos riscos, fico com a primeira opção.

Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606

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