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Governo do Rio queima 700 toneladas de medicamentos e material hospitalar

Relatório obtido por VEJA revela leniência e má gestão em meio à crise que se abate sobre a saúde pública fluminense

Por Da Redação 23 fev 2016, 15h36

Filas, pacientes em macas nos corredores, médicos sem receber e remédios e material hospitalar em falta são alguns dos sintomas da crise que devasta a saúde pública do Rio de Janeiro, um misto de ineficiência, desvios e escassez de recursos que levou o sistema ao colapso. Em dezembro, os serviços de pronto socorro das principais unidades fecharam as portas e o governador Luiz Fernando Pezão decretou situação de emergência no estado. Pois nesta situação em que falta de tudo uma investigação da própria Secretaria da Saúde, a que VEJA teve acesso, revela que 700 toneladas de remédios e materiais foram incineradas (isso mesmo, sumariamente queimadas) entre junho de 2014 e março do ano passado. O prazo de validade dessa montanha de suprimentos essenciais expirou sem que ninguém evitasse o desastre anunciado, um erro básico de gerenciamento de estoque e inequívoco retrato da incompetência. Era de esperar que ao menos os responsáveis fossem severamente punidos. Mas não: o governo optou por abafar o caso e desmobilizar a equipe investigadora.

A descoberta do absusrdo desperdício é resultado de uma sindicância aberta pela corregedoria criada no ano passado pelo então secretário da Saúde, Felipe Peixoto. A investigação teve início a partir de um email denunciando a queima de quantidades expressivas de material hospitalar de propriedade do estado que vinha ocorrendo nas dependências de uma empresa especializada, a Haztec,na Baixada Fluminense, contratada para isso. Ouvido pelos corregedores, o gerente de operações da empresa, Márcio Marinho, confirmou duas incinerações por vencimento do prazo de validade — uma de 300 toneladas, entre junho e julho de 2014, e outra de 400 toneladas, entre janeiro e março de 2015 – e manifestou estranheza diante do volume e da frequência dos descartes. “Até os funcionários que participaram da incineração lamentaram ver tudo aquilo queimando. Eram fraldas geriátricas, ataduras, rolos de papel para forrar maca, caixas de luva descartável, próteses em formato de traqueia, remédios”, enumerou Marinho aos investigadores.

As toneladas jogadas fora por validade expirada saíram da Central Geral de Abastecimento (CGA) da secretaria da Saúde, uma espécie de grande almoxarifado que armazena o estoque do estado. A central é administrada pelo consórcio privado LogRio, formado pelas empresas Facility e Prol Soluções, ambas ligadas ao empresário Arthur Cezar Soares – o rei Arthur, apelido que ganhou por ter faturado mais de 1 bilhão em contratos de terceirização de mão de obra durante o governo Sérgio Cabral. As evidências apontam para um caso de flagrante má gestão, já que descartes por validade vencida são raros quando há planejamento eficiente. A própria Haztec informou que costuma receber encomendas de incineração de produtos de farmácias, mas em geral por problemas nas embalagens, e não por prazo de validade expirado. Nunca se saberá com precisão quais foram os itens queimados; a Haztec não recebeu nenhuma listagem do consórcio contratado pelo estado. Os pedidos mencionavam vagamente “material hospitalar”.

Procurado pela corregedoria desde julho, o LogRio ignorou a maioria dos questionamentos apresentados. Quando os investigadores cogitavam obrigar judicialmente o consórcio a prestar informações, em plena crise de dezembro, o governador Pezão afastou o secretário Peixoto e pôs em seu lugar o médico Luiz Antônio Teixeira Júnior, ligado a Sérgio Cortes, o detentor da pasta no governo anterior. Um dos primeiros atos de Teixeira foi justamente desmantelar a corregedoria: dezesseis oficiais da Polícia Militar foram exonerados sem ter chance sequer de repassar os detalhes das investigações que vinham sendo conduzidas. “A desmobilização representa um enorme prejuízo, pois o processo começava a gerar resultados. Os controles de estoque são deficientes, imprecisos, manipulados de maneira imprópria”, afirma o coronel Ronaldo Menezes, que comandou as investigações engavetadas. “São verdadeiros ralos por onde escoam milhões de reais”, enfatiza. Além de apurar as incinerações massivas, a corregedoria também tocava uma sindicância sobre desvio de alimentos e material médico no hospital Alberto Torres, em São Gonçado (de novo, sem qualquer colaboração da LogRio) e iniciava um pente fino sobre compras sem licitação nem tomada de preços de remédios e materiais hospitalares.

Desde a decretação de emergência, o governo vem se esforçando para criar uma agenda positiva para a saúde. A prefeitura assumiu a gestão de dois hospitais estaduais e doou dinheiro ao estado, assim como fez a União. Além disso, entraram em vigor medidas como o veto à internação de pessoas em Unidades de Pronto-Atendimento e o corte de gastos com as Organizações Sociais, que as administram. No caso das incinerações, a Secretaria de Saúde afirma, em e-mail a VEJA, que adotará como norma a obrigatoriedade de um relatório mensal listando quais itens estão prestes a vencer. Sem cravar datas, promete ainda reativar a corregedoria. Nada disso resolverá os problemas da saúde no estado, que são os únicos do governo Pezão. A Secretaria de Segurança, por exemplo, emite sinais claros de ter perdido as rédeas sobre a bandidagem. Acumulam-se os casos de barbárie que reverberam na imprensa mundial, como o assassinato da turista argentina Laura Pamela, de 25 anos, esfaqueada até a morte na orla de Copacabana na última quarta-feira. Como se vê, não vai ser nada fácil apagar tantos incêndios.

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