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Governo atrasa construção de casas e expõe moradores da Região Serrana a novas tragédias

Casas prometidas por Dilma Rousseff e Sérgio Cabral não saem do papel e valor gasto com aluguel social passa de 86 milhões de reais, sem evitar mortes

Por Branca Nunes, Cecília Ritto e Pâmela Oliveira
19 mar 2013, 10h35

Antes mesmo de recolher corpos, os gestores públicos têm, na ponta da língua, uma explicação para as tragédias na Região Serrana do Rio: chove muito, mais que o esperado. O “esperado” para este mês em Petrópolis, segundo a Defesa Civil do Estado do Rio, era de 270 milímetros de chuva. Em algumas áreas, como no bairro Quitandinha, entre o domingo e a segunda-feira foi registrado acúmulo de 390 milímetros. Na tarde de segunda, quando o número de mortos já se aproximava de duas dezenas, o governador Sérgio Cabral anunciou a liberação de 3 milhões de reais para remediar os danos da tragédia. Para as vítimas das chuvas deste mês – e para os que sobreviveram à tragédia de 2011 – o discurso soou como a velha cantilena de outros verões.

Quando a chuva varreu as cidades de Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis na madrugada de 12 de janeiro de 2011, soterrando mais de 1.000 pessoas em questão de algumas horas, as promessas também vieram com rapidez. Em Teresópolis, seria construído o bairro Parque Ermitage, com a instalação de 1.655 unidades habitacionais e quarenta unidades comerciais, além de um parque público. Em Petrópolis, o bairro Mosela seria brindado com 112 novos apartamentos e quatro unidades de comércio. Nova Friburgo, onde a chuva foi mais impiedosa, ganharia 4.309 casas, oitenta unidades comerciais e um espaço para a instalação de quarenta unidades industriais.

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A situação, passados dois anos, é a seguinte: em Teresópolis, 3.580 famílias recebem o aluguel social, a maioria por causa do temporal de janeiro de 2011 e parte devido às chuvas de abril de 2012. O município é responsável pelo pagamento de 780 famílias, e o governo do estado desembolsa 500 reais para cada uma das 2.800 famílias que recebem o aluguel social. Em Petrópolis, 876 famílias recebem o aluguel social, segundo a secretaria estadual de Assistência Social. Em Nova Friburgo, 2.700 famílias recebem o benefício. Essa gente toda espera, há dois anos, pulando de casa em casa. Alguns resolveram a seu modo: voltaram para áreas interditadas exatamente pelo risco de deslizamento ou alagamento.

Segundo o relatório publicado pela Comissão de Acompanhamento da Recuperação da Região Serrana do Rio de Janeiro, elaborado pela Assembleia Legislativa do estado e publicado em dezembro de 2012, por mês são gastos 3,6 milhões de reais com o pagamento do aluguel social a 7.479 famílias – as 7.236 das três cidades e outras espalhadas pelo estado. Desde a catástrofe de 12 de janeiro, o montante ultrapassou a casa dos 86,4 milhões de reais. Com esse dinheiro seria possível construir mais de 1.515 casas populares. Até agora, nenhuma saiu do papel.

“O programa de reconstrução como um todo está bem aquém do desejado”, resume o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB), presidente da CPI que investigou as causas da tragédia de 2011. “A única ação concreta foi a instalação das sirenes de alerta. A grande dificuldade ainda é encontrar terrenos para a construção das casas”, reconhece.

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A presidente Dilma Rousseff afirmou, da Itália, que uma parte do problema é a insistência de algumas famílias para permanecer em locais perigosos. “Nós temos um sistema de prevenção, o problema é que muitas vezes as pessoas não querem sair”, analisou. “E é uma situação muito difícil, porque choveu quase o tanto que chove um ano em certas regiões do Brasil”, disse a presidente, insistindo na corrente que torna as chuvas de verão uma “novidade” para o poder público.

Em Teresópolis, o quadro atual é desanimador em relação às 1.655 unidades habitacionais que seriam construídas pela parceria entre governos estadual e federal. Segundo a secretária municipal de Desenvolvimento Social de Teresópolis, Maria das Graças dos Santos, depois de dois anos, a obra ainda vai começar. “O prazo para quando começarem a construir é de pelo menos um ano”, explica. Ou seja: não há perspectiva de melhora para o verão de 2014.

Segundo a Secretaria de Obras do estado do Rio de Janeiro, órgão responsável pelas ações na Região Serrana, o grande obstáculo é encontrar terrenos apropriados para a construção das casas. Embora em abril de 2011, três meses depois da tragédia, Vicente de Paula Loureiro, subsecretário de Urbanismo Regional e Metropolitano da secretaria estadual de Obras, tenha dito que essas áreas já estavam definidas, tudo indica que a situação real era um pouco diferente. Em 2011, Loureiro estava mais otimista. “Os locais que avaliamos têm capacidade para receber cerca de 7.000 unidades”, observou em 2011. “Temos recursos para fazer 6.000, através do Governo Federal, e mais 1.000, referentes a doações das empresas. Estamos ainda averiguando áreas para conseguir avançar mais, pois a demanda pode ser maior, já que ainda precisaremos tirar algumas famílias de áreas de risco”.

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Quase dois anos depois de garantir que todos os desabrigados da Região Serrana estariam “morando em suas novas residências até o fim de 2012”, Loureiro trabalha com uma nova data: o segundo trimestre de 2013 – isso para a entrega das primeiras unidades. Em vez da construção de 7.235 imóveis, como divulgado anteriormente, agora são prometidas apenas 4.702 residências. Encontrar o terreno é só a primeira fase da resolução do problema. “Após a escolha dos terrenos, é necessário aguardar o trâmite burocrático e os impasses jurídicos para a desapropriação dos terrenos disponíveis”, avisa a secretaria. Só depois é possível realizar os procedimentos para “a escolha das empresas que construirão as unidades habitacionais”.

Burocracia – Para Antônio Fagundes, subsecretário de Assistência e Desenvolvimento Social e Trabalho de Nova Friburgo, “a boa vontade esbarra na burocracia”. Em 2011, no comando de um dos sessenta abrigos de Nova Friburgo, ele enfrentava representantes dos ministérios públicos, de entidades ligadas aos Direitos Humanos e de instituições responsáveis por menores infratores para garantir o mínimo de conforto aos desabrigados. “Hoje, temos que vencer a burocracia da Caixa Econômica, dos governos estadual e federal e dos órgãos ambientais”, diz.

Em junho de 2011, Dilma Rousseff assinou um chamamento público para a construção de 6.874 empreendimentos na região (6.641 unidades habitacionais, 188 unidades comerciais e 45 industriais), além de contratos para a recuperação e reconstrução de pontes e contenção de encostas das áreas afetadas. A presidente anunciou também a revitalização de toda a rede de transporte, drenagem, abastecimento de água, esgoto, pavimentos, coleta de lixo e energia.

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Enquanto no Japão a rodovia que liga Ibaraki a Tóquio, destruída no tsunami de 2011, demorou seis dias para ser reconstruída, as pontes da região serrana continuam implorando por socorro há 798 dias. Das quase 100 pontes que sofreram algum tipo de dano, apenas onze tiveram as obras de recuperação concluídas. “Em 30 dias foram restabelecidos a maioria dos acessos, devolvendo à população o direito de ir e vir”, explica a Secretaria de Obras. “Foram construídos caminhos alternativos e pontes provisórias, retomando o transporte público e o escoamento da produção agrícola”. Como não é raro no Brasil, o provisório corre sério risco de tornar-se definitivo.

Para tentar justificar tamanha demora, a secretaria informa que “a grande magnitude da tragédia alterou o curso e a vazão dos rios, impossibilitando a utilização de estudos existentes, o que não permitiu que as obras contratadas pudessem ser realizadas em 180 dias, que é o prazo das contratações emergenciais”. Além das onze pontes concluídas, o governo promete reconstruir outras 52. Desse total, nove estão em fase de conclusão. O resto permanece no estágio de “elaboração de projetos”.

Investimentos – Segundo a Secretaria de Obras, serão investidos mais de 2,2 bilhões de reais na Região Serrana do Rio, sendo 1,6 bilhão de reais de recursos federais e 600 milhões de reais de recursos estaduais – dinheiro que será aplicado em “ações emergenciais para a retomada da normalidade das cidades, pagamento de aluguel social, obras de contenção de encostas, dragagem de rios, reconstrução de pontes, construção de moradias, entre outros”.

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Embora as promessas sejam bem mais contidas agora, o montante é três vezes o que foi anunciado nos meses que se sucederam à tragédia. Em junho de 2011, Dilma Rousseff anunciou um investimento de 699,12 milhões de reais, sendo 351,24 milhões de reais do Orçamento Geral da União, 277,87 milhões de reais do estado do Rio e 40 milhões de reais da iniciativa privada.

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