Gilvam, o ‘Johnnie Walker’ messiânico do Amapá
O folclórico aliado de José Sarney é conhecido por pelo 'governo paralelo' e pelo forte apego a frases feitas
Gilvam Borges, brasiliense radicado no Amapá, tem ares messiânicos. Com um cajado em punho, sandália de couro nos pés e um indefectível lenço verde “da esperança” no pescoço, percorre ruas de terra batida e escala palafitas na cidade de Macapá. É o que ele chama de “Jornada da Cidadania”, simbolizada por um bonequinho dele próprio com o lema “continue caminhando”, à la Johnnie Walker. Na fase de pré-campanha pelo governo municipal, depois de dizer que caminharia 1.600 quilômetros para ouvir a população, foi de uma sinceridade desconcertante: afirmou a uma moradora da cidade que ele, como político, só procurava o povo em época de eleição. Ou, no vocabulário que lhe é peculiar, disse que “periquito só aparece na época da manga, candidato na eleição e andorinha no verão”.
Representante máximo do ex-presidente José Sarney na capital amapaense, o folclórico candidato do PMDB é um frasista. Caminha pelas ruas com lições de auto-ajuda barata estampadas em camisetas. É de sua lavra conselhos de vida como “a palavra é o aroma do homem”, “macaco gordo não pula em galho fraco” ou “o mundo é um self service; alimentou-se bem tem saúde”. Para as eleições, uma na medida: “os covardes sonham, os corajosos têm visões”.
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Ancorado nessas tais “visões”, Gilvam é conhecido por instalar “governos paralelos” à administração oficial. Enquanto no Reino Unido oposicionistas organizam o chamado shadow cabinet para listar propostas alternativas à administração atual, o político atua praticamente como substituto pessoal do próprio Estado. Transporta areia para tapar buracos nas ruas, pavimenta sozinho paradas de ônibus – e depois as “batiza” com nomes de personalidades do Amapá –, constrói passarelas para a população.
A origem dos recursos para as benfeitorias do peemedebista nunca foi amplamente explicada. No limite, o político, segundo colocado nas eleições deste ano em empate técnico com Aline Gurgel (PRB) e Promotor Moisés (PEN), pode ser enquadrado no crime de usurpação do exercício de função pública, com pena de três meses a dois anos de detenção. Ele não se importa. Em 2012, foi preso pela Polícia Militar por construir um acesso rodoviário sem licença. Nos últimos meses, ironicamente estampou em suas camisetas: “o prisioneiro quando liberto come e se lambuza todo”.
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Afastado dos mandatos eletivos desde que deixou o Senado, em 2011, Gilvam Borges tem hoje uma “prefeitura paralela” à gestão de Clécio Luís (Rede), candidato à reeleição e líder nas pesquisas de intenção de votos. Em 2015, depois de ser derrotado por Davi Alcolumbre (DEM) com diferença ínfima de 8.257 votos, anunciou o “Senado paralelo”.
Em Macapá, para que sua gestão alternativa possa lidar com as agruras da população, instala-se em uma das quase duas dezenas de rádios da família e, com influência e indicações políticas no governo estadual, monta uma estrutura independente para fazer ferrenha oposição à administração local. Sua principal arma são as duas TVs da família e as rádios que martelam ataques aos adversários nos 16 municípios do Amapá. Nas últimas eleições, foi alvo de processo na Procuradoria Regional Eleitoral por abuso dos meios de comunicação.
Até o ano passado era chefe da Representação do Governo do Amapá em Brasília. Ganhava 14.900 reais para defender os interesses do estado, embora sua notoriedade na capital remonte à época em que era senador. Em sua primeira passagem pelo Senado, o então integrante da tropa de choque de Renan Calheiros (PMDB-AL) nomeou a mãe e a esposa como funcionárias de seu gabinete. “Uma me pariu e a outra dorme comigo”, justificou na ocasião. Em Brasília, também foi acusado por ex-funcionários de ter mandado comprar testemunhas para acusar o inimigo figadal João Capiberibe (PSB) de ter comprado votos na eleição para o Senado em 2002. Capiberibe e a esposa acabaram cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antes de as suspeitas contra Gilvam virem à tona.