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Foro íntimo

Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 22 fev 2019, 07h00 - Publicado em 22 fev 2019, 07h00

Falta presidente à Presidência Bolsonaro. Falta presidente para pôr ordem no governo, na bancada do Congresso, na família. E falta presidente para dar vida à figura do presidente. Deixar-se fotografar como um molambo, com camisa do Palmeiras sob o paletó e chinelos deixando aparecer os dedos dos pés, em cerimônia no Alvorada, é o de menos. Pior é a sôfrega implicância com que, nos ­áudios divulgados por VEJA, fustiga o então ministro Gustavo Bebianno. Nas gravações, extraídas de conversas pelo WhatsApp, o ministro é a voz serena e racional; o presidente, a da provocação ressentida.

O vídeo em que Bolsonaro anunciou a demissão de Bebianno começava assim: “Comunico que, desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma rea­valiação. Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal-entendidas de parte a parte, não sendo adequado prejulgamentos de qualquer natureza”. De que se falava? Parecia que se tinha entrado no cinema com o filme começado. Seguia-se um parágrafo de elogios à atuação de Bebianno e só no fim, em poucas palavras, quase escondida, a comunicação da demissão.

No episódio Bebianno o governo exibiu suas fragilidades por dentro e por fora. No vídeo, o amontoado de considerações sem sujeito nem tema definidos (“necessidade de uma reavaliacão”, “questões mal-entendidas”, “julgamentos de qualquer natureza”) encobre um silêncio ensurdecedor. Por que mesmo o ministro foi defenestrado? O estopim da crise teria sido o caso das candidaturas-fantasma no partido do governo, um episódio em que cabe uma barretada de admiração aos obstinados corruptos brasileiros, pelo senso de oportuni­dade; como a lei exige dos partidos um mínimo de 30% de mulheres em suas listas de candidatos a deputado, eles preenchem a cota apenas para amealhar boladas do fundo eleitoral e desviá-las para seus próprios fins.

No episódio Bebianno o governo exibiu fragilidades por dentro e por fora

Bebianno, como presidente nacional do PSL, teria culpa pelas falcatruas na agremiação. Mas, se é assim, por que não demitir também o ministro do Turismo, o mineiro Mar­celo Álvaro Antônio, cujas digitais aparecem muito mais nitidamente em iguais procedimentos no seu estado? Foi a pergunta que a repórter Delis Ortiz fez ao porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros. Sua resposta: “O nosso presidente, ele demandou o tempo necessário para a consecução de sua decisão em função de vários atores, várias ações. Natural que, pensando em nosso país, isso se faça de modo mais consensual e mais maturado possível”. Dessa vez nem era chegar atrasado ao cinema. Era topar com outro filme. Comprou-se ingresso para Cidadão Kane e apareceu na tela De Pernas pro Ar 2!

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“O senhor está bem envenenado”, diz Bebianno a Bolsonaro, a certa altura das gravações. Em entrevista à rádio Jovem Pan, o ex-ministro daria o nome do envenenador: “O senhor Carlos Bolsonaro fez macumba psicológica na cabeça do pai”. Carlos é o Zero Dois do presidente. A questão é de “foro íntimo”, acabou soltando o porta-voz da Presidência, em desesperada tentativa de escapar de mais inquirições sobre a saída do ministro. O foro íntimo é um lugar que abriga questões cabeludas. No caso, pode incluir o episódio em que o pai emancipou o filho Carlos, aos 17 anos, para que pudesse concorrer à Câmara dos Vereadores do Rio e derrotar a mãe. (Esta, apesar de divorciada, insistia em apresentar-se como representante do ex-marido.) Ou o episódio em que o filho, no desfile da posse, se aboletou atrás do pai no Rolls-Roy­ce para, armado, reforçar a equipe de segurança.

Aos cinquenta dias do governo, evidencia-se que os bolsobrothers são um caso sério, o mais sério para o bom andamento da administração. Carlos, segundo contou Bebianno na Jovem Pan, chorou em seu ombro — dele, o ministro agora vilipendiado — quando o pai sofreu o atentado em Juiz de Fora. Seis meses depois, o Zero Dois posta no Twitter: “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebianno que ontem teria falado três vezes com Jair Bolsonaro”, disparando o tirambaço que jogou Bebianno para fora da nau governamental. De fornecedor do ombro que substituiu o do pai na hora incerta, teria o ex-ministro virado o intruso que atrapalhava o acesso ao muito mais valioso ombro do pai? Eis-nos bem-arranjados, às vésperas da reforma da Previdência. Antes de pôr ordem na administração e na bancada, a família Bolsonaro precisaria pôr ordem em si mesma. Seria o caso de uma boa psicanálise. O diabo é que eles devem considerar a psicanálise um braço do marxismo cultural.

 

Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623

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