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‘Falar de impeachment não é golpismo’

Ex-filiado ao PT, Cristovam Buarque afirma que a sigla perdeu o vigor e se acomodou com a chegada ao poder: 'Age como se bastasse dar Bolsa Família'

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 9 mar 2015, 21h01

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), de 71 anos, é um dos políticos mais experientes do Congresso Nacional. Está há 13 anos no Senado, período só interrompido para atuar como ministro da Educação no início do governo Lula. Ex-governador do Distrito Federal e candidato à Presidência da República em 2006, Cristovam já presenciou uma série de turbulências políticas ao longo dos anos. Mas anda espantado nos últimos tempos: “A sensação é de que a presidente não lidera mais”. Em entrevista ao site de VEJA, o senador repetiu o discurso que irritou a bancada petista nas últimas semanas: “Corre-se o risco de ingovernabilidade. Aí o impeachment termina sendo uma coisa natural”.

Como o senhor analisa a relação da presidente Dilma com o Congresso? Sempre houve turbulência, mas o nível atual tem uma gravidade profunda. É a sensação de que a presidente não lidera mais. Ao não liderar, ela não está controlando. Por exemplo: o Lula tem de intervir de vez em quando e falar com o PT, a Dilma tem de dar pito no ministro da Fazenda. Eu creio que um dos grandes problemas da presidente hoje é que ela tem um ministro que não gosta, mas que não pode demitir. O Joaquim Levy não parece ter o perfil que ela gostaria, mas, como ela não pode demitir, fica evidenciado que perdeu a liderança. E isso é o que caracteriza seu novo mandato.

Esse descontrole já estava anunciado antes da reeleição? Sim, e por isso eu votei no Aécio Neves. As pessoas não entendiam por que eu, que sempre estive próximo à ala da esquerda, votei no PSDB. O PT não tem propostas transformadoras da sociedade. Mas os partidos ficaram todos iguais e, de repente, votei em alguém que estava do outro lado. Votei no Aécio porque era o novo. A democracia cria a cada quatro anos a lua de mel entre o dirigente e o povo. Mas a Dilma já chegou sem lua de mel. Começa um casamento velho em que jogou muito dinheiro e cometeu infidelidade, já que disse uma coisa e agora faz outra. O melhor seria a novidade. Ela permitiria mudar os quadros dirigentes e colocaria as esquerdas na oposição para voltar a ter projetos e sonhos. Não se consegue sonhar nos sofás dos palácios. Você se acomoda, se acostuma, fica preso naquele momento. Eu saí do PT quando o partido perdeu o vigor transformador e se acomodou. Age como se não precisasse fazer mudanças sociais – basta dar Bolsa Família. Qual foi a transformação social do PT? O PT tem coisas ótimas, mas transformação social não tem. Hoje, 52 milhões de pessoas não passam fome. Mas isso não é transformação. Isso é uma coisa assistencial. Transformação seria se o ensino tivesse sido modificado, e não foi.

E qual a consequência disso? O povo está falando no impeachment. Tem direito de falar e não é golpismo, está na Constituição. Mas a proposta de impeachment não é boa. Pedagogicamente, o eleitor perde a convicção da importância do seu voto. Passa no inconsciente de que se não der certo, tira. Quando isso acontece ao longo da história da República uma ou duas vezes, tudo bem. Mas a gente só teve até aqui quatro presidentes eleitos. E para cada um se falou em impeachment, do Collor até a Dilma. É muito enfraquecedor, uma democracia doente.

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Nesse cenário de insatisfação, qual seria a alternativa? É melhor encontrar uma solução. E eu considero urgente a união das pessoas que nesse país têm responsabilidade para a construção de uma agenda. Nessa agenda é necessário ter um ajuste, mas tem de ter transparência sobre o que vai acontecer depois. A presidente tem de fazer o que se faz em qualquer casamento: se foi pega na infidelidade, tem de enfrentar o assunto, pedir desculpas e dizer que errou. Mas tem de apontar uma solução e acertar. A presidente agora tem de construir pontes, o que, parece, ela não gosta de fazer. Ela tem de reconhecer os erros. Os militares foram mais sensíveis que a Dilma quando perceberam que um modelo estava se esgotando e começaram a dialogar com forças de oposição. A Dilma, que é de esquerda e democrática, não está reconhecendo o esgotamento de um modelo e procurar as forças que pensam diferente, que são críticas.

Mas qual a garantia de que a presidente vai cumprir as promessas? Se ela não fizer isso, corre-se o risco de ingovernabilidade. Aí o impeachment termina sendo uma coisa natural. Em relação à economia, eu estou de acordo com que disse o Armínio [Fraga, ex presidente do Banco Central]: ‘Nós estamos no caminho para um colapso’. Então se a gente tem um colapso na economia e na política, e o social sobrevive do assistencialismo – o que dá uma certa tranquilidade, porque o povo não desce das favelas -, então virá uma ingovernabilidade.

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Durante as manifestações de junho de 2013, a presidente Dilma foi a público anunciar cinco pactos nacionais – mas nada saiu do papel. A Dilma ir à televisão e fazer promessas não tem mais credibilidade. Só faz sentido o que eu proponho, que é a construção de uma agenda, se houver um consenso, inclusive, entre as forças de oposição. A Dilma anunciou o pacto após os protestos do mesmo jeito que no dia 1º de janeiro, ao assumir o mandato, anunciou o slogan ‘Pátria Educadora’. E dois meses depois cortou dinheiro da educação. É uma certa esquizofrenia. A presidente ora fala como manda o ventríloquo João Santana, ora fala – ou deveria falar – como o ventríloquo Joaquim Levy. As pessoas não sabem em quem acreditar. E aqui dentro, no Congresso, também não encontram em quem acreditar. Por isso, quando falo no impeachment, falo que não é a hora – mas pode ficar inevitável.

Depois de lançar o lema ‘Pátria educadora’, a presidente cortou verbas para a educação. O que o senhor achou do corte? Mesmo que o corte tenha sido generalizado, o da educação foi o maior. Dilma tinha de ter evitado isso. Educação não era a prioridade dela? Ela tinha que tirar dinheiro de outros cantos.

Há alguma boa proposta do governo para a educação? Não estou vendo. Fui conversar com o ministro Cid Gomes recentemente. Ele tem uma boa proposta, que é melhorar a gestão nas escolas. Agora, a propaganda diz para ouvir o povo sobre como melhorar essa gestão. Mas não precisa mais ouvir ninguém. A gente sabe como fazer: é necessário formar bons gestores, com diploma. Mas não há nada além disso e também não há o interesse em nenhuma ideia que demore mais de dois anos para ser feita. Educação, para de fato transformar, demora mais de vinte anos. Para melhorar, basta pintar a escola, aumentar um pouco o salário dos professores. Mas, para dar um salto, é necessário ter uma nova carreira de professor. Nem adianta dar o salto com os mesmos professores que estão aí. Tem de melhorar a qualidade dos professores, a maneira que eles são selecionados, e melhorar o salário para atrair melhores quadros.

O senhor já foi filiado ao PT, foi ministro da Educação no governo Lula, e agora, mesmo na base aliada, faz críticas ao partido. O que sobrou do Partido dos Trabalhadores? Eu até costumo dizer, quando recebo críticas de petistas, que não fui eu que mudei de partido. Foi o partido que se mudou de mim. Perdeu o vigor transformador e além disso começou a aparelhar o estado. E caiu em um processo de corrupção. A minha saída foi motivada pela perda do vigor transformador e pela acomodação.

Mas o senhor não cogitou migrar para a Rede, partido de Marina Silva? Não, nunca. Eu votei nela no primeiro turno, mas isso é diferente de apoiar. Apoiar é quando vai para a rua e para a campanha. No caso da Marina, só fui em um comício porque foi aqui em Brasília e o senador Rodrigo Rollemberg estava junto. Mas o projeto da Rede nunca me seduziu como partido. Eu não o vejo com características de partido. Vejo algo quase religioso, o lado espiritual é mais forte do que o político. Quando a Marina ia criar a Rede, ela me chamou para conversar e eu disse que a gente já tem partidos demais, mas precisa mudar por dentro. Por isso que eu defendo uma moratória partidária: em seis meses, nenhum partido existir mais e a gente recria tudo.

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Com mais um escândalo no país, o senhor avalia que a corrupção tem cura? Existem dois pontos: um é a chamada propina. Acho que isso é restrito ao partido que estiver no governo. Agora, contribuição de campanha é algo generalizado, porque vem de pessoas jurídicas. E, nesse cenário, o setor mais dinâmico são as empreiteiras. A minha campanha teve a contribuição dessas empresas. Não é ilegal, mas a partir de agora está sendo suspeito. Por isso que tem que acabar com o financiamento de empresas. Mas, por outro lado, eu também sou contra o fundo público de campanha. Acho que cada partido deve se virar para conseguir dinheiro com seus apoiadores e militantes.

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