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Ex-chefe de gabinete admite que petistas se corromperam, mas poupa Lula

Gilberto Carvalho transfere parte da culpa pelos “roubos” aos antigos aliados do Centrão

Por Rafael Moraes Moura Atualizado em 25 jun 2021, 11h05 - Publicado em 25 jun 2021, 06h00

O primeiro caso de corrução no governo Lula ocorreu um ano depois da posse do petista. Um vídeo mostrou o então assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz, pedindo propina a um bicheiro. Na época, ele foi demitido do cargo, mas o episódio foi tratado como um caso isolado. Não era. Algum tempo depois, explodiu o escândalo do mensalão. Para manter a base de apoio no Congresso, o PT subornava parlamentares com dinheiro desviado dos cofres públicos. No comando da fraude, estava o então poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, braço direito de Lula e ex-chefe de Waldomiro. Com o passar dos anos, outros casos de corrupção pesada eclodiram em vários ministérios, fornecendo evidências de que a prática estava disseminada nos governos petistas. Em 2015, já na administração de Dilma Rousseff, a suspeita se confirmou. A Lava-Jato descobriu que o PT e seus aliados desviaram mais de 42 bilhões de reais para financiar campanhas políticas do partido e multiplicar o patrimônio pessoal de muita gente. A corrupção era um método, um instrumento para garantir a manutenção de um projeto de poder — só o PT não reconhecia isso.

Nos oito anos de governo Lula, Gilberto Carvalho chefiou o gabinete do presidente. Nada — ou quase nada — acontecia no Palácio do Planalto sem que ele tivesse conhecimento. No governo Dilma, ele foi nomeado ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Servia como os olhos e os ouvidos de Lula, uma espécie de tutor destacado para monitorar a presidente e garantir que ela não se afastasse das políticas de seu antecessor. Hoje, Gilberto Carvalho dirige a Escola Nacional de Formação do PT — e é o primeiro petista graduado a admitir abertamente que houve corrupção nos governos de Lula e Dilma e que petistas se corromperam. Cita os casos de Waldomiro Diniz e José Dirceu como exemplos e acrescenta ao rol Antonio Palocci, o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma. “Houve corrupção durante os nossos governos? Claro que houve corrupção em nossos governos. Houve petistas que se corromperam? Houve”, afirmou, em entrevista a VEJA, o ex-chefe de gabinete.

Desde que o avesso do PT foi exposto publicamente, as lideranças do partido sempre assumiram uma postura de absoluto negacionismo sobre o tema. O máximo que se permitiam era admitir que se houve “algo errado” seria culpa do sistema político, que “obrigava” as agremiações a relativizarem determinados princípios em nome de um bem maior. Os petistas, ao invés de culpados, seriam vítimas. É desculpa canhestra. O PT não inventou a corrupção, mas, ao chegar ao poder, descobriu quanto ela tornava as coisas mais fáceis para todos os interessados. Em nome de um projeto, não hesitou em firmar parcerias com criminosos, fragilizou a democracia ao substituir a legítima negociação parlamentar pelo suborno, usou e abusou do dinheiro público para atingir seus objetivos eleitorais e teve seus principais dirigentes condenados e presos por corrupção, mas sempre se negou a assumir sua culpa. Por isso, a autocrítica de Gilberto Carvalho pode ser considerada como um marco, embora ainda parcial.

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O ex-chefe de gabinete reconhece que a corrupção existiu, que petistas se corromperam, mas poupa Lula e transfere boa parte da responsabilidade pelos escândalos a adversários e antigos aliados. “Lula não se corrompeu. Tenho convicção disso”, afirma Carvalho. Principal beneficiado de esquemas como o mensalão e o petrolão, o ex-presidente, de acordo com seu antigo assessor, foi vítima de perseguição. A corrupção na Petrobras, segundo ele, teria começado no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, e os atores principais dos desvios bilionários não seriam os petistas, mas, sim, os parlamentares do Centrão, o grupo de partidos que deu sustentação parlamentar aos governos Lula e Dilma. “Se você considerar tudo o que houve na Petrobras, nos processos todos, a imensa maioria dos autores desses roubos são aqueles que estão inclusive no governo Bolsonaro. São os mesmos partidos que continuam lá, os do Centrão.”

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As declarações de Gilberto Carvalho — admitindo em parte os desvios éticos do PT, responsabilizando os antigos aliados pelos principais malfeitos e preservando Lula — revelam a estratégia que será adotada pelo partido para mitigar o debate sobre corrupção nas próximas eleições. Na avaliação do cientista político Cláudio Couto, da FGV, não dá para fingir que os erros cometidos pelos governos Lula e Dilma não existiram. A autocrítica, mais do que uma artimanha política, é necessária para tentar dissipar a resistência ao partido, em uma eleição que ainda deve ser marcada por forte sentimento antipetista. “O Lula vai ser desta vez o anti-Bolsonaro, assim como o Bolsonaro foi o anti-Lula em 2018. Tem gente que, mesmo horrorizada com o Bolsonaro, ainda desconfia muito do PT”, compara Couto.

Pesquisa Datafolha divulgada no mês passado mostra o petista liderando a corrida pelo Planalto com 41% das intenções de voto no primeiro turno, enquanto Bolsonaro aparece com apenas 23%. Os dois, no entanto, enfrentam um altíssimo índice de rejeição. Para inverter essa tendência, o PT quer imunizar Lula contra as acusações de corrupção, o que não será uma tarefa simples. Na terça-feira 22, como parte dessa estratégia, o ex-­presidente divulgou um vídeo em que atribuiu sua condenação a uma suposta conspirata que teria a participação do Ministério Público, da Polícia Federal, da Justiça, da imprensa e até do governo dos Estados Unidos. “É como se fosse uma quadrilha montada”, disse o ex-presidente.

Em paralelo, há outros fantasmas que precisarão ser exorcizados até o início da campanha de 2022. O fracasso da gestão econômica e a turbulência política durante as administrações petistas ainda estão presentes na memória de muitos eleitores. “É preciso que o partido também faça uma autocrítica em relação aos erros econômicos do governo Dilma, além de mostrar propostas para os problemas concretos que se apresentam hoje”, ressalta Couto. Gilberto Carvalho, é verdade, deu um primeiro passo. Mas ainda falta muito para que o PT reconheça sinceramente seus equívocos, proponha mudanças autênticas de procedimento e um caminho de prosperidade para o Brasil. Até aqui, o que se desenha é a luta de dois projetos retrógrados, cada um com seus pecados.

Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744

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