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Estados declaram pensões e leite como gastos em saúde

Para alcançar patamar mínimo estipulado pela Emenda 29, governadores inflaram dados e deixaram de investir 13,4 bilhões de reais em cinco anos

Por Fernanda Nascimento, Gabriel Castro e Adriana Caitano
3 jul 2011, 08h48

José Márcio Camargo, economista: “O Brasil é um país que gasta pouco com saúde. Mais dinheiro não vai resolver o problema, pois existe uma enorme ineficiência na utilização da verba que vai para a saúde”

A criatividade dos governos estaduais na hora de declarar os gastos com saúde não tem limites. Para atingir o valor que, por lei, eles devem investir em ações e serviços públicos da área, vale tudo – despesas com pensões, assistência social, fundos habitacionais, reforma agrária e até compra de leite. Inflados, os gastos garantem que os estados cumpram as regras definidas em 2000 pela Emenda 29, que estipula a destinação de, no mínimo, 12% de suas receitas à saúde.

Em cinco anos, no período de 2004 a 2008, vinte estados camuflaram um montante de 13,4 bilhões de reais em investimentos em saúde. Minas Gerais lidera o ranking: declarou 4,6 bilhões de reais a mais do que efetivamente gastou na área. Avaliação feita pelo Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), órgão do Ministério da Saúde, encontrou entre as despesas gastos com a Polícia Militar, com o Corpo de Bombeiros e até com o Fundo de Apoio Habitacional da Assembléia Legislativa. Os dados coletados entre 2004 e 2008 são os mais recentes analisados pelo Ministério da Saúde.

Em nota, o governo de Minas Gerais afirmou ao site de VEJA que “cumpre regularmente suas despesas com a saúde, obedecendo aos critérios definidos pela Instrução Normativa 19/2008 do Tribunal de Contas do Estado (TCE)”. Logo atrás de Minas vem o Rio Grande do Sul que, em cinco anos, colocou 2,9 bilhões na conta da saúde indevidamente. Procurado, o governo do estado alegou que os baixos repasses para a saúde são herança de governos anteriores e afirmou que vai aumentar gradativamente os repasses na área para alcançar o patamar exigido por lei.

Acesso universal – A avaliação do Ministério da Saúde se baseia em uma resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que, em 2003, determinou o que são gastos na área. O entendimento beira o óbvio. São despesas em saúde aquelas destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito. Ou seja, investimentos ligados a servidores públicos ou policiais, por exemplo, não compõem o patamar mínimo. Aposentadorias e pensões, frequentemente incluídas pelos estados no orçamento da saúde, também ficam de fora.

Só em 2008 foram declarados pelos estados como investimentos na área cerca de 30 bilhões de reais. Deste valor, 7% não eram despesas com saúde de acordo com o Siops. “O Brasil é um país que gasta pouco com saúde. Mais dinheiro não vai resolver o problema, pois existe uma enorme ineficiência na utilização da verba que vai para a saúde”, avalia o economista José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). “O sistema deveria ser alterado para melhorar a utilização da verba”.

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O problema é que, por enquanto, os estados estão livres para interpretar o que são gastos na saúde. A discussão sobre a regulamentação da Emenda 29 se arrasta há onze anos. Só com a aprovação da proposta que está na Câmara dos Deputados é que a resolução do CNS passa a ter valor de lei, tornando os governos alvo de investigações caso sejam constatadas irregularidades na declaração.

Longe do mínimo – As consequências das irregularidades não são pequenas. O orçamento inflado fez com que, entre 2004 a 2008, dezessete estados não cumprissem o patamar mínimo de 12% destinado à saúde. Se descontados os gastos não considerados pelo Conselho Nacional de Saúde, apenas os estados da região Norte, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Norte atingiram a parcela estipulada por lei.

Rio Grande do Sul e Minas Gerais figuram mais uma vez entre as maiores defasagens, em primeiro e segundo lugar, respectivamente. O estado do Sul destinou apenas 4,5% do orçamento do período para ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito, segundo a análise do Ministério da Saúde. Já o governo mineiro gastou 7,5% da receita total do estado nestes cinco anos com a saúde.

Nos primeiros quatro anos em que a emenda esteve em vigor, de 2000 a 2003, o prejuízo à saúde também foi grande. Neste período, 5,3 bilhões deixaram de ser investidos pelos estados, que tiveram até 2004 para se adaptar e alcançar, progressivamente, a parcela de 12% do orçamento. Só Minas Gerais, que foi um dos governos que atingiram essa porcentagem mais lentamente, deixou de investir 1 bilhão de reais.

Jogo político – O impasse conduzido desde 2000 não tem garantias de acabar tão cedo. A votação da regulamentação da Emenda 29 virou moeda de troca entre o Palácio do Planalto e os parlamentares no embate sobre a prorrogação do prazo para liberar emendas de orçamentos anteriores para os estados – os chamados “restos a pagar”. O Legislativo ameaçou colocar o projeto em pauta se não tivesse o pleito atendido. Na queda de braço, os deputados levaram a melhor. O governo federal cedeu à pressão e recuou, prorrogando por noventa dias o prazo para liberar as emendas.

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Além de definir o que são considerados gastos em saúde, a Emenda 29 prevê a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS) – nos moldes da antiga CPMF. Mas a repercussão negativa da opinião pública em torno de um novo imposto retirou o assunto de pauta e um acordo de líderes fechado há duas semanas definiu que a criação do tributo não será aprovada.

A opinião dos deputados está alinhada com o desejo dos governos estaduais. Dos 27 governadores procurados pelo site de VEJA, catorze declararam ser a favor da regulamentação da emenda. Seis deles colocaram como condição a retirada do novo imposto do texto do projeto. Apenas o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendeu a criação da CCS.

Nem o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), nem o líder tucano na Casa, Duarte Nogueira, veem chances de aprovação de uma nova CPMF. O receio do Planalto é um só: o de que o texto da Emenda 29 seja alterado no Senado e que, no fim das contas, a proposta crie gastos para a União sem contrapartida financeira. “Isso só vai ser votado com a aprovação do destaque que retira do texto a criação da CSS. O novo imposto do cheque não será criado”, afirmou Duarte Nogueira.

É esperar para ver. Se regulamentada, a Emenda 29 vai aumentar a pressão dos estados sobre o Executivo. Eles certamente vão cobrar de Dilma Rousseff mais repasses de verbas do Executivo para compensar os gastos a mais com saúde. Novo impasse à vista.

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