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Essenciais para o caixa das campanhas, puxadores de votos ganham força

Cada vez mais cobiçados pelos partidos, eles ajudam as siglas a ampliar suas bancadas e já garantiram a eleição de candidatos com poucos votos

Por Hugo Marques e Leonardo Caldas
6 ago 2022, 08h00

Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho Zero Três do presidente da República, foi o deputado federal mais votado nas últimas eleições. Em 2018, ele teve mais de 1,8 milhão de votos, batendo um recorde que até então pertencia ao médico Enéas Carneiro, um político que ficou famoso no fim da década de 80 pelo bordão “Meu nome é Éneas”. Eduardo e Enéas são estrelas de uma categoria cada vez mais cobiçada pelos partidos: os puxadores de voto. Enéas foi uma espécie de precursor. Em 2002, após se candidatar ao Planalto três vezes, ele decidiu disputar uma vaga na Câmara dos Deputados por São Paulo. Recebeu 1,5 milhão de votos. Pelo princípio da proporcionalidade, o resultado garantiu ao partido dele, o Prona, uma legenda microscópica que não tinha sequer representante no Congresso, eleger mais cinco filiados — um deles ganhou o mandato de quatro anos em Brasília tendo obtido menos de 300 votos nas urnas. Vinte anos depois, o que já foi visto como uma anomalia do sistema hoje faz parte da estratégia de praticamente todos os partidos.

Enéas Carneiro morreu em 2007. Eduardo Bolsonaro, que elegeu cinco deputados no rastro de sua votação, pretende repetir a façanha em outubro. Não será fácil, até porque há outras agremiações com o mesmo objetivo. O PSDB, por exemplo, vive um processo de encolhimento. Para tentar ampliar a bancada, o partido escalou José Serra como candidato a uma cadeira na Câmara dos Deputados. Os tucanos acreditam que o atual senador, pela sua história, pode romper facilmente a barreira de 1 milhão de votos e, com isso, eleger pelo menos mais seis companheiros de chapa. “Eu tenho uma visão otimista, mas não quero ser pretensioso. O que sinto aqui em São Paulo é que as pessoas gostam de mim”, despista Serra. O PSOL, que hoje tem apenas oito deputados, vai investir em Guilherme Boulos para alavancar a legenda. O psolista não esconde que desistiu de disputar o governo estadual para assumir o papel de puxador de voto da esquerda. “Tomei a decisão de ser candidato a deputado por uma razão: ajudar a construir uma grande bancada no Congresso. Hoje o Centrão governa o Brasil”, justificou Boulos.

INVESTIMENTO - Eduardo Bolsonaro e Joice: campeões de voto em 2018, os dois deputados geraram um quarto de toda a receita do PSL -
INVESTIMENTO – Eduardo Bolsonaro e Joice: campeões de voto em 2018, os dois deputados geraram um quarto de toda a receita do PSL – (Zanone Fraissat/Folhapress/.)

Desde o sucesso nas urnas do humorista Tiririca, eleito em 2010, com mais de 1,3 milhão de votos, o Centrão, que Boulos tanto teme, tem ao menos um grande puxador nos principais colégios eleitorais do país. O União Brasil, por exemplo, deposita em Rosangela Moro a expectativa de ampliar sua influência em São Paulo. Antes de formalizar a candidatura da advogada, o partido encomendou uma pesquisa para saber se a popularidade da Operação Lava-Jato poderia se converter em votos para a esposa do ex-juiz Sergio Moro. As projeções mostraram que, especialmente por causa do sobrenome, Rosangela poderá, sim, estrear na política superando a marca do milhão de votos. “Claro que o União Brasil vê em mim uma possibilidade de aumento de votos. Mas sou uma opção para os que querem ser bem representados na Câmara”, diz ela, que transferiu seu domicílio eleitoral do Paraná, onde o marido vai disputar uma vaga no Senado, para São Paulo.

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O PL, partido de Jair Bolsonaro e do folclórico Tiririca, optou em alguns estados por reeditar candidaturas de celebridades que podem exercer a função de puxadores de voto, inclusive para a chapa presidencial. Na Bahia, estado onde o mandatário está em grande desvantagem eleitoral em relação ao seu principal adversário, o cantor de axé Netinho é uma das estrelas. Em Minas Gerais, tido como o colégio que pode definir o vencedor da disputa presidencial, o partido lançou o ex-jogador de vôlei Mauricio Souza, medalhista olímpico e protagonista de uma barulhenta polêmica depois que ele postou mensagens consideradas homofóbicas, problema, ao que parece, devidamente superado. “Não sabia que era um puxador de votos, mas sou midiático e, como o próprio presidente Bolsonaro me chamou e me incentivou a entrar na política, me fez acreditar no propósito de ser eleito”, disse o ex-atleta, que, desde a confusão, arregimentou mais de 3 milhões de seguidores em suas redes sociais.

PIONEIRO - Enéas: há vinte anos, o deputado foi responsável pela eleição de um colega com menos de 300 votos -
PIONEIRO - Enéas: há vinte anos, o deputado foi responsável pela eleição de um colega com menos de 300 votos – (Gustavo Miranda/Agência O Globo)

A eleição proporcional envolve uma equação às vezes de difícil compreensão. Pensado para garantir a representação de diversos segmentos da sociedade, e não apenas candidatos extremamente conhecidos ou endinheirados, o sistema define patamares mínimos de votos a partir do qual os candidatos são declarados eleitos. Em São Paulo, por exemplo, exige-se um piso de 300 000. Dessa maneira, um candidato que consegue 1,2 milhão de votos gera um excedente de 900 000, suficientes, em princípio, para eleger mais três candidatos de seu partido. A fórmula atrai para a política celebridades, atores, jogadores e outras personalidades, mas também garante um lugar no Parlamento para bons políticos, incluindo aqueles não tão populares. Dos 513 deputados federais empossados em 2018, apenas 27 tiveram votos suficientes para se eleger independentemente do coeficiente eleitoral. Mais do que uma simples métrica eleitoral, o desempenho dos puxadores de voto também reflete diretamente na saúde financeira das legendas, transformado num senhor ativo desde que as doações empresariais a campanhas políticas foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015.

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PIADA BRASILEIRA - O ex-humorista Tiririca: ainda um puxador de votos para o partido de Bolsonaro -
PIADA BRASILEIRA - O ex-humorista Tiririca: ainda um puxador de votos para o partido de Bolsonaro – (André Coelho/Agência O Globo)

Como os recursos do fundo partidário, responsáveis por bancar a estrutura e o dia a dia das legendas, são calculados com base no tamanho das bancadas, quanto mais parlamentares uma mesma agremiação eleger, maior será a verba destinada à sigla. Em 2018, apenas os dois deputados mais votados do país, Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann, elegeram outros sete deputados, gerando o equivalente a um quarto de tudo que o antigo PSL recebeu do fundo partidário. Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) feito a pedido de VEJA mostra que, se as previsões dos partidos se confirmarem e Serra, Boulos, Eduardo Bolsonaro e Rosangela Moro, por exemplo, obtiverem mais de 1 milhão de votos cada, isso resultaria em uma receita anual a partir de 2023 de 30 milhões de reais para cada uma das legendas (PSDB, PSOL, PL e União) ou 120 milhões ao final da legislatura. “O puxador de votos se transformou no coração financeiro dos partidos”, constata o analista Antonio Augusto Queiroz, diretor do Diap. Para piorar, além do fundo partidário, o tamanho da bancada também é critério para definir o volume de recursos que as legendas recebem na eleição, os fundos eleitorais. Ou seja: a política no Brasil virou um grande negócio.

Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801

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