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Em nove meses, força-tarefa da Lava Jato fez 88 réus

Com mais de 250 investigações abertas, trabalho está "só no começo", diz coordenador. Entenda como investigadores viraram referência no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção

Por Daniel Haidar
11 jan 2015, 07h43

Um velho conhecido da polícia foi preso no dia 17 de março de 2014 em São Luís, no Maranhão. Fisgado na Operação Lava Jato em agosto de 2013, quando começou a ter as ligações telefônicas monitoradas, o doleiro Alberto Youssef era considerado um dos maiores operadores do mercado paralelo do país. Tinha encontrado na véspera da prisão um assessor da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB). Naquele dia, policiais federais saíram às ruas para cumprir 28 mandados de prisão e 81 ordens de busca e apreensão em 17 cidades do país. A colheita de provas nos endereços de Youssef foi a mais proveitosa e levou os policiais aos tentáculos do “petrolão”, o maior esquema de corrupção da história contemporânea, que sangrou os cofres da Petrobras pelo menos desde 2004.

O monitoramento de Youssef levou os investigadores ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Conversas telefônicas do doleiro indicavam que o ex-diretor tinha recebido cerca de 8 milhões de reais da Camargo Corrêa por obras da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Conduzido a prestar depoimento na sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Costa ordenou a familiares que escondessem documentos de seus escritórios, o que foi descoberto pela polícia e motivou sua prisão no dia 20 de março. Dos indícios contra o ex-diretor, vislumbrou-se a ponta de um gigantesco esquema de corrupção, o que motivou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a criar uma força-tarefa de procuradores para concentrar as investigações e denúncias da operação.

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Desde que a força-tarefa começou a funcionar, em abril, foram oferecidas 18 denúncias: 88 pessoas se tornaram réus. Youssef foi acusado criminalmente em 13 denúncias, e Costa em sete. Até o momento, foram cumpridos 161 mandados de buscas e apreensões, 37 mandados de condução coercitiva e 60 mandados de prisão. A equipe de procuradores ficou famosa nacionalmente com a apresentação de cinco denúncias no dia 11 de dezembro, contra sócios e executivos de seis das maiores empreiteiras do país – Camargo Corrêa, OAS, Mendes Júnior, UTC, Galvão Engenharia e Engevix. Eram as acusações formais da “primeira leva” dos corruptores. O Brasil conheceu o “Clube do Bilhão”, o cartel de empreiteiras formado para fraudar contratos de obras da Petrobras. Outras 17 grandes empresas são investigadas, o que envolve gigantes como Odebrecht e Andrade Gutierrez. No dia da apresentação das denúncias, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, destacou que a investigação estava “só no começo” e que o mesmo esquema de corrupção atingiu outros órgãos públicos.

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A operação já motivou a abertura de mais de 250 procedimentos de investigação. Só os principais inquéritos somam mais de 55.810 páginas de análises, depoimentos e provas documentais. Mas o trabalho dos investigadores não fluiu sem obstáculos. A apuração foi suspensa por pouco mais de três semanas. Em 19 de maio, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, libertou Paulo Roberto Costa da cadeia em decisão liminar e suspendeu todos os processos do caso até que fosse decidido se a operação deveria tramitar no Supremo em função do envolvimento de parlamentares. As investigações só voltaram a correr em 10 de junho. No dia seguinte, o ex-diretor da Petrobras foi preso novamente porque os procuradores receberam provas de que ele tinha ocultado cerca de 26 milhões de dólares na Suíça e nas Ilhas Cayman.

A fortuna escondida no exterior complicou a situação do ex-diretor. No dia 20 de agosto, da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, Paulo Roberto Costa pediu uma reunião com os procuradores da força-tarefa para conversar sobre um eventual acordo de delação premiada. Um encontro foi agendado em Brasília entre a advogada Beatriz Catta Preta, um assessor do procurador-geral da República e Deltan Dallagnol. Mas, no dia acertado, a defensora ligou para cancelar a audiência alegando “pressões superiores”. Em 22 de agosto, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca em empresas ligadas a um genro de Costa. O ex-diretor tinha envolvido as duas filhas e os dois genros na ocultação da propina. Com o avanço das investigações contra os familiares, Costa viu o cerco fechar e jogou a toalha. A advogada do ex-diretor pediu novamente uma reunião com o Ministério Público Federal e o acordo de delação premiada foi acertado em 27 de agosto.

A investigação mudou de tamanho a partir daí. Bastou o ex-diretor admitir o que sabia sobre o esquema de corrupção para Youssef se mexer e conseguir também um acordo de delação premiada. Os dois indicaram que mais de 40 políticos foram beneficiados pela propina do petrolão. Mas as colaborações não ajudaram somente nas investigações de suspeitos com foro privilegiado. Novos delatores resolveram se antecipar à ação da polícia e também conseguiram acordos de colaboração premiada, como o lobista Júlio Camargo e o empresário Augusto Mendonça Neto. Esses dois executivos foram essenciais na obtenção de provas contra empreiteiras e os ex-diretores de Serviços Renato Duque e da Área Internacional Nestor Cerveró. A força-tarefa já celebrou acordos com 12 delatores, dos quais apenas Youssef e Costa foram presos.

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Só com esses pactos judiciais de colaboração premiada foram recuperados aproximadamente 450 milhões de reais aos cofres públicos. É o valor devolvido pelos delatores como contrapartida às vultuosas quantias desviadas dos cofres públicos. Isso representa quase um quarto dos 2,1 bilhões de reais movimentados criminalmente, na estimativa total das 18 denúncias oferecidas até agora. Os bloqueios de bens dos réus já somam mais de 100 milhões de reais.

De acordo com um assessor do procurador-geral da República, o grupo de elite dos nove procuradores na força-tarefa foi selecionado justamente pelo domínio de técnicas complexas de investigação, como a delação premiada, e o conhecimento sobre sofisticados mecanismos de lavagem de dinheiro. “Eles foram escolhidos exatamente por serem especialistas em lavagem de dinheiro, no sentido acadêmico e prático. Por outro lado, são também especialistas em métodos sofisticados de investigação”, afirmou o auxiliar de Janot.

Banestado – Dallagnol, por exemplo, ministrou aulas e tem diversos artigos publicados sobre o tema. Ele entrou no Ministério Público Federal em 2002 como o segundo procurador da república mais novo do órgão, mesmo ano em que foi aprovado em primeiro lugar para promotor do Ministério Público do estado do Paraná e em segundo lugar para juiz substituto do Tribunal de Justiça do Paraná. A experiência para lidar com crimes de lavagem de dinheiro começou a ser fortalecida quando participou da força-tarefa que investigou o escândalo do banco Banestado, esquema pelo qual mais de 28 bilhões de dólares foram remetidos ilegalmente ao exterior. Foi justamente neste escândalo que o doleiro Alberto Youssef ficou famoso, como um dos principais operadores presos. Ele fechou acordo de delação premiada pelos crimes cometidos no Banestado, celebrado com os mesmos procuradores e o mesmo juiz, Sérgio Moro, da Lava Jato. Youssef entregou inúmeros clientes à época e contribuiu com as investigações, mas quebrou o acordo e continuou no mercado paralelo, o que reabriu processos do Banestado e deve complicá-lo ainda mais em nova condenação.

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Também trabalharam na investigação do Banestado Orlando Martello Júnior, Carlos Fernando dos Santos Lima e Januário Paludo. Eles compõem com Antônio Carlos Welter, responsável pela primeira grande investigação contra doleiros no Rio Grande do Sul na Operação Ouro Verde, a ala mais experiente da força-tarefa – são procuradores regionais da república, ou seja, possuem experiência em julgamentos de colegiados na segunda instância da Justiça Federal.

Com idades entre 28 e 50 anos, a maioria dos integrantes da força-tarefa concluiu mestrado e já deu aulas em universidades. Mesmo os mais novos possuem experiência fora da média. Roberson Pozzobon, 30 anos, foi delegado da Polícia Civil por quatro anos até ingressar no Ministério Público Federal. Diogo Castor de Mattos, 28 anos, passou por diversas promotorias do Ministério Público Estadual e trabalhou como procurador da Advocacia-Geral da União antes de completar a experiência necessária para ingresso no Ministério Público Federal, concurso para o qual foi aprovado duas vezes.

Os procuradores da República Paulo Roberto Galvão e Athayde Costa completam o grupo de elite, egressos da equipe de fiscalização do uso de recursos federais nos preparativos da Copa de 2014. Os dois serão os responsáveis pelas ações de improbidade administrativa contra as empreiteiras.

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Todos entraram no Ministério Público depois da Constituição de 1988 e, por isso, são considerados parte de uma nova geração da categoria pelo procurador Edilson Bonfim, palestrante do assunto. “É uma geração que, na perspectiva acadêmica, vem tecnicamente mais preparada. E em que paixões do passado cederam lugar a uma aplicação do direito de forma mais técnica”, afirmou.

No rastreamento da propina mundo afora e na investigação no país do sofisticado esquema desvendado pela Lava Jato também foram destacados especialistas na Polícia Federal. O grupo de 15 policiais do caso é comandado pelo delegado Igor Romário de Paula, chefe da Delegacia de Combate ao Crime Organizado no Paraná e ex-chefe da mesma unidade em Alagoas. Entre os responsáveis pelos principais inquéritos estão especialistas em lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos. Eduardo Mauat da Silva foi chefe da Delegacia de Combate a Crimes Financeiros de Florianópolis e é pós-graduado em direito penal econômico. Felipe Hayashi é mestre em direito econômico e especialista no combate ao desvio de verbas públicas. Márcio Adriano Anselmo trabalhou na Divisão de Crimes Financeiros de Brasília, é mestre em direito penal e doutorando em direito internacional, além de autor de diversas obras na área de cooperação jurídica internacional. Erika Mialik Marena, chefe da Delegacia de Combate a Crimes Financeiros de Curitiba, foi procuradora do Banco Central e trabalhou no caso Banestado, é pós-graduada em direito penal e dá aula sobre crime organizado na Academia Nacional de Polícia.

Desde o início das investigações não faltaram exigências para o domínio das técnicas internacionais de investigação de lavagem de dinheiro. Já houve contatos com autoridades internacionais em mais de dez pedidos de cooperação jurídica na Operação Lava Jato, para obtenção de dados financeiros dos investigados em países como Estados Unidos, Suíça, Luxemburgo, Hong Kong, China, Liechtenstein, Cingapura, Reino Unido e Ilhas Cayman. As provas no exterior e nas estatais ainda vão consumir meses das investigações e aumentar o rol de acusados na Justiça. É, de fato, só o começo.

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