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Em metalúrgica no ABC, Lula é elogiado, mas sua inocência é contestada

Até quem votaria no petista, caso ele pudesse ser candidato, acredita que o ex-presidente é culpado por corrupção

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 jun 2018, 09h42 - Publicado em 15 jun 2018, 07h00

Nascido para a política como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), e líder das greves entre as décadas de 1970 e 1980, durante a ditadura militar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nunca escondeu que não sente falta dos tempos de torneiro mecânico. “Não tenho um milímetro de saudades da fábrica, tenho saudades dos meus amigos”, pontuou o petista nos bastidores da sua vitoriosa campanha presidencial em 2002, filmados pelo documentário Entreatos (2004). A um aliado que em uma reunião dissera preferir o Lula de macacão ao Lula de terno e gravata, o então candidato ao Palácio do Planalto emendou: “vamos fazer o seguinte, eu dou meu macacão de graça pra ele e ele vai trabalhar em uma fábrica, pra ver se é bom”.

Desde que Lula trocou o chão de fábrica pelo sindicalismo e pela a política até ser condenado e preso por corrupção, em abril deste ano, a indústria metalúrgica e seus operários mudaram. As fábricas, cujas altas temperaturas atormentavam o petista, tornaram-se menos insalubres e braçais e mais automatizadas. Já os metalúrgicos estão também mais resguardados dos “cavacos” — como são conhecidos os pequenos pedaços de metal quente, que caíam sobre o cabelo e a pele do futuro presidente — e já não têm Lula como líder inconteste.

Na fábrica da metalúrgica Usimatic, em São Bernardo do Campo, aqueles que pretendem votar ou já votaram em Lula e no PT concordam em dois pontos: que a vida melhorou nos governos petistas, sobretudo pela ampliação do acesso ao consumo, e que o ex-presidente é culpado no caso do tríplex do Guarujá (SP), que o levou a uma sentença de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Operador e programador de usinagem, Samir Tadeu Souza Oliveira, de 35 anos, já foi torneiro mecânico, assim como Lula, e trabalha há 9 anos na empresa, que fornece chapas e estruturas metálicas a montadoras de caixas eletrônicos, retroescavadeiras e tratores, entre outros. Preocupado com o desemprego, que atinge 13,4 milhões de brasileiros, e a saúde (sua mãe sofreu com um diagnóstico errado em um hospital público), o metalúrgico está entre os eleitores do petista para os quais a imagem dele de “presidente que não sabia de nada” mudou para a de que “rouba, mas fez algo por mim”, perfil detectado por um estudo do Ideia Big Data, feito em março a pedido de VEJA.

“No governo do Lula, nós, da classe média baixa, sentimos muito, tínhamos crédito, comprávamos o nosso carrinho”, lembra Oliveira, que muda o tom quando indagado sobre o caso do tríplex do Guarujá. “Ele é culpado, como você tem uma esposa e não sabe o que ela compra? Tem coisas piores que isso do Lula, o tríplex é uma coisa pequena”, observa o metalúrgico.

Embora veja culpa do ex-presidente em relação aos 2,2 milhões de reais gastos pela empreiteira OAS entre reserva e reforma do imóvel no litoral paulista, Samir Oliveira interpreta a condenação do petista como modo de tirar o nome dele da urna eletrônica. “Entre esses candidatos, por mais problemas que tenha, Lula é o que daria mais certo, eu votaria nele”, diz Oliveira, que votou no ex-presidente em 1998, 2002 e 2006, em Dilma Rousseff (PT) em 2010 e 2014 e votará em Ciro Gomes (PDT) caso Lula seja barrado pela Lei da Ficha Limpa.

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Também preocupado com a saúde pública, José Ivan Félix de Lima, de 32 anos, é outro operário da Usimatic a considerar Lula culpado no caso do tríplex, mas que votaria nele mesmo assim. Ao contrário de Samir Oliveira, Ivan optará pelo candidato do PT em 2018, ainda que não seja o ex-presidente. “Se o Lula se candidatasse, teria meu voto. Acho que está complicado para ele, não sei se vai poder, mas deveria. Roubou, tem que pagar, mas acho que o roubo não vem dele, já vinha de antes”, diz o operador de máquina de corte a laser, um pernambucano que vive em São Mateus, Zona Leste paulistana, desde 2003.

“Culpa ele deve ter, mas esse negócio da perseguição a ele pegou bastante para ele não ser candidato”, completa José Ivan, que votou nos presidenciáveis do PT desde 2002 e ressalta nunca ter ficado desempregado nos governos petistas.

José Ivan Félix de Lima, operador de máquina de corte a laser, votaria em Lula e escolherá nome indicado pelo PT caso o ex-presidente seja barrado (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Assim como José Ivan, Edson Manoel de Souza, de 36 anos, operador de máquina dobradeira, é outro a valorizar o PT por ter se mantido empregado durante os governos Lula e Dilma. “No meio político, o melhor para mim hoje seria o PT. Antes deles assumirem, fiquei bastante tempo desempregado e estou aqui [na Usimatic] há 11 anos”, conta Souza, cujo posto sobreviveu aos cortes que diminuíram em quase dois terços, de 300 para 120, o número de metalúrgicos na empresa entre 2013 e 2015.

“Lula seria um bom candidato. Se outro assumisse o lugar dele não seria a mesma coisa”, diz Souza, eleitor petista desde 1998. Apesar da ressalva, ele votará no “plano B” petista caso o ex-presidente seja impedido de concorrer.

Diferente de Samir Oliveira e José Ivan, Edson Souza não vê culpa do ex-presidente no caso do tríplex do Guarujá. “Até agora não apresentaram provas concretas sobre esse tríplex dele. Querem condenar para ele não se candidatar. É um meio de segurar e tirar o Lula para ele não ser eleito de novo”, opina.

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O metalúrgico acrescenta segurança pública à preocupação com hospitais e postos de saúde externada por Samir Oliveira e José Ivan. “No mês passado, furtaram meu carro em Santo André. Saí com a família para levar meus filhos a um parque e, quando saí, cadê o carro?”, relata Souza, que não recuperou o veículo até agora.

Fernando Bueno de Godói, soldador e programador de robô, está preocupado com a segurança e vai votar em Jair Bolsonaro, mesmo sem “afinidade” com o deputado (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Outros colegas de Edson Souza também preocupados com a segurança preferem o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), capitão da reserva do Exército que lidera as pesquisas de intenção de voto em cenários que não levam em conta a candidatura de Lula.

Eleitor do ex-presidente em 2002 e 2006 e de Dilma Rousseff em 2010, o soldador e programador de robô Fernando Bueno de Godói, de 41 anos, votará no representante da direita em 2018. “Bolsonaro não vai ser o salvador do Brasil e não tenho nenhuma afinidade com ele, mas é a única proposta que eu vejo hoje contra a criminalidade. Eu tenho filho pequeno, é algo que vai fazer eu me sentir mais aliviado”, diz Bueno, que, em 2014, entre Aécio Neves (PSDB) e Dilma, escolheu votar em branco.

A aflição do metalúrgico com a segurança aumentou à medida que a criminalidade passou a rondar a porta de sua casa, em Santo André, vizinha de São Bernardo no ABC paulista. “O crime está muito grande em todo lugar, nunca vi tanta violência como estou vendo hoje. Nunca vi. Na minha rua, só não entraram em duas casas”, relata.

Sobre a candidatura de Lula, Fernando Bueno é pragmático e cita a Lei da Ficha Limpa, sancionada pelo próprio petista em 2010. “Não existe uma lei? Ele foi condenado, se é uma manobra política ou não, não interessa. Não acredito que ele deve se candidatar, porque se enquadra na ficha limpa”, conclui o operário, que ressalta ter financiado um apartamento durante os governos do petista. “Na época dele houve muitas facilidades a quem não tinha tanto acesso”, pontua.

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Assim como Bueno, João Paulo Alves Pereira, soldador de 33 anos, votará em Jair Bolsonaro por estar preocupado com a criminalidade. Morador de Santo André, ele quase teve a moto furtada recentemente. “Sem segurança, não tem como ir trabalhar, levar o filho para a escola. Estamos vivendo uma situação precária na segurança. O Bolsonaro, pelo que ele vem postando de vídeos nas redes sociais, passa ser uma pessoa que já veio formada nessa área de segurança, militar”, avalia Pereira.

Sobre as declarações polêmicas do pré-candidato do PSL, que enaltece notórios torturadores da ditadura militar e é réu por dizer que não estupraria uma deputada porque ela “não merece”, o metalúrgico entende que Bolsonaro “é uma pessoa muito explosiva, o que vem na cabeça ele já fala”.

Para João Paulo Pereira, eleitor de Lula em 2002, as boas políticas dos governos do PT não justificam a corrupção. “A gente fala com as pessoas e elas dizem ‘ah, ele roubou, mas fez’. Se roubou, tem que pagar pelo crime. Ninguém vai prender ninguém à toa, sem ter provas. Acho que não é nada de perseguição, ele está pagando pelo que fez”, afirma Pereira, que não acredita na candidatura do petista em 2018.

Josevaldo Rocha da Silva, soldador, vai votar no tucano Geraldo Alckmin depois de optar pelo PT em 2002, 2006 e 2010 (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Outro metalúrgico da Usimatic que buscará uma solução à segurança pública fora do PT é o soldador Josevaldo Rocha da Silva, de 46 anos. Eleitor petista entre 2002 e 2010, Silva anulou seu voto em 2014 e neste ano escolherá o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB. “O Bolsonaro, devido a ele ser muito ignorante, radical, eu acho difícil ele chegar lá. É mais fácil, para mim, hoje, o Alckmin ganhar. Até porque ele não fez um mal governo em São Paulo”, avalia.

Baiano de Utinga, cidade de 19.780 habitantes na região da Chapada Diamantina, Josevaldo Silva observa que a violência cresceu até mesmo entre os municípios pequenos. “Hoje vou lá passear, ver meus pais, e eles falam ‘meu filho, tome cuidado, não saia muito à noite aqui’”, conta o soldador, que migrou para São Paulo em 1990.

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Indagado sobre os governos petistas que ajudou a eleger, Silva ressalta o aumento no poder de consumo a partir do crédito. “Um pobre que não tinha um carro pôde ter, quem não tinha casa pôde comprar”, lembra. Para o soldador, no entanto, Lula deveria mesmo estar atrás das grades: “acho que ele tem culpa, se ele não fosse preso ia bagunçar. Ele foi condenado pelo juiz mas não vai ser preso, vão soltar ele? Aí a Justiça não vale para nada”.

Entre os desanimados com a política estão Rômulo Macedo de Araújo, de 38 anos, e Ismael da Silva Teodoro, de 32 anos, ambos operadores de máquina dobradeira e também angustiados com a segurança pública.

Baiano de Bom Jesus da Lapa, Araújo não vota desde 2002 porque sequer transferiu seu título de eleitor para São Paulo, onde vive desde 2006. “Não vale a pena”, explica. Naquela eleição, ele escolheu Ciro Gomes, então no PPS, no primeiro turno, e Lula no segundo. Em 2018, caso fosse votar, repetiria a opção por Ciro, agora no PDT. “Não que ele vá salvar a pátria. Marina [Silva], pela questão de caráter, até seria uma boa candidata, mas não é só isso, presidente tem que ter caráter e pulso firme”, enumera.

Sobre o processo que levou Lula à prisão, Rômulo Araújo entende que o caso do tríplex “não ficou bem provado”.

Rômulo Macedo de Araújo, operador de máquina dobradeira, mudou-se da Bahia para São Paulo em 2006 e não transferiu o título de eleitor até hoje por desânimo com a política (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Já Teodoro, desiludido com a política por causa da corrupção, veria com bons olhos uma candidatura de “uma pessoa nova, diferente”. Na ausência do chamado outsider na disputa, confirmada nas desistências do apresentador Luciano Huck e do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, ele palpita que Jair Bolsonaro será eleito — contra sua vontade.

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De família petista, o metalúrgico conta ter votado em Lula em 2002 e 2006 e em Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Mesmo assim, entende que a prisão do ex-presidente é justa. “Sempre votei no Lula, mas errou e está pagando. Está preso para combater a corrupção. Ajudou muito a classe média, mas uma coisa não justifica a outra, se roubou tem que pagar”, sentencia.

 

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