Eleição para mandato-tampão embaralha política no Amazonas
Caciques locais reconfiguram xadrez eleitoral para conquistar governo após cassação de José Melo (PROS); estado vice crise nos serviços públicos
A realização da primeira eleição suplementar direta da história do país para a escolha de um governador ocorre em meio a um ambiente político conturbado e de crise nos serviços públicos no Amazonas. Enquanto velhos caciques se engalfinham para retomar o poder, a população enfrenta atendimentos precários na saúde, desemprego e uma crescente sensação de insegurança.
Os amazonenses irão às urnas no dia 6 de agosto para escolher quem irá completar o mandato que era do governador José Melo (PROS), cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – assim como seu vice, Henrique Oliveira (SD) – por compra de votos. Desde maio, o estado é governado interinamente pelo presidente da Assembleia Legislativa, David Almeida (PSD).
A eleição mostra um tabuleiro político oposto ao que foi o da disputa municipal de um ano atrás. Políticos que até bem pouco tempo estavam no mesmo palanque agora são adversários. O quadro nacional de alianças partidárias está desfigurado no Amazonas.
O PCdoB, da senadora Vanessa Grazziotin, por exemplo, abandonou os petistas e os deixou, literalmente, sozinhos na Kombi do deputado estadual e candidato José Ricardo Wendling (PT) – com pouca estrutura, ele costuma fazer campanha discursando em cima do veículo. Os comunistas preferiram aliar-se ao senador Eduardo Braga, do PMDB, partido que é acusado por eles em nível nacional de liderar o “golpe” contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) – o próprio Braga, ex-ministro da petista, votou pela sua saída.
Já os tucanos romperam com os peemedebistas, mesma decisão tomada pelo PSD. O exemplo mais nítido disso foi a ruptura entre Braga e o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB). Em 2016 os dois se aproximaram para a campanha de reeleição do tucano. Isso após Virgílio acusar Braga de ter trabalhado diretamente, com o apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para sua derrota na disputa para voltar ao Senado, em 2010.
Virgílio era, à época, um dos principais opositores ao presidente petista. Mas o namoro político entre o tucano e o peemedebista durou até o momento em que Braga decidiu convidar Marcelo Ramos (PR) para ser seu candidato a vice. Ramos foi o adversário direto de Arthur Virgílio no pleito municipal de 2016.
Outro efeito do troca-troca foi a reaproximação de Virgílio com o senador Omar Aziz (PSD), rompidos até os primeiros meses deste ano. Juntos, decidiram apostar suas fichas na corrida ao governo num velho cacique da política amazonense, o ex-governador e ex-prefeito de Manaus Amazonino Mendes (PDT). Após uma gestão mal avaliada à frente da prefeitura, seu último grande cargo político, Amazonino sequer disputou a reeleição em 2012. No estado, contudo, ainda é visto como uma das principais lideranças por seu legado de obras sociais e de infraestrutura.
Braga é apontado como o grande favorito na disputa. Governador entre 2002 e 2010, ele foi o responsável por levar à Justiça as denúncias de corrupção contra José Melo, contra quem disputou e perdeu as eleições de 2014. Braga, que ocupou a pasta de Minas e Energia de Dilma, foi citado por delatores de empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato como beneficiário de esquemas de distribuição de propinas. Ele nega as acusações.
A relação entre Braga e o presidente Michel Temer, seu colega de partido, também não está das melhores. Na votação da reforma trabalhista no Senado, o peemedebista votou contra. As posições críticas têm feito com que ele perca espaço no governo federal, com a consequente demissão de aliados em órgãos federais no Amazonas.
Eleição na Justiça
Ocupando o cargo de governador desde maio, o deputado estadual David Almeida (PSD) se articulou para ser candidato na eleição direta. Ele, contudo, não teve o apoio do cacique do PSD, o senador Omar Aziz, que fechou aliança com Amazonino. O efeito foi a ida do governador interino para o palanque da ex-deputada federal Rebecca Garcia (PP).
Abandonado pelo PCdoB, o PT teve como única opção sair numa chapa puro-sangue. O candidato, José Ricardo, vem no embalo da corrida pela Prefeitura de Manaus de 2016, quando chegou em quarto lugar, com 11% dos votos. Os petistas, tradicionalmente, nunca obtiveram grandes espaços na política local, mesmo com Lula e Dilma obtendo resultados expressivos no estado.
Ao todo, nove nomes estão na disputa. A eleição direta para o mandato-tampão até o final de 2018 chegou a ser suspensa, no final de junho, pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que aceitou recurso do vice-governador cassado Henrique Oliveira (SD), que queria assumir o cargo. Em 7 de julho, outro ministro do STF, Celso de Mello, revogou a decisão de Lewandowski. As eleições suplementares no Amazonas terão um custo de R$ 18 milhões para a Justiça Eleitoral.
A cassação
Em 25 de janeiro de 2016, o Tribunal Regional Eleitoral, por 5 votos a 1, condenou Melo à perda do mandato por ter se beneficiado de esquema de desvio de recursos públicos para corromper eleitores. Após recursos, o caso chegou ao TSE, que determinou a perda dos mandatos de governador e vice e a realização de eleição direta. A cassação foi a sétima de um governador desde a redemocratização do país, em 1985.
A novidade é que o sucessor será escolhido em uma nova eleição popular, mudança prevista na minirreforma eleitoral que passou a vigorar no fim de 2015. Nos outros casos, a cadeira vaga foi ocupada pelo segundo colocado na disputa eleitoral ou por alguém escolhido por meio de votação indireta. A Assembleia Legislativa do Amazonas chegou a entrar com ação junto ao TSE para que o novo governador fosse eleito pelo plenário da Casa, mas o pedido foi negado tanto pelo tribunal eleitoral quanto pelo STF.
Estado em crise
Após ter começado o ano com uma das piores chacinas no seu sistema penitenciário, com 56 presos executados numa briga entre facções criminosas, o Amazonas vem enfrentando vários problemas. Nos hospitais de Manaus e do interior faltam medicamentos e equipamentos básicos. Sem leitos nas enfermarias, pacientes são colocados nos corredores. Familiares dizem que precisam levar itens como travesseiros, lençóis, toalhas e até remédios.
Nas ruas, aumentam os casos de roubos e assassinatos. Passageiros do transporte coletivo são as principais vítimas. Segundo o sindicato das empresas do setor, no primeiro trimestre deste ano, houve 842 assaltos nos ônibus de Manaus – aumento de quase 40% quando comparado a igual período do ano passado.
De acordo com o Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de homicídio no Amazonas cresceu 101,7% entre 2005 e 2015. Há dois anos, a taxa de pessoas assassinadas por 100 mil habitantes era de 37,4. No Brasil ela é de 28,9.