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Como vota a frente de direita da faculdade Zumbi dos Palmares

Na instituição de São Paulo, onde 78% dos alunos se declaram negros, ala conservadora é formada por alunos mais velhos, acima dos 40 anos

Por Mariana Lajolo
Atualizado em 7 Maio 2018, 20h03 - Publicado em 4 Maio 2018, 07h00

Os olhos de Veríssimo Simões Cardoso se iluminam quando ele fala de Barack Obama. Aos 63 anos, define-se como um grande admirador do ex-presidente dos EUA e lamenta a ascensão de Donald Trump ao poder. Mas, em outubro, cogita votar em Jair Bolsonaro (PSL), pré-candidato à Presidência do Brasil, constantemente comparado ao atual mandatário americano.

O enfermeiro especializado em atendimento de urgência faz parte de um grupo que se alinha politicamente à direita na Faculdade Zumbi dos Palmares, no Bom Retiro, em São Paulo. Inaugurada em 2004, a instituição tem como missão promover a inclusão, a qualificação e o protagonismo do negro. Hoje, 78% de seus 1 412 alunos se autodeclaram negros. São pessoas oriundas das classes C e D, que ganham até três salários mínimos e têm cerca de 30 anos, em média. Na zona eleitoral aonde fica a faculdade, Aécio Neves (PSDB) teve 48,2% dos votos no primeiro turno das eleições de 2014. Dilma Rousseff (PT) alcançou 25,5% e Marina Silva, que disputou pelo PSB, 20,37%.

Embora historicamente o movimento negro brasileiro seja mais associado à esquerda, a Zumbi trafega em todas as matizes políticas. A juventude, mais envolvida com movimentos sociais e culturais, coloca-se mais à esquerda. Entre os alunos mais velhos, com mais de 40 anos, no entanto, é perceptível um posicionamento mais voltado para o centro e para a direita, em diferentes graus.

São estudantes como Cardoso, que voltou à faculdade para estudar direito após quase 33 anos de formado em enfermagem. Seu objetivo é ajudar os colegas de trabalho. Ele vê falhas na formação de profissionais que atuam em resgates e atendimentos de urgências, o que os deixa mais vulneráveis a erros e a eventuais processos.

O enfermeiro, que mora em Santa Cecília, no centro da capital, e trabalha na região da Guarapiranga, zona sul da cidade, diz que o sentimento reinante é de abandono nas periferias e de medo, principalmente em relação à violência na cidade. “Cogito votar no Bolsonaro, porque talvez ele represente uma força da qual estamos precisando. Saio de casa para dar plantão com medo de que me abordem com duas armas na cabeça”, afirma ele, que diferentemente da maioria dos seus colegas, é branco.

Veríssimo Simões Cardoso, 63, direito
Veríssimo Simões Cardoso, 63, é estudante de direito na Faculdade Zumbi dos Palmares, na qual 78% se declaram negros; ele cogita votar em Bolsonaro (Reinaldo Canato/VEJA.com)

Outro aluno de direito, Luiz Claudio Nogueira, 49, é “totalmente contra o PT“. Microempresário que trabalha com serviços para proprietários de veículos, ele decidiu estudar as leis para incrementar sua atuação profissional. A escolha da Zumbi aconteceu por questões práticas: é perto do Detran (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo), no mesmo bairro, e oferece bom custo-benefício — a mensalidade mais barata na instituição é 413,85 reais, mas há oferta de bolsas e descontos.

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O estudante diz que, apesar de suas posições políticas, está aberto para ouvir o outro lado. Na Zumbi, os debates tendem a ser respeitosos. “Conseguimos até discutir o habeas corpus do Lula em sala de aula e foi tranquilo. Se eu ficasse só vendo TV ou lendo jornal, não teria me aprofundado na questão. Consegui analisar de forma imparcial e entender porque alguns ministros votaram a favor. Mas eu votaria contra”, diz ele sobre o pedido negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que antecedeu a prisão do ex-presidente. Nogueira, entretanto, diz não votar há alguns anos por descrença nos políticos.

Aliás, se existe um sentimento que une alunos de qualquer vertente é a decepção com a política. “Traição”, “bagunça”, “tristeza”, “descrença”, “desesperança” e “desespero” são algumas das palavras compartilhadas por todos os lados. Sentimentos que levam alguns a procurarem novas alternativas de candidatos e outros a colocarem ressalvas em suas escolhas.

“O sistema político do país funciona com esse toma lá dá cá há pelo menos um século”, lamenta Bruno Alexandre dos Santos, 40, aluno de direito, que já trabalha na área e apoia a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB).

Seu colega de curso, Francisco Barbosa de Souza, 51, por sua vez, é eleitor de Geraldo Alckmin (PSDB), “desde que ele não seja considerado culpado de algum crime”.

Bruno Alexandre dos Santos
Bruno Alexandre dos Santos, 40, aluno de direito, apoia a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB) (Reinaldo Canato/VEJA.com)

Outro nome que se ouve pelos corredores é o do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa (PSB). Este, no entanto, sai mais da boca dos alunos que se identificam com a esquerda. É visto como um possível agregador das questões sociais com o olhar para os negros, mas ainda com ressalvas.

“O Joaquim Barbosa surge como uma possibilidade de esperança. Mas, sinceramente, hoje não vejo um candidato que represente a mim e a meu povo”, afirma Jennifer Augusto da Silva Cornélio, 29, estudante de pedagogia. Ela coloca como sua primeira alternativa em outubro algum candidato do Partido Frente Favela, que tem como principal bandeira o protagonismo dos negros, dos moradores das favelas e das periferias e dos pobres do campo.

“O Joaquim Barbosa surge como uma possibilidade de esperança. Mas, sinceramente, hoje não vejo um candidato que represente a mim e a meu povo”, afirma Jennifer Augusto da Silva Cornélio, 29, estudante de pedagogia (Reinaldo Canato/VEJA.com)

A busca pelo espaço para todas as vertentes políticas é uma preocupação da Zumbi dos Palmares. Pelos corredores da instituição, imagens de personalidades negras marcantes — de Barack Obama e Martin Luther King a João do Pulo e Mussum — dividem espaço com fotos de políticos em eventos da instituição. Ali estão Lula, Fernando Haddad (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), entre outros.

“Entre a direita e a esquerda, melhor continuarmos sendo negros”, diz o reitor José Vicente. “A luta política (dos negros) tem que ser feita em todas as frentes e em todos os espectros políticos. Aqui recebemos todas as linhas políticas e cobramos de todas elas”, completa.

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