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Como o clã Bolsonaro tenta recuperar seu espaço político no Rio

Embalada por uma série de reviravoltas nas últimas semanas, a família está em campanha pela reconquista do estado. E, ao que parece, vem sendo bem-sucedida

Por Cassio Bruno e Marina Lang
Atualizado em 11 set 2020, 10h16 - Publicado em 11 set 2020, 06h00

Nascido em São Paulo mas radicado há mais de quarenta anos no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro fez carreira no Exército em território fluminense e depois entrou na política — não só ele, mas também seus filhos Carlos e Flávio. No segundo turno da eleição presidencial, em 2018, Bolsonaro teve ali mais do que o dobro de votos de Fernando Haddad (68% a 32%). Mas o vento virou. Com um governador (Wilson Witzel) militando no campo inimigo, um prefeito (Marcelo Crivella) tão impopular que nem valia a pena cortejar e denúncias de um esquema de rachadinhas no gabinete do ex-deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro sendo investigadas, o clã presidencial se viu alijado da cúpula do estado. Até o vento virar de novo. Embalados por uma série de reviravoltas nas últimas semanas, os Bolsonaro, tal qual a Coroa portuguesa diante da invasão francesa no século XVIII, estão em campanha pela reconquista do Rio de Janeiro. E, ao que parece, vêm sendo bem-sucedidos.

O principal movimento dessa estratégia passa por uma aliança com um velho conhecido. O afastamento de Witzel do cargo por seis meses, ordenado pelo Superior Tribunal de Justiça a partir de suspeitas de envolvimento em esquema de propina, aliado ao processo de impeachment que corre na Assembleia Legislativa (Alerj), abriu caminho para o vice, Cláudio Castro, chegar ao Palácio Guanabara. Político de pouca expressão, ele mesmo enroscado em um mandado de busca e apreensão (portanto, necessitado de apoio), Castro nem tinha posto o pé no gabinete e já trocava ideias com Flavio Bolsonaro pelo telefone. Os dois se conhecem de longa data: circulavam na Alerj em 2004, quando Castro era chefe de gabinete de Márcio Pacheco, hoje deputado estadual do PSC, o mesmo partido de Flávio na época. Quando a vida os separou, o acaso aproximou Castro de outro integrante do clã, o filho do meio, Carlos — durante dois anos, tiveram assento na Câmara de Vereadores (Carlos está lá até hoje).

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Na campanha de 2018, nova oportunidade de convivência surgiu quando Flávio Bolsonaro foi às ruas pedir votos para a dobradinha Witzel-Castro — isso antes de Bolsowitzel trocar de lado. Ao completar catorze dias no comando do Rio, Cláudio Castro havia passado seis deles em Brasília, oficialmente para tratar da renovação do Regime de Recuperação Fiscal, acordo firmado em 2017 com o governo para evitar a ruína financeira do Rio. A certa altura, postou no Twitter, animado: “Recebi agora há pouco uma ligação do senador Flávio Bolsonaro, que se colocou à disposição para ajudar o Estado do Rio”. Dando mais um giro na roda da aliança, na quinta-feira 10, em uma solenidade reservada na capital fluminense, o próprio presidente não só se encontrou com Castro como lhe deu carona à tarde, na volta a Brasília para a posse de Luiz Fux na presidência do STF.

Renegociar o acordo é crucial. Mas assessores próximos contaram a VEJA que algumas conversas versaram sobre a ocupação de espaços na gestão estadual. A condução da Secretaria da Fazenda, já se sabe, terá de estar alinhada com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Da Secretaria de Ciência e Tecnologia deve sair Leonardo Rodrigues, da ala anti-Bolsonaro do PSL. Também pode haver troca-troca nas secretarias de Cultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social, que Witzel havia distribuído entre aliados mediante apoio. Aguarda-se, por fim, a criação de uma Secretaria de Justiça para mediar a interlocução entre Executivo e Judiciário estaduais. “Cláudio Castro precisa se articular com o clã Bolsonaro para ficar de pé. Mas o papel de bajulador do governo federal fragiliza a sua imagem”, avalia Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC-RJ.

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AFINADOS - Crivella e Rogéria, a ex do presidente: parceria na eleição municipal – (Hermes de Paula/Agência O Globo)

O reforço do cacife eleitoral do clã Bolsonaro no Rio passa também por um namoro com o prefeito Marcelo Crivella, candidato à reeleição, e sua melhor chance de parceria mirando 2022. O chamego não se abalou nem quando Crivella foi alvo de mandado de busca e apreensão, em operação do Ministério Público e da Polícia Civil que investiga um esquema de corrupção na prefeitura: poucas horas depois, lá estava o prefeito cumprimentando Bolsonaro na mesma solenidade reservada. Dois primeiros-filhos, Flávio e Carlos, filiaram-se ao Republicanos de Crivella, o mesmo partido da ex-­mulher do presidente (e mãe dos dois) Rogéria, candidata a vereadora neste ano. O prefeito devolveu o mimo criando uma pasta novinha, a Secretaria Especial de Turismo e Legado Olímpico, cheia de cargos a ser preenchidos pela parcela bolsonarista que resiste no PSL. A manobra, porém, não deu muito certo. O antigo partido de Bolsonaro acabou lançando candidato próprio à prefeitura.

Outra ambição dos Bolsonaro no Rio é acompanhar muito de perto o preenchimento de cargos de comando nos órgãos encarregados de investigações, digamos, mais rumorosas. Essa movimentação não é nova — na célebre reunião ministerial de abril que levou à saída de Sergio Moro do governo, Bolsonaro já tinha os olhos postos no comando da Polícia Federal, então encarregada do inquérito sobre a federalização do assassinato de Marielle Franco. A mira agora está no MP estadual, depositário de farta documentação sobre a suposta rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro. O mesmo MP recebeu recentemente o resultado de outra investigação, que envolve funcionários-fantasma no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro. Em dezembro termina o mandato do atual procurador-geral, Eduardo Gussem, e a primeira-família torce para que seu substituto seja o promotor Marcelo Rocha Monteiro, alinhado com o bolsonarismo.

A VEJA, Monteiro confirmou que, estimulado por amigos promotores, está “estudando seriamente” se candidatar à vaga, mas ainda não oficializou a intenção. Negou que tenha sido procurado por algum integrante do clã e disse que não conhece o presidente. “Inclusive, seria uma honra encontrá-lo”, diz. “O que é público é que as minhas ideias sobre segurança coincidem com as de Bolsonaro.” Também na Secretaria da Polícia Civil, que se encarregou das apurações agora em mãos do MP, o clima é de apreensão quanto a possíveis mudanças. Cinco delegados e investigadores ouvidos pela reportagem citam a elevada cotação do nome de Rodrigo Teixeira de Oliveira, ex-chefe da Coordenadoria de Recursos Especiais, braço de ações especiais da corporação, descrito como “um cara de tiro, porrada e bomba”.

Segundo um delegado, Oliveira “é tido como um policial eficiente e muito próximo dos Bolsonaro”. Procurado por VEJA, ele não quis comentar os rumores de mudança na Polícia Civil fluminense. Atuando como consultor da Petrobras desde março de 2019, Oliveira tem trânsito no alto escalão do governo em Brasília. Quatro dias depois do afastamento de Witzel, a delegada Andrea Menezes, mulher de Oliveira, foi nomeada assessora especial da Secretaria de Segurança estadual, o que foi interpretado como um possível aceno positivo a mudanças na Polícia Civil.

Pessoas próximas dizem que Cláudio Castro não se sente confortável em indicar Oliveira, justamente pelo perfil excessivamente linha-dura. Seu candidato seria outro: o amigo delegado Marcos Cipriano Mello. Mas não tem a intenção de contrariar a família presidencial e, por via das dúvidas, já deu a Mello um cargo na Secretaria da Casa Civil. Em outro gesto de agrado aos Bolsonaro, VEJA apurou que Castro está decidido a deixar o PSC — o pastor Everaldo Dias Pereira, cacique da legenda, foi preso na mesma operação que afastou o governador. Um início de flerte com o DEM foi cortado na raiz por desagradar ao clã e é provável que Cláudio Castro, como o presidente, permaneça sem partido. No entanto, por força de um acordo entre o governador afastado e o interino, nenhuma mudança drástica deve ser feita enquanto durar o processo de impeachment de Witzel, que entra na reta final. A luta pela retomada da capitania do Rio continua.

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Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704

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