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Colherás votos

Candidatos evangélicos assumem a dianteira nas eleições municipais e lideram a disputa em três dos quatro maiores colégios eleitorais do país

Por João Pedroso e Thiago Prado
Atualizado em 22 out 2020, 18h34 - Publicado em 30 set 2016, 19h15

Em 2012, eles foram apenas três. Naquele ano, das 26 capitais brasileiras, os candidatos evangélicos venceram as eleições municipais em Porto Alegre, São Luís e Rio Branco. Agora, quatro anos depois, esse número pode mais que triplicar. Pesquisas apontam que, atualmente, onze seguidores de religiões evangélicas ou que concorrem por partidos ligados a igrejas do gênero têm chances reais de assumir a prefeitura de capitais, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – três dos quatro maiores colégios eleitorais do país.

O avanço evangélico na política tem duas razões principais. A primeira é a expansão da própria religião no país – ela conta hoje com 42 milhões de seguidores, um salto de mais de 60% em uma década. O demógrafo José Eustáquio Alves projeta para 2040 a data em que o Brasil deixará de ser o maior país católico do mundo para virar majoritariamente evangélico. Hoje, a população é formada por 64% de católicos e 22% de evangélicos.

A segunda razão está relacionada ao que especialistas identificam como uma “onda conservadora”, que cresce no Brasil como resultado da crise econômica e da descrença nos políticos. “O ideal conservador é uma forma de resistir à insegurança”, lembra Rogério Baptistini, professor de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nesse contexto, diz o historiador Boris Fausto, um fenômeno (o crescimento evangélico) alimenta o outro (a onda conservadora). “A expansão dessas igrejas ajuda a fomentar um discurso conservador em decorrência de alguns dos preceitos que elas defendem, como o veto ao casamento gay e a proibição ao aborto. Os pastores não operam no vazio: esse discurso encontra eco em uma tendência conservadora latente na sociedade brasileira”, afirma.

Há outro fator importante para explicar o sucesso dos candidatos evangélicos. Ao contrário do que ocorre entre os católicos, suas igrejas não apenas liberam como estimulam a participação política do rebanho. No livro Plano de Poder – Deus, os Cristãos e a Política, lançado em 2008, Edir Macedo, líder da Igreja Universal, ligada ao Partido Republicano Brasileiro (PRB), conclama os fiéis a se engajar na política – literalmente, de corpo e alma. “A potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo quanto no Executivo”, escreve o bispo. Tal prática inexiste na Igreja Católica, que é menos interessada nas posições políticas de seus seguidores.

“Até hoje, a estrutura hierárquica da Igreja Católica é extremamente rígida, não permite a mobilização dos fiéis de forma autônoma”, diz o filósofo Roberto Romano. “Os padres têm de se submeter de forma muito rígida às ordens da Cúria, e atuam mais como emissores – daí a posição mais `passiva¿ do clero.” As lideranças evangélicas, ao contrário, são pulverizadas. “Os pastores atuam em comunidades com maior liberdade, inclusive para apoiar candidatos, e o sacerdócio comum dos fiéis é valorizado.” O dado ajuda a entender a força dos evangélicos no Congresso Nacional. Atualmente, são 77 os parlamentares que se elegeram ou se apresentam como seguidores da religião. Desses, 23 pertencem ao PRB, nascido do extinto PMR, do ex-vice-presidente José Alencar, que era católico.

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Desde a morte de Alencar, em 2011, a liderança da legenda está a cargo do bispo Marcos Pereira, hoje ministro da Indústria e Comércio do governo Michel Temer. Segundo ele, 97% do dinheiro da campanha dos atuais candidatos do partido vem do fundo partidário. As doações de pessoas físicas representam apenas 3% do total. Mas não é baixa a frequência com que partidos e candidatos evangélicos aparecem em escândalos financeiros e prática de caixa dois. Exemplo emblemático é o evangélico Eduardo Cunha, do PMDB do Rio, cujo mandato foi cassado com a descoberta de sua fortuna escondida em contas secretas na Suíça.

Neste ano, o grosso da verba evangélica, obviamente, fluiu para as duas grandes apostas do PRB nestas eleições, o deputado Celso Russomanno, candidato a prefeito de São Paulo, e o senador Marcelo Crivella, que lidera a disputa no Rio. Russomanno, que largou em primeiro e manteve a posição até o início do mês, despencou a uma semana do primeiro turno. De acordo com a última pesquisa Datafolha, a preferência pelo candidato do PRB caiu de 31%, em agosto, para 22% – agora, o tucano João Doria já o ultrapassa, com 25%. Considerando a margem de erro, Russomanno ainda compõe um triplo empate técnico com Doria e a ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB), com 20%. Sua equipe de campanha, no entanto, não esconde a preocupação de que o deputado repita a performance de 2012, quando largou na liderança, perdeu fôlego no caminho e acabou fora do segundo turno, feito que lhe valeu o apelido de “cavalo paraguaio” – larga bem, mas se cansa no meio da corrida.

Já Crivella, sobrinho do bispo Edir Macedo, está em posição bem mais confortável. Líder isolado nas pesquisas de intenção de voto, com 31%, o senador tem conseguido reduzir a sua histórica rejeição diante do eleitorado. A última pesquisa Datafolha mostrou que ela está em 21% – antes, o índice sempre esteve acima dos 30%. Desde o início da pré-campanha, o senador tenta fortalecer os laços com outras igrejas, além da Universal. Em junho, visitou um templo do apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, até o ano passado o maior rival do seu tio na disputa por fiéis e na compra por espaço na TV. Recentemente, o missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, também abriu conversas para apoiar o senador. No Rio, um em cada quatro eleitores se diz evangélico. A cidade é o celeiro das principais lideranças neopentecostais e elegeu o primeiro evangélico para o Palácio Guanabara – o radialista Anthony Garotinho, em 1998.

Em 2008, o PRB fez 54 prefeitos. Em 2012, chegou aos atuais 79. Para as eleições deste ano, o bispo Marcos Pereira espera, “ao menos”, dobrar o número. Para os evangélicos, o céu é o limite. E eles não chegaram nem ao meio da escada.

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