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CNJ: a fogueira das vaidades

Criado para exercer o controle externo da magistratura, órgão, que virou alvo de cobiça, puniu pouco e ainda divide opiniões - até mesmo no STF

Por Mirella D'Elia
15 Maio 2011, 16h44

Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal: “Muitas vezes, se verifica que o CNJ invade a atribuição jurisdicional. Até com boas intenções. Mas de boas intenções o inferno está cheio”

No papel, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem a função de exercer o controle administrativo e financeiro dos tribunais e zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, punindo-os, quando necessário. É o que determina a Emenda Constitucional 45, de 2004, que instituiu a chamada reforma do Judiciário.

O órgão já tomou decisões emblemáticas: mandou acabar com o nepotismo e, mais recentemente, fixou em oito horas a jornada de trabalho nos tribunais. Já as punições contra magistrados foram poucas até hoje – 45. Aplaudido por muitos, não virou unanimidade. Pelo contrário: é apedrejado por outros tantos – até mesmo por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a última instância da Justiça brasileira. E acusado, não raras vezes, de extrapolar suas funções.

Em seis anos de existência, o CNJ, mais do que olho-vivo do Judiciário, se transformou em vitrine – alvo de cobiça para os que não estão lá e de status e prestígio para os que lá estão. Com a proximidade do fim dos mandatos de parte de seus componentes, a guerra por algumas das quinze cadeiras do órgão está em plena efervescência. Dessa batalha ficam de fora a presidência, exercida pelo chefe do Supremo – atualmente, o ministro Cezar Peluso -, e a corregedoria-nacional de Justiça, ocupada sempre por um integrante do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indicou a minsitra Eliana Calmon para o cargo. Peluso e Eliana têm mandatos até 2012.

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Os demais postos são distribuídos entre integrantes do Ministério Público, das justiças federal, estadual e do trabalho, além de duas vagas para advogados indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras duas para cidadãos de “notável saber jurídico e reputação ilibada”, indicados pela Câmara e pelo Senado.

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Senado – É justamente pela vaga reservada ao Senado que se instalou o maior foco de disputa. Até julho, a cadeira será ocupada pelo professor de direito Marcelo Neves, que teve o apoio de Gilmar Mendes para chegar ao cargo e agora tenta a recondução por mais dois anos. Tem como principal adversário o consultor-geral do Senado Bruno Dantas, que, atualmente, integra o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), instituição que conquistou bem menos visibilidade do que o CNJ diante da opinião pública e da comunidade jurídica. Os dois estão em plena campanha.

Dantas tem o nome frequentemente vinculado ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e ao ex-presidente da Casa Renan Calheiros (PMDB-AL) – principalmente após ter elaborado nota técnica apontando irregularidades na tramitação de representação contra o senador alagoano no Conselho de Ética, em 2007. Alvo, ao todo, de cinco representações, o senador não foi punido à época e renunciou à presidência do Senado. Nesta legislatura, garantiu uma cadeira no Conselho de Ética que já o investigou.

A interlocutores, Dantas tacha de reducionista o discurso de que teria como padrinhos apenas Sarney e Renan. Calcula ter apoio suprapartidário – de pelo menos 60 senadores de oito legendas. Prestes a tentar a recondução ao CNMP, onde tem mandato até agosto, foi convencido a tentar migrar para o CNJ. Há quem diga que ter um servidor do Senado para representar a Casa em um órgão de cúpula do Judiciário não seria um bom exemplo para honrar o princípio constitucional da separação de poderes.

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Do lado oposto do ringue, Neves evita contabilizar apoios, mas diz contar com nomes de peso, como os dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Humberto Costa (PT-PE). Para tentar convencer senadores, costuma comparar o currículo ao de Dantas. Caberá aos senadores bater o martelo. Na primeira vez em que concorreu ao cargo, Neves foi eleito com o mínimo de votos dos senadores para ser o indicado – 41.

A vaga de juiz estadual, da cota do Supremo, também é alvo de cobiça. Há dois nomes no páreo. De um lado, o secretário-geral adjunto do CNJ, o juiz José Guilherme Vasi Werner que, comenta-se, é o preferido de Peluso. Do outro, o ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, que tem feito várias incursões ao conselho e teria o apoio do ministro do STF Ricardo Lewandowski. Na corrida ao conselho, Werner é apontado como o nome mais forte.

O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa
O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa (VEJA)
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Críticas – Uma das maiores críticas à atuação do CNJ é quanto aos seus limites. Os ataques foram frequentes em 2010, em dois episódios marcantes. No primeiro, em agosto, o ministro do STF Celso de Mello concedeu liminar para suspender os efeitos de decisão do conselho que aposentara compulsoriamente, seis meses antes, dez juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) por suspeita de desvio de dinheiro. A decisão foi tachada como um “balde de água fria” OAB.

O principal argumento de Celso de Mello foi o de que, apesar de ter legitimidade para punir juízes, o CNJ tem competência subsidiária à dos tribunais, que possuem órgãos correcionais. Em outras palavras: o conselho só pode atuar quando os tribunais não o fizerem. Peluso compartilha dessa opinião e deve seguir o entendimento de Celso de Mello quando o plenário do Supremo julgar o mérito da questão.

Disse o ministro: “O desempenho da atividade fiscalizadora (e eventualmente punitiva) do Conselho Nacional de Justiça deveria ocorrer somente nos casos em que os tribunais deixassem de fazê-lo ou pretextassem fazê-lo ou demonstrassem incapacidade de fazê-lo ou, ainda, protelassem, sem justa causa, o seu exercício”.

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O segundo episódio ocorreu em dezembro, quando a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, cassou decisão da Justiça do Pará, ao suspender bloqueio de 2,3 bilhões de reais no Banco do Brasil. Foi a primeira vez que se teve notícia de interferência do órgão numa decisão judicial.

Eliana Calmon baseou-se em documentos que apontavam indícios de que o possível saque ou transferência da quantia favoreceria uma quadrilha especializada em golpes contra instituições bancárias. A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) reagiu de imediato. Acusou o conselho de ultrapassar os limites de suas atribuições, usurpando função reservada, pela Constituição, aos tribunais, o que traria insegurança jurídica.

A tabelinha Peluso-Calmon, aliás, não repete nem de longe a anterior, que tinha Gilmar Mendes na presidência do CNJ e Gilson Dipp à frente da corregedoria. Pelo contrário. Há quem diga que ele e ela mal se falam.

Angústia – O decano do Supremo não é o único a questionar os limites do CNJ. Embora não tenha se pronunciado no caso julgado por Celso de Mello, Gilmar Mendes já declarou, durante sabatina no Senado, em 2008: “Não cabe ao conselho dar resposta para cada angústia tópica que mora em cada processo”. No mesmo dia, disse que o conselho não pode ser um “muro das lamentações”, ressaltando que ele deve agir somente na ausência das corregedorias dos tribunais.

Há relatos velados de descontentamento por parte de outros ministros. Outros não são nada discretos. Conhecido por não ter papas na língua, Marco Aurélio Mello é um crítico contumaz do CNJ. “Já disse, em uma verdadeira premonição, que estava surgindo um super órgão. E está. Não estão olhando para a cláusula da Constituição Federal que determina a autonomia dos tribunais”, disse ao site de VEJA, na semana passada, durante o julgamento sobre a união estável de casais do mesmo sexo. “Não interessa ao juiz que o tribunal fique de joelhos.”

Ex-presidente do Supremo, o ministro aposentado Carlos Velloso aplaude a existência do órgão de controle externo para ajustar a conduta de juízes. Mas ressalta que o CNJ deve ter atuação meramente administrativa. “Interferir em decisões judiciais é grave e atenta contra o princípio da autonomia do Judiciário”, adverte. “Muitas vezes, se verifica que o CNJ invade a atribuição jurisdicional. Até com boas intenções. Mas de boas intenções o inferno está cheio.”

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