Último mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Carta ao Leitor: Uma difícil composição

O Brasil não pode ficar paralisado em meio à queda de braço entre poderes. A coalizão precisa acontecer em torno de princípios e valores — e quanto antes

Por Da Redação Atualizado em 4 jun 2024, 11h20 - Publicado em 10 mar 2023, 06h00

Há mais de trinta anos, o sociólogo Sergio Abranches diagnosticou de forma precisa a nova relação entre os poderes Executivo e Legislativo que começou a tomar forma no país nas últimas décadas. Segundo o especialista, passou a vigorar no Brasil o “presidencialismo de coalizão”, um regime no qual o ocupante do Palácio do Planalto depende cada vez mais da aprovação do Congresso para impor sua pauta programática. Nos casos mais complexos, dois terços dos deputados precisam votar com o governo, algo que só é possível a partir de uma base parlamentar sólida. Assim, elevou-se substancialmente a necessidade das negociações suprapartidárias.

Dentro de um contexto em que há uma selva de legendas sem demarcações ideológicas claras, a semente do chamado Centrão germinou, cresceu e adquiriu viço. O fenômeno teve origem na época da Constituinte de 1988, quando parlamentares conservadores começaram a se unir para combater propostas que consideravam progressistas demais durante as discussões temáticas lideradas por Ulysses Guimarães. Um dos líderes do movimento, o deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996) cunhou na época a frase que definiu para sempre o espírito da turma: “É dando que se recebe”. Nos governos seguintes, o grupo teve diferentes lideranças e nuances políticas, mas sem nunca abandonar esse espírito pragmático que dá origem a algumas negociações republicanas com o Poder Executivo em torno de projetos e prioridades, e outras que ficam bastante longe disso, pois versam sobre distribuição de cargos e verbas.

Em seu retrato mais atual, o Centrão se apresenta de uma forma ainda mais coesa e com poderes multiplicados, sob a batuta competente de Arthur Lira, o presidente da Câmara. Outra característica marcante do momento é que o grupo, com claras inclinações liberais e conservadoras, distancia-se (e muito) das convicções do presidente eleito, o que já cria obstáculos naturais para as conversas entre os poderes. Como se não bastasse, a articulação política de Lula não parece até aqui ter entrado no jogo do presidencialismo de coalizão com a necessária organização.

Conforme mostra a reportagem da edição, alas do PT capricham no fogo amigo, dificultando a convivência do governo com outras legendas, sem que o presidente faça gestos firmes de contenção, algo que soa como uma carta branca para autorizar os companheiros a fazer a medição de forças. Do outro lado, Lira vem aumentando o tom dos alertas, reclamando de que o Poder Executivo tem sido amador no trato com o Congresso. Em um evento na última segunda, 6, afirmou que Lula não tem hoje uma base de apoio consistente nem na Câmara nem no Senado, mas ponderou que há tempo ainda para que a atuação das lideranças do Palácio do Planalto se estabilize.

Continua após a publicidade

Para o país, é fundamental o entendimento, desde que, claro, ele ocorra dentro do desejável cânone republicano. Reformas necessárias, como a tributária, e projetos como o do novo arcabouço fiscal serão apreciados em breve pelo Congresso. Lá fora, a situação vem se deteriorando com sinais de recessão na economia americana, o que vai acarretar uma alta dos juros nos Estados Unidos, e a momentânea falta de pujança da China, nosso maior parceiro comercial. Diante desse quadro sombrio, o Brasil não pode ficar paralisado em meio a uma queda de braço entre os poderes (mais uma). Evidentemente, também não seria positivo construir essa composição repetindo erros do passado, nos moldes do toma lá dá cá que originou o mensalão. A coalizão precisa acontecer em torno de princípios e valores — e quanto antes.

Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.