Conhecido por sua inteligência e pelas tiradas impagáveis, Roberto Campos cunhou uma expressão para ironizar as desculpas dadas depois de um determinado fracasso. Para o economista e diplomata (1917-2001), de acordo com essa narrativa, a derrota é apenas uma questão de “sucesso mal explicado”. Com o mesmo espírito negacionista, membros do governo federal saíram a campo após a realização do primeiro turno das eleições fazendo um esforço para reinterpretar o resultado. Para eles, a esquerda, ou seja, o PT e os partidos aliados, teve um “crescimento significativo”. Segundo os círculos políticos não contaminados pelo viés governista e os analistas independentes, houve de fato uma escalada, só que na direção contrária.
É inegável o avanço da direita no país, conclusão que se sustenta por uma série de evidências. No segundo turno, em algumas capitais, ambos os finalistas estão nesse campo, a exemplo de Curitiba, onde a vitória será decidida entre Eduardo Pimentel (PSD) e Cristina Graeml (PMB). Cinco dos seis partidos que mais elegeram prefeitos no primeiro turno são de centro-direita ou direita. Siglas como o PL, de Valdemar Costa Neto, estão entre as que obtiveram um expressivo crescimento. Trata-se de um reflexo direto de uma inclinação que vem se acentuando nos últimos anos, fruto de um eleitorado mais conservador.
O tamanho dessa onda não significa que a batalha para 2026 está resolvida, com as forças de esquerda fora do páreo. Esse campo mostrou força em locais como Rio de Janeiro, onde a reeleição de Eduardo Paes (PSD) ocorreu dentro de uma aliança com o PT. A sigla disputa ainda o segundo turno em São Paulo, ao lado de Guilherme Boulos (PSOL), nome bancado pelo presidente Lula. Boulos tem pela frente a difícil missão de superar o prefeito Ricardo Nunes (MDB), mas uma eventual vitória da esquerda na cidade terá um impacto enorme no xadrez político.
Embora tenha muito que comemorar, a própria direita enfrenta também desafios, que vão além da conquista de outras vitórias no segundo turno. A ascensão de novos personagens, cujo exemplo máximo foi Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo, escancara de vez as possibilidades de divisão num campo em que parecia haver somente uma única liderança, a do ex-presidente Jair Bolsonaro. O conjunto de matérias especiais desta edição traz análises das questões principais levantadas pelo pleito e bastidores das movimentações desencadeadas após a divulgação dos resultados. Até aqui, felizmente, exceto as agressões e baixarias vistas em alguns debates, com destaque para o episódio da cadeirada em São Paulo, as eleições transcorreram dentro da normalidade. Esse saudável exercício democrático sempre traz ao país a esperança de mudanças para melhor. Que elas sejam efetivas e contrariem a sina de um Brasil que não perde a oportunidade de perder oportunidades, outra frase famosa de Roberto Campos.
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914