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‘Bônus’ anotados em planilhas da Odebrecht indicam que partidos e candidatos receberam mais do que o declarado

Documentos foram apreendidos na casa do diretor-presidente da Odebrecht Benedicto Barbosa Silva Júnior, no âmbito da 23ª fase da Operação Lava Jato

Por Laryssa Borges e João Pedroso de Campos, de Brasília
24 mar 2016, 09h48

As planilhas apreendidas nas buscas e apreensões na casa do diretor-presidente da Odebrecht Benedicto Barbosa Silva Júnior, o BJ, trazem os nomes de mais de 200 parlamentares de 24 partidos e escancara a capilaridade das empresas de Marcelo Odebrecht como financiadora de campanhas de detentores de cargo eletivo. Além de registros contábeis de doações eleitorais legítimas, as tabelas retratam repasses duvidosos, classificados como “bônus”. Nas supertabelas da Odebrecht, políticos são catalogados com divisões por Estados, partido e tipos de candidaturas, se municipal, estadual ou nacional. Em uma planilha sem referência a data, no Estado de São Paulo, por exemplo, existem rubricas para onze partidos, incluindo PT, PSDB, PMDB e PSB. Mesmo em casos de doações oficiais, o registro é de que não houve entrega do recibo original da doação em diversas tabelas com repasses para as eleições de 2012. Não fica claro apenas pelas planilhas, porém, se os nomes apontados ali estão de fato envolvidos em esquemas criminosos. Não há também por ora relatórios com análises dos peritos federais que elucidem a questão.

Ainda que as supertabelas da Odebrecht não possam ser relacionadas de imediato ao departamento da propina da empresa, a deflagração da 26ª fase da Lava Jato, na última terça-feira, tornou pública a atuação, por cerca de seis anos, de restrita equipe de confiança de Marcelo Odebrecht, dividida entre São Paulo e Salvador, e incumbida de uma única tarefa: repassar dinheiro sujo a corruptos. Sofisticada, a contabilidade do bunker era feita a partir de um programa de informática chamado MyWebDay e usava um sistema de comunicação próprio, o Drousys, instalado pelo irmão de Luiz Eduardo Soares, autor do e-mail sobre “bônus” a políticos. Para não deixar rastros mais evidentes, no sistema de comunicação, todos os usuários possuíam um login próprio. Fernando Migliaccio, preso na Suíça tentando esvaziar um cofre, era Waterloo, a secretária Maria Lúcia Tavares era Túlia. Hilberto Silva, o chefe, era Charlie.

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Documentos apreendidos para além das planilhas dão indicativos do que a Odebrecht chamou de financiamento eleitoral “ilegal e ilegítimo”. No dia 29 de agosto de 2012, às 14h40, Luiz Eduardo da Rocha Soares, apontado pela delatora e secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares como um dos funcionários da central de propina, avisa Hilberto Alves da Silva Filho e o próprio Benedicto sobre os pagamentos a políticos que deveriam ser efetivados nos dias 29, 30 e 31 de agosto. Hilberto é oficialmente conselheiro consultivo na Construtora Norberto Odebrecht. Na prática, o chefe do departamento de propina da empresa.

A prioridade da mensagem trocada entre os executivos é alta e a lista dos beneficiários inclui os senadores Fernando Bezerra Coelho, do PSB (300.000 reais), Humberto Costa, do PT (150.000 reais), Armando Monteiro, do PTB (100.000 reais), o deputado tucano Bruno Araújo (100.000 reais), o prefeito de Salvador ACM Neto, do DEM (400.000 reais), o radialista e ex-candidato a prefeito Mario Kertesz, então no PMDB (250.000 reais), o atual secretário de Turismo do governo da Bahia Nelson Pelegrino, do PT (200.000 reais), o ex-deputado petista Carlos Martins (100.000 reais) e o ex-governador de Sergipe, João Alves, do DEM (350.000). Na lista dos beneficiários dos “bônus” da Odebrecht, aparecem ainda referências ao presidente do PPS Roberto Freire como “Roberto Freire/Vizinho” e uma indicação de repasse no valor de 500.000 reais, indicativos de outros 500.000 reais a “diversos” do PMDB estadual, meio milhão de reais também para o “PT Estadual”, 400.000 reais para “PSDB Estadual” e meio milhão de reais tanto para Paulinho da Força em nome do PDT Estadual como para a ex-vereadora Soninha Francine, em nome do PPS Estadual. O DEM Estadual, sob a rubrica “diversos”, é destinatário de 400.000 reais.

Entre os partidos, o Diretório Nacional do PT é a grande estrela da tabela de bônus da empreiteira. A legenda recebeu, de acordo com as planilhas, 1,5 milhão de reais, seguida por PSB, agraciado com 1,2 milhão de reais, DEM e PDT, cada um com 800.000 reais, PP, que recebeu 700.000 reais, PMDB, com 200.000 reais, e o PCdoB, contemplado com 150.000 reais. O PSDB aparece na tabela de bônus, mas não há valores vinculados à legenda. Um registro ao lado direito do documento Conciliação Contas Despesas 2014 salta aos olhos de quem o examina. O apontamento diz: “Custeamos todo o evento 2014 fora do limite e ainda recebemos custos da tesouraria referente ao ‘limite’ e a remessas”. Conforme os investigadores da Operação Lava Jato já interpretaram em outra fase das investigações, “evento 2014” quer dizer eleições de 2014.

Desde 2012 – Os indícios de que a empreiteira destinou dinheiro “fora do limite” a partidos políticos e candidatos em eleições, no entanto, não se restringem ao “evento” daquele ano. Uma das tabelas em que o executivo Benedicto Júnior detalha minuciosamente com quais partidos a Odebrecht colaboraria financeiramente tem como título “Proposta De Pagamento De Bônus Em 06/09/2012”, data em que estavam em curso campanhas pelas prefeituras municipais.

Além das legendas, políticos aparecem aos borbotões nas anotações de BJ. Os nomes vêm associados a valores, que devem ser multiplicados por 1.000, conforme indicam as anotações do executivo. São os casos dos governadores Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), 500, Raimundo Colombo (PSD-SC), 300, e Paulo Câmara (PSB-PE), 50. O nome do governador mineiro Fernando Pimentel (PT), já atolado em suspeitas na Operação Acrônimo, também figura as anotações, sem, no entanto, ser precedido por números generosos.

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Em outras planilhas, há registros de repasses aos prefeitos Fernando Haddad (PT), 2 milhões de reais, Márcio Lacerda (PSB), 3 milhões de reais, Arthur Virgílio (PSDB), 500.000 reais, Gustavo Fruet (PDT), 250.000 reais, Rosinha Garotinho (PR), 1 milhão de reais, Luiz Marinho (PT), 250.000 reais, e Sebastião Almeida (PT), 500.000 reais. Na mesma situação aparecem os senadores José Serra (PSDB-SP), 1 milhão de reais, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), 700.000 reais, e o ministro do Desenvolvimento e senador licenciado Armando Monteiro (PTB), 200.000 reais. Um singelo “200,00”, em alusão a repasses de 200.000 reais, é anotado ao lado da rubrica “indicações do deputado Edinho Silva”.

Alguns caciques do PMDB recebem menção honrosa nas planilhas de Benedicto Júnior. “Parceiros históricos” é o predicado associado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, ao ministro do Turismo Henrique Alves, ao ex-presidente José Sarney e aos senadores Romero Jucá e Garibaldi Alves. Nas tabelas de repasses financeiros, também são considerados “históricos” o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão (PMDB) e seu antecessor Sergio Cabral (PMDB), o presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani (PMDB), e o presidente do Democratas José Agripino. Os nomes de Pezão e Cunha são associados cada um a um milhão de reais, enquanto Cabral e Picciani aparecem ao lado de 500.000 reais cada. Excluído da lista dos peemedebistas “históricos”, o prefeito carioca Eduardo Paes é compensado pelas cifras: 5 milhões de reais, conforme as anotações de BJ.

Há ainda documentos que remetem às regras escritas do chamado clube do bilhão das empreiteiras. Os papeis trazem o que seriam regras de um torneio esportivo e de um campeonato de tênis. Intitulado “Sport Club Unidos Venceremos” um dos papéis traz os codinomes Paulistano, Mineiro, Baianinho, Paulista, Carioquinha, Júnior, Novo Baiano para simular jogadores. Com codinome semelhante, a conta Paulistinha, por exemplo, tinha no departamento de propinas da Odebrecht cerca de 65 milhões de reais de saldo em novembro de 2015.

A operação – As planilhas apreendidas com BJ dizem respeito à 23ª fase da Operação Lava Jato, chamada Acarajé, que levou para a cadeia o marqueteiro do PT, João Santana, e a esposa dele, Monica Moura. Nesta fase, a secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares também foi presa e os documentos fornecidos por ela foram cruciais para a deflagração da Operação Xepa. Nesta última etapa, os investigadores apreenderam inúmeras planilhas e telas que indicam um sistema informatizado de propina no qual os pagamentos e seus destinatários são ocultados por codinomes e senhas, sempre relacionados a altos valores, tanto em reais quanto em dólares e euros.

“A menção a ‘lançamentos’, ‘saldos’, ‘liquidação’ e ‘obras’ não deixa qualquer margem para interpretação diversa: trata-se de contabilidade paralela, destinada a embasar pagamentos de vantagens indevidas pelo grupo”, diz relatório da PF. O sistema eletrônico contava até mesmo com um balanço de todas as contas paralelas geridas pelo setor. Salienta a PF: “Em algum momento em 2015, o sistema foi terminado, em clara tentativa de destruir evidências”.

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No departamento da propina, oficialmente Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, as ordens de pagamento partiam majoritariamente de Fernando Migliaccio, mas há registros de ordens do próprio Marcelo Odebrecht para repasses ao codinome “Feira”, já identificado como referência a João Santana e Monica Moura. Diante da avalanche de indícios, Odebrecht anunciou a intenção de negociar um acordo de delação premiada – a senha para o desespero generalizado no Congresso.

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