Alívio momentâneo: STF suspende investigação sobre Flávio Bolsonaro
Processo apura se o Zero Um, quando era deputado estadual no Rio, embolsava parte dos salários dos servidores de seu gabinete
O presidente Jair Bolsonaro tinha duas convicções quanto ao caso Queiroz. A primeira: a investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro, seu filho mais velho, visava a atingir o governo. A segunda: só um recurso aos tribunais superiores em Brasília seria capaz de suspender o processo em que se apura se o Zero Um, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, embolsava parte dos salários dos servidores de seu gabinete, numa prática conhecida como “rachadinha”. Graças a uma decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pai e filho estão agora aliviados. Na segunda-feira 15, Toffoli suspendeu todas as investigações criminais que usam, sem autorização judicial, dados detalhados de órgãos de controle, como a Receita Federal, o Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Essa questão jurídica esperava deliberação do STF há mais de um ano. Com os colegas de férias, Toffoli resolveu manifestar-se sobre ela menos de oito horas depois de a defesa de Flávio Bolsonaro ajuizar o pedido de suspensão da investigação. Ou seja: de uma hora para outra, a questão ganhou ares de urgência.
Em petição ao Supremo, a defesa de Flávio Bolsonaro, encabeçada pelo advogado Frederick Wassef, alegou que o Ministério Público havia obtido do Coaf dados da vida financeira do senador sem autorização judicial, o que configuraria uma burla ao sigilo bancário. Toffoli concordou com a tese. Como consequência, foi suspensa também a apuração sobre o policial militar aposentado Fabrício Queiroz. Amigo do presidente da República e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Queiroz admitiu ter recolhido parte dos salários dos servidores do gabinete do então deputado estadual, mas garantiu que o dinheiro não foi repassado ao clã Bolsonaro e que nada tinha a ver com “rachadinha”. Relatório do Coaf registra que, em apenas um ano, o ex-assessor movimentou 1,2 milhão de reais. O conselho também identificou o depósito de um cheque de Queiroz, no valor de 24 000 reais, na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O valor, segundo Jair Bolsonaro, era parte do pagamento de uma dívida que Queiroz tinha com ele.
Em sua decisão, o ministro Toffoli declarou que a suspensão das investigações criminais baseadas em dados detalhados de órgãos de controle é temporária e vale até 21 de novembro, quando o plenário do Supremo se debruçará sobre o tema. A ressalva não livrou a decisão de críticas. Promotores e procuradores de todo o país consideram a troca de informações bancárias e fiscais uma das mais eficazes ferramentas de investigação de crimes de lavagem de dinheiro e colarinho-branco. Ao menor indício de movimentação suspeita, órgãos como o Banco Central ou o Coaf produziam relatórios e os encaminhavam rapidamente às autoridades para averiguação. O procurador Eduardo El Hage, da Lava-Jato no Rio de Janeiro, disse que a ordem do presidente do STF “suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil”. O chefe do MP paulista, Gianpaolo Smanio, afirmou que apurações sobre tráfico de drogas e sobre o Primeiro Comando da Capital também serão suspensas. Já o clã Bolsonaro, tão contundente contra decisões do Supremo que contribuiriam para a impunidade, desta vez trocou o discurso estridente pela comemoração silenciosa.
Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644