Com exceção de Jair Bolsonaro, os presidentes da República que disputaram a reeleição reeditaram a chapa vitoriosa — Fernando Henrique e Marco Maciel (1994 e 1998), Lula e José Alencar (2002 e 2006) e Dilma Rousseff e Michel Temer (2010 e 2014). A dois anos da próxima corrida ao Palácio do Planalto, Lula ainda não disse se tentará um novo mandato, mas seus assessores mais próximos garantem que o petista concorrerá novamente. Eles deixam em aberto, no entanto, a participação no futuro pleito do atual vice-presidente, Geraldo Alckmin, que, a depender da necessidade e da conveniência eleitoral, pode ser substituído por um quadro de outro partido, especialmente de uma legenda maior do que o PSB e de perfil mais ao centro. Cotados para a função não faltam, do MDB ao PSD. Alguns políticos inclusive já manifestaram interesse de ser vice de Lula em 2026. Resta saber se o presidente, caso seja mesmo candidato, estará disposto a trocar de parceiro. Há pelo menos um entrave importante para essa operação: Alckmin, o alvo das especulações, não dá sinais de que pretende abrir mão da vaga ou disputar outro cargo eletivo.
Num governo marcado até aqui por disputas entre ministros, descoordenação na equipe e falta de rumo, a relação entre o presidente e o vice é um dos poucos pontos de harmonia. Antigo adversário convertido em aliado na eleição de 2022, o ex-tucano Alckmin, ao aceitar ser vice de Lula na campanha presidencial passada, tornou-se um trunfo do petista, por simbolizar a frente ampla montada para impedir a reeleição de Bolsonaro e afastar o risco à democracia que os esquerdistas diziam — com razão, conforme apuração da Polícia Federal — que o capitão representava. Com a posse da chapa vitoriosa, Alckmin assumiu o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e passou a ajudar o presidente a tentar reduzir arestas com o agronegócio e outros setores importantes da economia. Sua discrição, lealdade e trabalho de formiguinha são muito bem avaliados. Por isso, correligionários do vice afirmam não fazer muito sentido a substituição na futura chapa presidencial, apesar de PT e PSB terem fechado um acordo que previa a parceria por apenas quatro anos. Ou seja: até 2026.
Ciente das conversas de bastidor, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, diz que será um “erro monumental” se Lula dispensar Alckmin da chapa à reeleição: “Ele encontrou o vice dos sonhos, que tem cumprido tarefas importantes ligadas a setores com os quais tem mais aproximação do que o próprio PT”. Uma eventual substituição de Alckmin na urna eletrônica seria acompanhada, provavelmente, de gestos de deferência a ele. No entorno de Lula, há quem diga que o presidente pode apoiá-lo na eleição para o Senado em São Paulo e convidá-lo novamente para um ministério num quarto mandato. Justiça e Defesa estão entre as pastas cogitadas. Um ministro com gabinete no Planalto já até tratou por alto com o vice sobre a possibilidade de ele concorrer a uma vaga ao Senado. A conversa não foi conclusiva. Segundo correligionários do vice, ele não pretende disputar qualquer outro cargo eletivo. Sua prioridade é permanecer até 2030 na função, até porque, ao aderir à aliança com Lula, Alckmin perdeu parte do eleitorado conservador que lhe deu sucessivos mandatos de governador. Foram quatro no total. “Não há chance de ele disputar outro cargo. O eleitorado dele em São Paulo era anti-Lula. Ele fez um movimento consciente, elegeu-se vice-presidente e sabe que pagou um preço político por isso”, diz o deputado federal Jonas Donizette (PSB).
Os socialistas têm outra opção para disputar o governo ou o Senado por São Paulo, o também ministro Márcio França. O problema é que a direita aparece como favorita para os dois cargos, o que faz boa parte dos esquerdistas pensarem duas vezes antes de embarcar no embate com os rivais. Em termos eleitorais, o risco é menor para Alckmin caso concorra a vice. “O Alckmin ampliou demais o universo político dele. Ele não cogita voltar a disputar um cargo por São Paulo, assim como também acho que Lula não cogita trocá-lo. O presidente é do tipo de pessoa que pensa que ‘em time que está ganhando não se mexe’”, afirma Silvio Torres, um antigo aliado que o vice indicou para o cargo de assessor especial da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). “Lula gosta muito dele. Não acredito que o presidente cogite uma mudança como essa, sobretudo porque Alckmin ajudou o PT a perder o medo de ter um vice que pudesse ser sabotador”, reforça Jonas Donizette.
As especulações existem porque há no núcleo duro do governo e entre conselheiros de Lula gente que defende a necessidade de o presidente ter um parceiro de chapa de um partido de centro com força nacional. As duas legendas que mais conquistaram prefeituras este ano, o PSD e o MDB, são cortejadas por alguns governistas e têm políticos que querem a vaga de Alckmin. É o caso, entre os emedebistas, do governador do Pará, Helder Barbalho, e do ministro dos Transportes, Renan Filho, descendentes de dinastias estaduais e partidárias. Ambos são jovens e não escondem o desejo de estar na chapa com Lula. Seria uma etapa importante para um sonho maior que une os dois: se fortalecer para concorrer à Presidência em 2030, quando o petista não poderá ser candidato. No campo das possibilidades de vice do MDB, também aparece a ministra do Planejamento, Simone Tebet, terceira colocada na eleição presidencial de 2022. Como ocorreu com Alckmin, ela já foi sondada sobre a possibilidade de mudar seu domicílio eleitoral de Mato Grosso do Sul para São Paulo a fim de tentar uma das cadeiras ao Senado.
Já no PSD, que tomou do MDB a liderança em prefeituras no país, são cotados para vice, entre outros, os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Agricultura, Carlos Fávaro. O primeiro se aproximou do presidente e do chefe da Casa Civil, Rui Costa, e tem demonstrado ambição por cargos eletivos de envergadura. O segundo poderia ajudar o presidente nas conversas com o agronegócio, segmento com nichos refratários ao PT. O fato é que Lula não terá vida fácil para costurar sua eventual chapa à reeleição. PSD e MDB são confrarias de caciques regionais, têm divisões internas conhecidas e mantêm pés nas canoas de Lula, Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e companhia. As duas legendas cobrarão caro para apoiar qualquer postulante à Presidência. A vaga de Alckmin, se de fato entrar na mesa de negociação, será apenas uma parte da fatura.
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921