Nenhum período do breve mandato do presidente Michel Temer foi tão plácido quanto o fim. Do intenso início pós-impeachment às incontáveis suspeitas e escândalos dos meses seguintes, com destaque para o terremoto produzido pela gravação daquela declaração modesta (“Tem que manter isso aí, viu?”) que logo saltaria para os anais da política nacional, sem esquecer as duas denúncias que poderiam resultar em impeachment e foram fisiologicamente derrubadas na Câmara dos Deputados, Temer, depois de tudo isso, chega aos seus últimos suspiros no governo exibindo o mesmo marasmo das emas do Palácio do Jaburu.
Desde o início do período eleitoral, sua agenda é dominada por compromissos frugais. Tirar foto com políticos da estatura de Edvan Brandão (PSC-MA), prefeito recém-eleito de Bacabal, no Maranhão, até merece registro no boletim diário distribuído à imprensa. O próprio Temer reconhece a solidão do fim. “Quando o governo começa a acabar, ninguém mais te procura. A história do café frio é uma verdade absoluta”, disse, em Brasília, no começo de dezembro. “Aliás, alguns se surpreendem porque lá na minha sala o café ainda é quente e trazem água, pois as pessoas dizem que nem água servem nos últimos tempos.”
Depois de entregar a faixa, Temer retomará a vida em São Paulo. Não descarta aceitar o convite feito pelo presidente português Marcelo Rebelo de Sousa para lecionar na Universidade de Coimbra, onde sua família teria “mais privacidade”. Mas não se pode desconsiderar a hipótese da volta de tempos tumultuosos. Investigado em quatro processos penais (um deles por ter pedido 10 milhões de reais à Odebrecht, como revelou reportagem de VEJA) e acossado pela lembrança de que cinco amigos e aliados já estiveram (ou ainda estão) presos, o presidente poderá, em 2019, ter de responder por delitos dos quais se esquivou por força do cargo que não ocupará mais.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614