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Acabou o recreio

Manifestantes na rua, tudo por fazer no MEC, e Weintraub dá show via Twitter. Quando o governo vai se dedicar à lição de casa e tirar o ensino do atoleiro?

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 31 jul 2020, 07h00 - Publicado em 7 jun 2019, 07h00

O clima era de tensão em Brasília dentro e fora dos gabinetes. Ninguém se arriscava a cravar a dimensão que alcançariam as manifestações contra a poda no orçamento da Educação naquela quinta-feira, 30 de maio. Na dúvida, a Força Nacional foi chamada para formar um cinturão de segurança em torno do Ministério da Educação. Às 9h23, veio um alívio cômico via Twitter, sempre ele: o chefe da pasta, Abraham Weintraub, soltou um vídeo em que fazia rodopiar um guarda-chuva à la Gene Kelly embalado por Singin’ in the Rain (Cantando na Chuva). Extraiu inspiração do clássico dos anos 50 para fazer troça de uma notícia que responsabilizava o MEC pelo atraso na reconstrução do Museu Nacional, engolido pelas chamas no Rio de Janeiro. “Está chovendo fake news”, cutucou o ministro, com sorriso maroto, encarando a câmera. Mas o que choveu mesmo foram críticas: com a educação brasileira no fundo do poço, cadê o motivo da graça?

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Durante os cinco meses de governo Bolsonaro, o tempo no MEC nunca deixou de estar fechado. Uma sucessão de crises ceifou a cabeça do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, o primeiro a ocupar o cargo, e já entronou três presidentes no Inep, órgão que cuida do Enem. O saldo é um ministério com muitas trapalhadas e poucas iniciativas concretas para guindar o Brasil do lamaçal de notas vermelhas em que teima em ficar. Uma incômoda coleção de números dimensiona a má qualidade da educação, um freio ao desenvolvimento e à inserção do país no tabuleiro global (veja o quadro ao lado). Para se ter uma medida do atraso, os melhores alunos daqui ficam, por exemplo, atrás dos piores do Vietnã, onde a renda per capita é um quarto da brasileira. “O ministro não está onde está para fazer barulho no Twitter, mas para entregar resultados”, enfatiza Priscila Cruz, da ONG Todos pela Educação.

Os países que obtêm desempenhos extraordinários na sala de aula costumam ter ministros mais lembrados por sua obra do que por seu anedotário. Eles implantam uma cartilha que soa até elementar, de tão básica. Por que não aqui? Eis a lição número 1: contar com um batalhão de professores bem formados, treinados e valorizados. “Os países que vão bem no ensino tornaram a carreira docente atrativa para gente com talento e ambição”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV. E não o fizeram apenas remunerando bem os seus mestres, mas abrindo-lhes um leque de oportunidades de ascensão — a ponto de, veja só, os aspirantes à docência saírem da turma dos 20% melhores do colégio, enquanto no Brasil eles são egressos do grupo dos 20% com pior boletim.

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Embora as faculdades sejam autônomas, o MEC pode e deve lançar as diretrizes para uma boa formação, hoje ainda manca nas escolas de pedagogia por ser demasiado teórica. A maioria estreia na profissão sem nunca ter ensaiado o ofício como estagiário em sua própria área. “A residência pedagógica obrigatória deve ser tratada com o mesmo rigor que na medicina”, afirma Mozart Neves Ramos, do Instituto Ayrton Senna. Em março, Vélez pediu para examinar um plano que trazia ares novos aos cursos de formação de professores. Ele estava para ser chancelado pelo Conselho Nacional de Educação, mas agora dormita na gaveta. Os tropeços nesse que se tornou o ministério mais nervoso de toda a Esplanada também atravancaram o início dos repasses para a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Traduzindo: é o documento que demarca metas de aprendizado para todas as séries escolares. Sim, fundamental para um bom ensino, mas o Brasil não tinha nada parecido até 2018. Só lembrando, não há um país no topo do ranking mundial da educação que não tenha um currículo — e dos bons — para guiar seus professores — entre os melhores.

Ainda sob a gestão Vélez, recursos começaram a ser canalizados para que estados e municípios transformem a sigla BNCC em currículos compreensíveis e práticos e capacitem seus mestres a aplicá-los — este um bom sinal. Mas, nessa área, uma nuvem paira sobre a cabeça de Weintraub: a licitação para os livros didáticos, que naturalmente precisam se adequar aos objetivos traçados no BNCC, está cinco meses atrasada, e há um temor de que não seja possível fazê-­la a tempo para o ano letivo. Segundo dois especialistas que acompanham o processo, ele demora não só porque tudo se arrasta nos lados do MEC, mas também porque gente do ministério está passando um pente-­fino ideológico nos livros para que não contenham “viés de esquerda”.

VERGONHA –  Escola no Vietnã: os piores alunos do país asiático são melhores que os estudantes brasileiros mais capacitados (Thanh Nien Daily/.)

O motor para a excelência não depende só de dinheiro — os EUA estão entre os países que mais investem em educação mas ocupam a porção mediana dos rankings de qualidade. Recursos fazem diferença quando não são dragados por ineficiência ou corrupção. E o Brasil ainda gasta por aluno no nível básico cerca de um terço do valor médio gasto pelos países da OCDE, que reúne as nações mais ricas. Ou seja, precisa de mais para dar um salto. Corre no Congresso uma discussão primordial: tornar o Fundo da Educação Básica (Fundeb) permanente; do jeito que está, ele expira até o fim de 2019. Esse fundo é constituído de impostos estaduais e municipais, além de um aporte do MEC. Projetos que tramitam na Câmara dos Deputados querem expandir a contribuição da União, mas o governo, envolto em cortes, silencia. O receio de alguns é que não dê para aprovar tudo a tempo de o Fundeb continuar vivo no ano que vem.

O MEC de Bolsonaro deu um tiro certo ao mirar em um plano nacional de alfabetização, a única meta da pasta para os 100 primeiros dias de governo. Como a ciência já mostrou, sem uma boa base no começo da vida escolar, todo o resto fica prejudicado, como um prédio que se ergue sobre alicerces frágeis. Hoje, aos 8, 9 anos, 55% das crianças brasileiras não sabem ler, escrever nem contar — nos países mais desenvolvidos, esse aprendizado se dá entre os 3 e os 7 anos. Agora, falta tirar o plano do campo teórico e levá-lo à ação nas redes de ensino, oferecendo os incentivos necessários para sua adoção. O Brasil tem à frente o gigantesco desafio de mover engrenagens que outros países botaram para andar no século passado e, ao mesmo tempo, ajustar-se às demandas contemporâneas — e crescentes — da educação. As chances de isso ocorrer aumentarão exponencialmente se Weintraub abandonar o tom beligerante e o pendor para o espetáculo e encarar, com seriedade, o bê-á-bá.

Publicado em VEJA de 12 de junho de 2019, edição nº 2638

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