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A tesouraria fantasma montada pela Delta

Sete empresas registradas em nome de laranjas, com endereços de fachada em São Paulo e abertas nos anos eleitorais de 2008 e 2010, receberam mais de 3 milhões de reais da Delta Construções, do empresário Fernando Cavendish

Por Rodrigo Rangel e Daniel Pereira
30 jun 2016, 16h07

Casa vigiada pelo cão pit bull, a portinhola branca que leva a um escritório de contabilidade e o sobrado maltratado que ilustram estas páginas têm algo em comum. Nesses três endereços, no município de Santana de Parnaíba, a 40 quilômetros do centro de São Paulo, deveriam funcionar sete empresas de engenharia e terraplenagem que, a julgar pelos extratos de suas contas bancárias, poderiam servir de símbolos da pujança do Brasil atual. Mas é exatamente o oposto disso. O que essas empresas – todas de fachada – simbolizam mesmo é a corrupção atávica que resiste como uma praga em um Brasil cada vez mais moderno e dinâmico. Um relatório recente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o órgão do Ministério da Fazenda incumbido de monitorar transações financeiras suspeitas, mostra que essas sete empresas receberam, entre janeiro de 2010 e julho de 2011, 93 milhões de reais. O documento, obtido por VEJA, revela que todo o dinheiro saiu dos cofres da Delta Construções, a empreiteira campeã de contratos com o governo federal, considerada inidônea por pagar propina em troca de obras. Devido a essa combinação explosiva, a Delta se tornou o principal tabu, até agora, da CPI do Cachoeira.

A razão dos pagamentos milionários é justamente o que assombra os parlamentares. Por um motivo simples. O dinheiro não foi usado para abonar serviços de engenharia prestados à Delta. Ele saiu do caixa da empreiteira principalmente para pagar propina a servidores públicos e abastecer o caixa dois de campanhas eleitorais. A passagem rápida por contas bancárias de empresas-laranja foi só um ardil empregado a fim de dificultar o rastreamento dos recursos. Quem relatou em detalhes como funciona essa operação foi o próprio Fernando Cavendish, dono da Delta. Conforme divulgado por VEJA há duas semanas, ele disse a um parlamentar – que repassou o recado a colegas de vários partidos, fermentando a blindagem em curso na CPI – que empresas de fachada eram usadas pela Delta e por outras grandes construtoras do país para girar a roda da corrupção. Cavendish nominou sete empresas de engenharia e terraplenagem como participantes do esquema. São justamente as sete que constam do relatório do Coaf. “Todas as empreiteiras contrataram as mesmas empresas-laranja. Éramos os menores clientes dessa rede”, disse a VEJA um ex-executivo da Delta. Já Cavendish se recusou a falar do assunto.

No papel, as sete empresas listadas pelo empresário declaram prestar serviços de terraplenagem, organizar cursos de treinamento e alugar máquinas para obras. Mera ficção. Nos lugares onde elas deveriam estar funcionando, não há indício de nenhuma dessas atividades. A Power To Ten Engenharia e a SP Terraplenagem dão como endereço a modesta casa onde, na tarde de quarta-feira, um pit bull posava altivo no quintal. A Soterra Terraplenagem e Locação de Equipamentos, em vez de um pátio apinhado de máquinas, tem como sede um mal-ajambrado escritório de advocacia que empresta o endereço a mais um monte de firmas. As outras quatro empresas, batizadas com uma sopa de letras, recebem correspondências numa sala onde, na verdade, funciona um escritório de contabilidade. Um detalhe chama atenção: todas as sete empresas foram abertas nos anos eleitorais de 2008 e 2010 – como são rentáveis as coincidências da política! Esse pool de empresas de fachada tem como sócios um punhado de laranjas, mas seu controlador é um personagem já conhecido. Trata-se de Adir Assad, um empresário de São Paulo que fez carreira no ramo do entretenimento.

Engenheiro por formação, Assad costumava dizer até pouco tempo atrás que nunca dera certo no ramo da construção civil. Suas atividades ocultas, porém, colocam-no como um portento da engenharia – sobretudo a financeira. No início de junho, ao revelar a primeira parte do laranjal da Delta, VEJA mostrou que outras empresas de Assad, igualmente de fachada e também registradas em nome de laranjas, tinham recebido quase 50 milhões de reais da empreiteira de Cavendish. O modelo de operação já estava claro ali, com base em outro relatório do Coaf sobre operações suspeitas da Delta: o dinheiro ia parar nas contas das empresas-fantasma e logo saía, quase sempre por meio de saques feitos na boca do caixa e em valores inferiores a 100 000 reais, numa estratégia para tentar evitar a malha fina dos órgãos de fiscalização. Foi a partir da revelação dos pagamentos da Delta às empresas de fachada de Adir Assad que Cavendish começou a falar nos bastidores. Dizendo-se injustiçado por ser o único pecador a sangrar em público, o empresário repete, desde então, que não apenas a Delta mas todas as grandes empreiteiras do país eram clientes da rede de Assad – e com o mesmo propósito de pagar propina e borrifar campanhas eleitorais.

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TABELA - QUANTO A DELTA RECEBEU EM MILHOES
TABELA – QUANTO A DELTA RECEBEU EM MILHOES (VEJA)

Em conversa reservada, Cavendish fez questão de ressaltar que entre os depositantes de dinheiro para as empresas-laranja de Assad citadas por VEJA em junho (Legend Engenheiros Associados, Rock Star Marketing e S.M Terraplanagem) figuravam outras grandes empreiteiras. Um relatório do Coaf confirma a versão do empresário. A EIT e a Triunfo, donas de grandes contratos no Ministério dos Transportes, e a UTC Engenharia, importante fornecedora da Petrobras, de fato pagaram recursos ao pool de Assad. Procuradas, as empresas responderam que simplesmente remuneraram serviços prestados. Na semana passada, Cavendish retomou a ofensiva. A pessoas próximas, citou catorze grandes empreiteiras e construtoras que se serviram dos préstimos das sete empresas de terraplenagem e engenharia de Assad que constam do novo relatório do Coaf. Todas usariam o esquema dos laranjas para canalizar recursos para campanhas políticas e pagamento de propinas. Por intermédio de sua assessoria, Assad se limitou a confirmar que pôs as empresas em nome de laranjas “por razões fiscais”, que elas atendem “ao segmento (empreiteiras) de maneira geral” e que “não procede” a informação de que são usadas para abastecer caixa dois de políticos.

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Na semana passada, a CPI colheu mais indícios de como a Delta usa empresas de fachada para financiar ilegalmente campanhas eleitorais. Em depoimento à comissão, o jornalista Luiz Carlos Bordoni disse ter recebido 140 000 reais por serviços prestados à campanha vitoriosa do tucano Marconi Perillo, em 2010, ao governo de Goiás. Os recursos seriam oriundos de caixa dois, e a maior parte deles teria sido desembolsada por empresas ligadas à quadrilha do contraventor Carlos Cachoeira e abastecidas com dinheiro da Delta. Bordoni não apresentou provas para a denúncia que fez. Já Perillo negou as acusações. Enquanto esse impasse persiste, sobram na sala-cofre da comissão informações que reforçam as operações heterodoxas da empreiteira e do contraventor com políticos. VEJA teve acesso a uma relação de pessoas pagas pela Alberto & Pantoja, empresa-fantasma do esquema Cachoeira que recebeu sozinha, de maio de 2010 a abril de 2011, 30 milhões de reais da Delta. Entre os beneficiários figuram políticos goianos de vários partidos. Todos foram contemplados às vésperas da eleição. Vice-presidente do PPS em Goiás, Vilmar Ribeiro recebeu 40 000 reais da Alberto & Pantoja. Contou que o dinheiro chegou a ele pelas mãos do deputado federal Carlos Leréia (PSDB), que está sob investigação da Corregedoria da Câmara – e sob o risco de perder o mandato. Leréia informou que declarou essa contribuição financeira ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O enredo é bem parecido nos outros casos, que envolvem políticos do DEM, do PTB e do PT. Todos afirmaram desconhecer a origem do dinheiro – a empresa-fantasma administrada pelo contraventor e abastecida pela empreiteira Delta.

Fernando Cavendish disse a interlocutores que, se convocado para a CPI do Cachoeira, permanecerá calado. Afirmou ainda que, nos últimos dias, foi pressionado por outros empresários, que o teriam acusado de fazer chantagem e de tentar democratizar os prejuízos financeiros e de imagem sofridos pela Delta. Investigar as relações da empreiteira com o laranjal, por tudo isso, é cada vez mais fundamental. Na mais modesta das hipóteses, a comissão provará que Cavendish blefou ao contar que há uma engrenagem de corrupção a serviço de todo o setor. Na mais ambiciosa delas, esquadrinhará, finalmente, as relações espúrias, e seculares, entre políticos e financiadores de campanha. A CPI tem uma oportunidade de ouro de prestar um grande serviço – este, sim, real – ao país.�

Com reportagem de Hugo Marques e Adriano Ceolin

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