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A Secom produziu, sem saber, o documento de uma era

As cinco páginas produzidas pela Secretaria, com diagnóstico de 'caos político' e perda de contato do governo e do PT com as massas, expõem os nós da relação entre comunicação e política

Por Bruno Filippo
23 mar 2015, 19h31

Oficiosa, porque não assumida pelos mandatários do poder tão logo divulgada pela imprensa, a diagnose da crise por que passa o PT e governo Dilma produzida pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) é o documento de uma era. Mal escritas, repletas de ambiguidades, suas cinco páginas alegorizam o sempre tênue limite entre comunicação e política, dois universos tão próximos quanto ambos mutuamente se modificaram. Na percepção da Secom, o governo errou – mas não na política econômica ou em quaisquer outras áreas em que se possam apontar falhas graves de gestão e de princípios. O governo errou porque, na batalha da comunicação, não soube falar às ruas, que já foram do PT, mas hoje se distanciaram do partido. Se, com doze anos de governo petista, elas são pintadas com tintas outras que não o vermelho, não se deve isso à insatisfação com o Brasil, mas à eficácia da oposição em lidar com as facilidades e as possibilidades do mundo digital.

Um trecho, porém, faz referência à substância, na parte em que o documento sugere estratégia para reverter o momento negativo: “Óbvio que essa reconquista não é apenas um trabalho de comunicação. Não adianta falar que a inflação está sob controle quando o eleitor vê o preço da gasolina subir 20% de novembro para cá ou a sua conta de luz saltar em 33%. O dado oficial IPCA conta menos do que ele sente no bolso. Assim como um senador tucano na lista da Lava Jato não altera o fato de que o grosso do escândalo ocorreu na gestão do PT.”

Como não é tarefa da Secom sobrepor-se a Joaquim Levy nem sugerir-lhe o receituário econômico correto, tampouco ensinar boas maneiras ao PT, a batalha pela hegemonia do discurso tem de continuar apesar dos problemas – ou exatamente por isso. E os estrategistas da secretaria propõem atuação conjunta e forte entre os canais da comunicação estatal: A Voz do Brasil, twitter, facebook e sites de órgãos públicos, sites privados e Agência Brasil. Mesmo que o eleitor continue a perceber o preço da gasolina e a conta de luz aumentando, mesmo que as denúncias de corrupção escancarem as víceras do partido, ainda assim o governo terá de convencer os brasileiros de sua boa administração.

Para além de consolidar, no Brasil, a confusão entre Estado e governo, em que a comunicação estatal é subordinada à lógica propagandística do partido que está no poder, o escrito da Secom é sintomático da preponderância da forma sobre o conteúdo na comunicação política. A amplificação do discurso, fazendo-o chegar às massas, subordinou seu conteúdo às sensações que causam nos receptores das mensagens – os cidadãos sugestionados pelo revestimento estético de gestos, falas, discursos e rituais. Na supremacia da forma, pode-se falar verdade, pode-se falar mentira – porém, o mais importante é o convencimento.

A comunicação política que prima pelo aspecto exterior acompanha boa parte da história da humanidade A palavra “demagogo”, que parece ter caído em desuso no Brasil, surge na Grécia Antiga, quando a democracia direta requeria o uso da palavra nas discussões públicas realizadas nas ágoras. Atribui-se a Júlio César, imperador romano, o aforismo segundo o qual à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta. E quinhentos anos atrás Nicolau Maquiavel, no capítulo XVIII de O Príncipe, deu o seguinte conselho aos príncipes:

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Todos vêem aquilo que tu pareces, poucos sentem o que és, e estes poucos não se atrevem a opor-se à opinião dos muitos que têm a majestade do Estado que os defenda; e nas ações de todos os homens e principalmente nas dos príncipes, das quais não se pode recorrer, se atende ao fim. Faça, pois, um príncipe por vencer e por manter o seu Estado; os meios serão sempre julgados honrosos e de todos louvados. Porque o vulgo deixa-se sempre levar pela aparência e o sucesso das coisas; e no mundo não há senão vulgo e os poucos só têm lugar quando os muitos não têm em que apoiar-se.

O surgimento do rádio e da televisão elevou-a a um patamar massivo. Na década de 30, o rádio ajudou na ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha. Em 1960, a televisão foi decisiva para a vitória de John Kennedy sobre Richard Nixon nos Estados Unidos. Deixaram de ser somente meios e tornaram-se protagonistas.

Hoje, o mundo digital está escrevendo mais um capítulo dessa longa história. É inexorável, então, que vivamos sob o signo da aparência, que nos submetamos à criatividade e à articulação dos marqueteiros políticos? Os meios que permitem o sugestionamento podem criar-lhes o antídoto. No Brasil, as Jornadas de Junho de 2013 e as manifestações de março – assim como as que se avizinham -, criadas, convocadas e turbinadas pelas redes sociais, são o contraponto à comunicação estatal em sua briga pelo primado da aparência.

Bruno Filippo é sociólogo e jornalista

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