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“TV aberta é para sempre”, diz Amauri Soares, diretor da TV Globo

O executivo acredita que, mesmo diante da mais dura concorrência da história, a fórmula dos programas de auditório e dos novelões segue imbatível

Por Ernesto Neves, Sofia Cerqueira Atualizado em 18 out 2024, 11h27 - Publicado em 18 out 2024, 06h00

Com a televisão aberta em xeque, o jornalista Amauri Soares, 58 anos, ocupa a desafiante cadeira de diretor da TV Globo, com a dura missão de mantê-la viva e atraente ao público e à publicidade. Sob seu guarda-chuva, ficam 123 afiliadas e os Estúdios Globo, na Zona Oeste carioca. Toda a grade de entretenimento — novelas, realities e programas de auditório — está sob sua batuta. Com 38 anos de Globo — foi de repórter a editor-chefe do Jornal Nacional —, ele aposta que a fórmula atual não está ultrapassada. “Conseguimos falar com todo mundo, somos a praça pública”, diz ele, que monitora a audiência em tempo real. Paulista de Bauru, adotou o Rio, onde leva vida de carioca, surfando com o filho Felipe, de 22, fruto de sua união de dezesseis anos com a apresentadora Patrícia Poeta. Na sede da emissora, no arborizado bairro do Jardim Botânico, ele falou a VEJA.

Qual o futuro da TV aberta, diante do avanço do streaming e das redes sociais? A TV aberta tem uma lógica diferente e nela está sua sobrevivência. Nesta era em que o algoritmo determina cada vez mais o que você consome, a televisão funciona de forma contrária: ela alterna temas e gêneros com uma grade que respeita hábitos, mas ao mesmo tempo quer surpreender. Essa lógica se expressa na seleção de filmes, por exemplo — os profissionais que escolhem o mix pinçam ora uma aventura, ora uma história regional brasileira. Essa é a maneira de duelar com o reinado dos algoritmos, à base da diversidade, falando com todo mundo. Somos como uma praça pública.

O que o senhor responde para quem diz que a TV aberta está com os dias contados? A realidade comprova que não é verdade. O próprio mercado publicitário é um bom termômetro — as marcas seguem na busca da comunicação de massa e do conteúdo profissional, que passa por curadoria. Em paralelo, observamos a alta repercussão de programas exibidos exclusivamente na TV aberta, como jogos de futebol, novelas e realities. Nesse campo, o Brasil espelha o que se vê mundo afora.

Mas a audiência é muito menor do que no passado, certo? A audiência de hoje não é igual à de vinte, trinta anos atrás, quando não havia competição. Por outro lado, há todo um alcance do conteúdo da TV que não é medido pela antiga métrica. O que fazemos na Globo reverbera por todas as redes sociais. No X, quando o Big Brother está no ar, 96% de tudo o que se fala de conteúdo audiovisual no país gira em torno do programa. Só que isso não é capturado pelos métodos que costumávamos usar. Daí o impacto ser subestimado.

Como anda, afinal, a audiência da Globo? A gente vem de três anos de estabilidade. Toda semana, 136 milhões de pessoas nos assistem. Uma novela alcança 70 milhões. Por isso, estou seguro: TV aberta é para sempre.

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Nos últimos tempos, a Globo dispensou gente que fez história na emissora e instituiu a política de contrato por obra. O resultado é uma onda de novatos. Não há perda de qualidade? Não concordo. Até cinco, seis anos atrás, os talentos tinham contratos exclusivos e de longo prazo. Numa novela, 90% eram atores escalados nesses moldes e 10%, por obra. Isso mudou e foi um ganho, já que assim temos mais flexibilidade, abrindo o leque e oferecendo maior diversidade.

“É insustentável manter tantos profissionais recebendo sem trabalhar. Até para a turma talentosa, que queria outras experiências, o contrato fixo perdeu o sentido”

A questão financeira não foi crucial? Foi. O formato anterior seria insustentável nos dias de hoje. Não há mais condições de manter um número enorme de profissionais recebendo mesmo sem trabalhar. Até para a turma talentosa, que queria ter outras experiências no novo cenário, deixou de fazer sentido viver com contrato fixo.

Quem permanece no velho modelo? Os profissionais mais experientes, que chamamos aqui de talentos vitalícios, seguem intactos. São uns trinta atores e atrizes nesse regime, entre eles Ney Latorraca, Susana Vieira e Ary Fontoura. E ainda tem outro time, com Cauã Reymond, Adriana Esteves, Taís Araujo. Esses têm contratos longos porque se encaixam em elencos de séries, filmes e novelas. Vale a pena.

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Encerrar o contrato de artistas graúdos mancha a imagem da Globo? Não. A maioria dos que passam a trabalhar por obra continua conosco. Não podemos é ficar parados. O mercado se mexeu, e todos nos adaptamos a isso.

Há cotas para minorias nos elencos? Não há metas, mas um compromisso de ter a sociedade representada, o que concluímos que não estava acontecendo. Um momento emblemático foi a novela Segundo Sol, de 2018, que mostrava uma Bahia só com brancos. Entendemos ali que era preciso mudar.

O anúncio do remake de Vale Tudo gerou polêmica entre público e atores, que se queixavam da frequência com que as tramas globais são revisitadas. Faltam autores para criar novas histórias? Nada disso. Nos últimos três anos, ampliamos em 50% nosso quadro de autores. E temos uma política de formá-­los sob a batuta de mestres como Walcyr Carrasco e Gloria Perez.

Uma de suas iniciativas trata do uso de inteligência artificial (IA) para ajudar na criação. Existe risco de roteiristas e autores serem substituídos pelo software? Risco zero. A IA é uma realidade e, diante dela, definimos nossa posição: a criação é e seguirá sendo 100% humana. O que não quer dizer que a ferramenta não esteja à disposição e possa ser usada. Lançamos inclusive um concurso interno para que nos enviassem histórias com apoio do software. Venceu uma autora de São Paulo. Mas é ela que está no comando e decidirá qual a aplicação que fará de IA.

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Desde os anos 2000, há um declínio na audiência dos novelões. Ainda há espaço para essa fórmula? Com certeza. Analisando a audiência, a telenovela tem domínio absoluto. Ela faz parte do nosso DNA, ajudou a formar a identidade brasileira. Não há outro gênero que faça leitura tão sensível dos anseios da sociedade. Por ser obra aberta, atenta ao novo, se mantém contemporânea.

Plataformas de streaming começaram a produzir novela em formato mais enxuto e ágil. Isso pode influenciar as tramas da TV aberta? Não vejo assim. Não tenho dúvida de que todos os nossos competidores gostariam de contar com novelas como as da Globo para oferecer ao público. Temos sessenta anos de experiência em produzir novelões, infraestrutura para tal e uma audiência que justifica o investimento.

Em sua gestão, o BBB foi ampliado para 100 episódios, embora a audiência tenha sido menor do que em edições anteriores. Há um desgaste? Qualquer audiência será menor do que dez anos atrás, quando não havia streaming nem redes sociais na escala de hoje. Dentro dessa realidade, o BBB mantém relevância extraordinária.

Após tantos anos, a recente saída de Boninho, à frente inclusive do BBB, foi fruto de algum desentendimento? Não houve briga. O contrato dele venceria no fim do ano, conversamos e avaliamos que o ciclo dele como executivo havia se encerrado. Boninho completou sua missão e já tinha até sucessor. Fui muito sincero na carta de saída dele. Até propus que continuasse como talento, podendo, por exemplo, ter um quadro em que comentasse o BBB. Mas ele não quis.

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Em que medida a saída de Marcius Melhem da Globo, acusado por várias atrizes de assédio moral e sexual, impactou nos programas humorísticos da casa? Aquele episódio desarticulou todo um ecossistema de criação do humor. O Marcius era líder criativo do grupo, e o núcleo acabou. Quando assumi os estúdios da Globo, há um ano, coloquei tudo de pé de novo, dando um gás a quase vinte novos projetos que reanimarão um segmento que faz parte do nosso DNA.

Existe a possibilidade de Marcius Melhem voltar à Globo? Depende do que vai ser decidido pela Justiça. Mas estou muito satisfeito com o pessoal que faz humor hoje na casa. Sinceramente, Marcius Melhem não é um assunto para mim.

A volta da Xuxa à emissora foi ideia sua? Xuxa sempre teve ótima relação com a Globo e nos procurou. No momento, não há projeto em andamento para atuar como apresentadora, mas como parceira, sim. Ela é muito ligada à questão de adoção de animais e nos propôs um quadro sobre o assunto, que o Fantástico está exibindo. Já a Eliana, fui eu que trouxe. Como Ivete Sangalo não conseguiria assumir a próxima temporada do The Masked Singer, queria alguém como ela, que ainda por cima tem experiência com dominicais.

Dois anos depois de deixar a emissora, Fátima Bernardes vai mesmo voltar? Ela nos procurou com o desejo de fazer um novo programa de auditório, e estamos desenvolvendo a ideia. Fátima vai gravar um piloto, que será avaliado internamente.

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“O contrato de Boninho ia vencer. Conversamos e avaliamos que o ciclo dele como executivo havia se encerrado. Ele completou sua missão. Não houve briga”

O senhor foi casado por dezesseis anos com Patrícia Poeta, criticada ao assumir o posto deixado por Fátima no Encontro. Chegou a pensar em substituí-la? Quando a Patrícia assumiu, eu não era o diretor dos Estúdios Globo. Essas decisões, portanto, não foram tomadas por mim. Já não sou casado com a Patrícia há mais de cinco anos. Ela tem a carreira dela e faz um trabalho muito bem-feito, com excelentes resultados publicitários e de audiência. Nunca questionei sua qualidade.

A ideia de criar um núcleo de filmes e documentários, produzidos nos estúdios da Globo, é fazer frente ao stream­ing? Sim, estamos operando em capacidade máxima com a meta de produzir pelo menos um filme por mês, que pode ir para os cinemas, o Globoplay e a TV — ou para os três.

No início do ano, o jornalista Erick Brêtas, que estava à frente do Globoplay, deixou a emissora. Comenta-se nos bastidores que a saída dele estaria ligada a uma desavença com o senhor. Procede? Não tive nenhuma participação ou envolvimento nisso. Essa foi uma decisão do Paulo Marinho, diretor-­presidente do grupo.

A polarização interfere em decisões sobre o teor do conteúdo exibido pela Globo? Não faz sentido mudar uma sinopse por um momento — até porque o processo de uma novela, por exemplo, leva dois anos. Vejo um grande centro no espectro político em nossa sociedade, que sempre decidiu as eleições. Às vezes pende mais para a esquerda, outras vezes mais à direita, como agora. Mas acho que, essencialmente, sempre foi um contingente conservador.

Guarda na manga alguma surpresa para celebrar os sessenta anos da Globo? A partir de janeiro, entra no ar uma programação especial e, em abril de 2025, faremos um show numa arena do Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo e participação de outras capitais. Vai mostrar nossa história até aqui e o que imaginamos para o futuro. Tenho paixão por TV e quero seguir nela. Acredito ser uma ferramenta muito poderosa de transformação da realidade.

Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915

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