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O cinema vai resistir, diz Mark Zoradi, CEO global da Cinemark

O americano afirma que produtoras e distribuidoras estão alinhavando acordos para se ajustar aos novos tempos

Apresentado por 5 mar 2021, 06h00

Desde a invenção da televisão, nos anos 1920, se prevê o fim das salas de cinema, sem que a profecia tenha sequer chegado perto de se concretizar. Com os projetores desligados em boa parte do mundo em decorrência da pandemia, porém, as redes de exibição mergulharam em uma crise sem precedentes, enquanto as plataformas de streaming batiam recorde de assinantes e viraram canal de lançamento de grandes produções.

O americano Mark Zoradi, CEO global da rede de cinemas Cinemark, a maior no Brasil e com quase 6 000 salas em dezesseis países, admite que os tempos são duros e os desafios, imensos — ao menos enquanto perdurarem as restrições impostas pela circulação do novo coronavírus. Mas ele insiste: a força da magia tornada viva pelas telas gigantescas do cinema não morrerá e, assim que for possível, o público voltará. Nesta entrevista, concedida por videochamada de seu escritório no Texas, Zoradi, 66 anos, fala sobre as negociações entre produtoras e distribuidoras para se adaptarem aos novos tempos e manter as salas abertas.

O fechamento dos cinemas por causa da pandemia abriu mais espaço para o streaming. Eles vão sobreviver à expansão desse serviço? Com absoluta certeza. O cinema existe há mais de um século e já enfrentou e superou diversas transformações tecnológicas, como a popularização dos aparelhos de TV e a invenção do VHS e do DVD. Nada disso foi capaz de apagar a magia da imersão no espetáculo que as salas de projeção oferecem. É esse ambiente não replicável em casa, mesmo com toda a parafernália de equipamentos disponível, que atrai os espectadores. As pessoas querem fugir da rotina e dos problemas, um desejo, aliás, maior do que nunca neste momento. Não há quem não guarde boas lembranças de ir ao cinema com o namorado, amigos, família. O hábito não vai morrer.

As locadoras de vídeo e DVD também apelavam para o argumento da mágica irresistível dos filmes e, no entanto, desapareceram. Qual a diferença? As locadoras ofereciam exatamente a mesma coisa que o streaming, a TV a cabo e o pay per view, só que com tecnologia inferior, e por isso sua utilidade se esgotou. No caso do cinema, a história é diferente, por se tratar de uma experiência fora de casa, inteiramente diversa. A melhor comparação para mim é com os restaurantes. Todo mundo pode preparar quitutes na sua cozinha ou pedir delivery por aplicativos, mas nem por isso deixamos de desfrutar o prazer de comer fora. É bom lembrar que 2018 e 2019, anos de expansão do streaming, foi também o período mais lucrativo em venda de ingressos no mundo.

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Há luz no fim do túnel para o baque causado pela pandemia? Não vou mentir, foi um desafio sem precedentes fechar todas as nossas salas a partir de março de 2020. Ainda estamos em uma posição delicada. Não temos os resultados finais do ano passado, mas encerramos o terceiro trimestre com 34,6 milhões de dólares de receita, uma queda de 96% em relação ao mesmo período do ano anterior. A meu ver, a recuperação das bilheterias de fato só vai começar a acontecer na segunda metade de 2021.

“Cinema é uma experiência única fora de casa. Comparo com uma ida ao restaurante. Todo mundo pode fazer quitutes na cozinha ou pedir delivery, mas não abre mão do prazer de comer fora”

Existe alguma previsão para a volta à normalidade total? A grande questão é justamente saber se nosso negócio algum dia retornará ao nível de antes. Estou confiante em que as coisas voltarão ao normal assim que as curvas de contágio forem controladas e novas produções entrarem em cartaz. Vimos isso acontecer na China e no Japão, que são, respectivamente, o segundo e o terceiro maiores mercados do mundo. Na China, nas cinco primeiras semanas de reabertura, as redes de cinema tiveram movimento parecido com o de 2019. No Japão, o filme nacional Demon Slayer, lançado em dezembro, obteve a maior bilheteria de estreia da história e já é a segunda maior registrada no país, ultrapassando Titanic. Estou otimista, creio que isso se observará em outros lugares.

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A ida ao cinema será um dia próximo ao que era antes da pandemia? O que dá para dizer agora é que tudo voltará ao normal possível, já que os velhos hábitos estão sendo repensados pela humanidade. Tomamos altas precauções em nossas salas, como forrar as poltronas, restringir o número de pessoas nas sessões e medir a temperatura de todos. Acredito que temos capacidade não só de enfrentar a tempestade, mas de sair dela mais evoluídos.

O que ainda faz com que as pessoas paguem pelo ingresso? Nada se compara àquela tela gigantesca e ao potente sistema de som que a cerca. A isso se soma a experiência social, que também é um grande motor de atração às salas de projeção. Faz diferença ter gente em volta rindo ou prendendo a respiração junto com você. Ir ao cinema é um ato coletivo, um prazer fora do cotidiano que a maioria deseja manter.

Nunca houve tantas formas de lazer a um clique. Como não perder espaço nos dias de hoje? É preciso estar sempre altamente atualizado em termos de tecnologia e oferecer a melhor qualidade de som e imagem possível, uma vez que esse é um dos grandes diferenciais do cinema. E isso exige investimento. Outro fator crucial é saber atender os diversos tipos de público e de classe social. Ou seja, personalizar a experiência, um movimento que se percebe em setores variados por toda parte.

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Poderia dar exemplos? As salas vip, com poltronas reclináveis e serviço de garçom, são um tipo de serviço exclusivo que agrada a quem tem maior poder aquisitivo. Investir em mais e melhores opções de alimentos também vem se provando boa opção para alavancar a experiência. Ao mesmo tempo, temos de oferecer promoções em certos dias para baratear os ingressos e atender a classe média em geral.

O senhor trabalhou nos estúdios DreamWorks e na Disney. Alguma vez pensou que, ao sair para comandar uma rede mundial de salas de cinema, optou pelo lado perdedor? Não, nunca achei isso. Há uma parceria contínua entre estúdios e cinemas. Na Disney, trabalhei muito tempo com venda e distribuição de filmes, e essa experiência me fez entender de forma inequívoca a importância das salas de cinema para tornar as produções atrativas e rentáveis.

A pandemia, na verdade, só acelerou mudanças no modo como as pessoas consomem entretenimento. É um caminho sem volta? De fato, os serviços de streaming, como Netflix, Amazon e Hulu, existem há anos e já estavam em franca expansão. Para mim, isso não representa uma ameaça. As salas de cinemas podem conviver com o streaming. Eu mesmo tenho assinatura da Netflix há pelo menos dez anos, adoro ver filmes no conforto da minha casa e nunca deixei de ir ao cinema.

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Alguns filmes com perspectiva de render grandes bilheterias acabaram estreando diretamente no streaming. Qual a repercussão entre os distribuidores? Cada vez que um filme importante é lançado, nós corremos para exibi-lo. E perdemos essa chance com Mulan e outros títulos. Ainda não conseguimos calcular exatamente quanto perdemos. Mas foi um golpe, sem dúvida.

No entanto, parece ser uma nova tendência. Já existe uma estratégia para lidar com ela? Produtoras e distribuidoras vão precisar negociar para chegar a um acordo em comum. A estreia de um filme no cinema se torna um grande evento, que tanto atrai o público para as salas quanto reforça o sucesso dos demais canais de distribuição. Em resumo, é do interesse dos estúdios, das redes de exibição e até do próprio streaming.

A Cinemark e outras redes fecharam acordo com a Universal para reduzir a janela de exibição exclusiva nos cinemas. Não é um prejuízo alto demais? O acordo, por enquanto, só é válido nos Estados Unidos. Ele prevê que os lançamentos mais importantes ficarão 31 dias exclusivamente nos cinemas, em vez dos 75 de antes. Trata-­se exatamente do tipo de compromisso que as redes de distribuição e os estúdios vão adotar para se adaptar às mudanças no comportamento do consumidor. Se não fizermos isso, ficaremos para trás.

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A Warner foi mais longe e decidiu lançar todos os seus filmes ao mesmo tempo nos cinemas e no streaming neste ano. Também aí houve um acordo? Sim. A Warner criou a própria plataforma de streaming, a HBO Max, e, para impulsioná-la nos Estados Unidos, decidiu lançar nela todas as suas produções de 2021. Mas concordamos que os novos filmes chegarão simultaneamente à HBO Max e às salas de projeção e, depois de um curto período no streaming, serão exclusivos dos cinemas. No Brasil e no restante da América Latina tudo segue igual.

“Cada vez que um filme importante é lançado, corremos para exibi-lo. Perdemos essa chance com ‘Mulan’ e outros títulos. Ainda não sabemos o prejuízo exato. Mas foi um golpe, sem dúvida”

O senhor acha que, mais a longo prazo, as salas de cinema podem se tornar irrelevantes para a indústria cinematográfica? Creio que não. Somos uma peça importante da lucratividade da indústria. Grandes produções hollywoodianas são caríssimas e mais da metade do que o estúdio ganha com elas vem dos ingressos vendidos nos cinemas. Um filme como Vingadores: Ultimato, o maior sucesso de bilheteria da história, nunca teria chegado ao ponto que chegou sem ter sido exibido em uma tela enorme, na qual os efeitos e a aventura parecem reais.

Um ingresso de cinema no Brasil custa mais do que uma assinatura mensal das grandes plataformas de streaming. Como competir? O custo do ingresso inclui o preço do aluguel das salas e o salário dos funcionários, mas a fatia principal — cerca de 50% — corresponde ao valor pago aos estúdios em direitos autorais e outras taxas. A meia-entrada, no Brasil, reduz mais ainda a nossa parcela. Dito isso, reconheço que o ingresso é caro. Por isso oferecemos as promoções de meio da semana.

Quase metade da população brasileira vive em cidades sem cinema. O que pode ser feito para melhorar o acesso? É caro abrir e manter um cinema no Brasil, por isso construímos nossas salas onde há maior concentração populacional. Estamos pesquisando formas de inaugurar cinemas em cidades menores e atingir esse público desamparado. A tendência é optar por salas pequenas e mais simples, o que também iria baratear o ingresso.

Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728

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