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“Heróis nacionais”, diz Montezano sobre priorizar as pequenas empresas

Discreto e próximo aos filhos de Jair Bolsonaro, o presidente do BNDES defende a estratégia em detrimento das grandes corporações da gestão petista

Apresentado por Atualizado em 4 jul 2022, 18h48 - Publicado em 1 jul 2022, 06h00
REVISTA VEJA EDITORIA: PÁGINAS AMARELAS REPÓRTER: VICTOR IRAJÁ PERDONAGEM: GUSTAVO MONTEZANO, PRESIDENDTE DO BNDES (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVOMENTO ECONÔMICO E SOCIAL) FOTO: SERGIODUTTI
Gustavo Montezano, presidente do BNDES – (Sergio Dutti/VEJA)

Um dos raros remanescentes do alto escalão da equipe econômica desde o primeiro ano no governo de Jair Bolsonaro, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, sempre cultivou a discrição no cargo. Amigo de longa data dos filhos do presidente da República, o carioca de 41 anos apresenta-se como um técnico, e evita se arriscar em análises políticas. Engenheiro de formação, Montezano, no entanto, é enfático ao demarcar as mudanças de direcionamento do principal banco de fomento do país nos últimos anos, como fez nessa entrevista a VEJA, concedida na última terça, 28, por teleconferência. Com recém-completados setenta anos de existência, o BNDES deixou de lado os volumosos investimentos do passado e vendeu participações em grandes empresas. Nos últimos três anos, o executivo ajustou o foco sobre pequenas e médias companhias em nítido contraste com a política adotada na gestão petista, de valorizar conglomerados exportadores com acesso privilegiado aos mercados globais e a linhas de crédito, como JBS e Odebrecht. “Quando se tem um banco monopolista que libera subsídios, qualquer passo pode dar vantagens econômicas que distorcem o mercado, anabolizando os escolhidos, mas empurrando para fora da disputa quem não tem recurso”, explica.“Em vez dos campeões nacionais do passado, precisamos de heróis nacionais.”

O BNDES é historicamente conhecido por financiar grandes projetos e a sua gestão, principalmente desde o início da pandemia, começou a focar os investimentos em pequenas e médias empresas. Por quê? Passamos de uma atuação focada em grandes grupos empresariais para uma visão multidimensional. O desenvolvimento, há vinte ou trinta anos, era medido apenas pela óptica do lucro financeiro, conseguido por meio de empréstimos. Hoje, além dos recursos financeiros, é necessário ter a modelagem correta, governança, impacto, diversificação nas áreas social e ambiental. O conceito de desenvolvimento ficou mais multifacetado e é esse o norte do banco nos últimos três anos. Procuramos diversificar os produtos e serviços e ampliar a atuação da instituição, para a preparação de projetos, em concessão de crédito para pequenas e médias empresas, no enfoque em ativos ambientais e desenvolvimento social.

Na hoje famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a ideia de que o enfoque do governo na pandemia deveria ser salvar as grandes empresas, afirmando: “Vamos perder dinheiro salvando as pequenininhas”. O que mudou de lá para cá? A nossa estratégia durante a crise foi totalmente referendada pelo ministro Paulo Guedes — na verdade, foi ele quem deu as diretrizes. A sua orientação naquele momento já rompia com a tradição do banco, de que o BNDES não apoiaria de forma ampla as grandes empresas, exceto em setores específicos, como o setor elétrico ou a aviação civil. Nossa atitude foi, sim, orientada pelo ministro. E foi um grande sucesso.

“O risco das operações com Venezuela e Cuba era assumido pelo Tesouro Nacional. O BNDES era só parte da equação. Foi o governo federal que aceitou garantias em charutos”

Mas ainda assim é uma contradição, não? Paulo Guedes dizia naquela reunião que as grandes empresas são “lucrativas”, vamos chamar assim. Então, não precisariam angariar recurso subsidiado junto ao governo, queimar orçamento público. E foi o que aconteceu. Os grandes bancos privados em apenas dois ou três meses impulsionaram suas linhas de crédito para essas empresas. O mercado de capitais bateu recorde. Logo, o setor privado apoiou as grandes empresas. Focamos nas pequenininhas e ele quis dizer exatamente isso. A mudança da estratégia abriu um leque novo para o BNDES atuar e consolidar políticas públicas. A concessão de crédito a micros, pequenas e médias empresas cresceu 50%, entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2022.

Diz-se que o BNDES se transformou em um banco menos financiador e mais garantidor. Isso não pode criar lacunas de investimento onde o banco se faz necessário? Com certeza. O Brasil demanda investimentos. Mas, quando se compara o atual momento com o passado recente do país, o BNDES era um monopolista que distribuía subsídios, não atendendo clientes, mas subsidiários. Hoje, ele opera em conjunto com o mercado, induzindo novos emprestadores a investir com a instituição, não competindo, mas em conjunto. Esse é um ajuste que segue uma tendência global. É um direcionamento dos grandes bancos de fomento, como o Banco Mundial, de tornar os outros bancos colaboradores, não competidores do mercado privado.

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À parte as terríveis ilegalidades descobertas pela Operação Lava-Jato, a política dos campeões nacionais não ajudava, em determinado aspecto, a garantir recursos para que grandes empresas gerassem impacto em emprego, renda e exportações? Claro que é importante financiar as grandes empresas, a questão é como se faz isso. Apenas duas companhias, Odebrecht e JBS, receberam 90 bilhões de reais do BNDES, em valores atualizados. É importante dar aportes a grandes construtoras ou exportadoras de commodities? Sim. O necessário é fazer isso de forma igualitária. Quando se tem um banco monopolista que libera subsídios, qualquer passo pode dar vantagens econômicas que distorcem o mercado, anabolizando as campeãs nacionais, mas empurrando para fora da disputa quem não tem recurso. É um jogo de selecionar os vencedores, o que não é função ou direito do BNDES. Em vez dos campeões nacionais, precisamos dos heróis nacionais, as pequenas e médias empresas que geram renda e emprego no país.

O ex-presidente Lula também afirmou há poucas semanas que, se eleito, o BNDES focaria sua atuação em pequenas e médias empresas. Com Lula e Bolsonaro à frente das pesquisas, independentemente do resultado das eleições, a gestão do banco será similar? Não posso falar por hipóteses. A orientação que o presidente Jair Bolsonaro nos deu é trabalhar com óptica de Estado, com transparência. Essa é a orientação, e ele nos deu independência para trabalhar. Estamos aqui há três anos e, assim, seguiremos até o final do mandato. O que vai acontecer depois disso compete à decisão eleitoral, e não cabe a mim comentar aqui.

Como vê as críticas de que, durante a sua gestão, o BNDES perdeu importância ao enxugar suas operações? No passado, percebíamos o BNDES desembolsando muitos empréstimos, por se tratar de um mercado menor. Agora, é diferente. Quanto menos o banco desembolsar para ter um impacto maior, mais trazemos novos parceiros, melhoramos a qualidade dos projetos e tornamos o nosso ecossistema de financiamento mais rico, ampliando a atuação do banco. Não podemos medir o sucesso do BNDES pelo tamanho do desembolso ou de seu lucro, mas pelo seu impacto final, na ponta da linha.

Existe uma preocupação crescente com a questão ambiental para a tomada de decisões e o direcionamento de investimentos do setor privado. A imagem do governo Jair Bolsonaro em relação a isso não é das melhores no exterior. Como essa percepção impacta o BNDES? Isso não é um nicho de mercado, mas uma filosofia de gerenciamento dos grandes bancos e fundos. Todos os nossos projetos e a estrutura de governança do banco passam pela filosofia chamada de ESG, o que também nos traz vantagens competitivas. Os investidores que incorporam esses ditames ganham maior participação de mercado. Hoje, ainda existe uma percepção de que adotar determinadas práticas envolve ter menos lucro. Mas, se determinada instituição segue essa política, tem mais acesso a recursos, é mais perene e vai ser mais duradoura. Os investidores fazem questionamentos, sim, em relação a questões ambientais e climáticas não só no Brasil, mas em qualquer país. Apesar disso, o BNDES virou o maior estruturador de projetos do mundo. Então, a despeito da turbulência e do ruído, o Brasil é um dos maiores, senão o maior, polo emergente do mundo, evidentemente excluindo a China.

“A pandemia tomou recursos e prioridade das privatizações. Queríamos ter feito mais? Sim. Mas, olhando para trás foi um sucesso. E essa agenda deveria ser irreversível”

Uma das principais memórias da população brasileira envolvendo o banco tem relação com projetos polêmicos em Cuba e na Venezuela. Em que pé estão essas operações? São projetos contratados no passado que não foram financiados pelo BNDES, mas patrocinados pelo governo brasileiro. O banco era um emprestador dos recursos, mas não assumia o risco das operações. Quem fazia isso com os governos da Venezuela ou de Cuba, tendo charutos como garantia, era o Tesouro Nacional. O banco era só uma parte dessa equação. Essas operações estão paradas desde 2016.

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Quando o presidente Bolsonaro assumiu, prometeu abrir a chamada caixa-preta do BNDES, e com seis meses de governo demitiu o seu antecessor, Joaquim Levy, com a alegação de que não fez isso. No entanto, até hoje nada foi encontrado. O que era, afinal, essa caixa-preta? A decisão relacionada a essa investigação foi tomada ainda no governo do presidente Michel Temer, o que inclui a contratação dos recursos destinados a sua realização. Nós apenas encerramos as análises e divulgamos os resultados. Em relação à transparência do BNDES, essa discussão se estende desde 2008, quando o banco se recusou a abrir suas operações ao Tribunal de Contas da União (TCU), alegando sigilo bancário. Criou-se, então, uma crise de reputação para a instituição que durou quase uma década. É natural que a sociedade e a classe política façam questionamentos ao banco. E é necessário que sejamos transparentes — para atrair investimentos para o banco e, principalmente, para proteger nossos funcionários.

Em aspecto geral, as privatizações do governo federal foram mais tímidas do que o prometido. Por que a gestão não conseguiu dar vazão à agenda? Essas operações levam tempo e são muito complexas. Não se faz da noite para o dia. É necessário que já exista uma maturidade do debate técnico e político, além de a ideia ser bem aceita junto à sociedade. A pandemia, que durou dois anos, tomou recursos e a prioridade da agenda. Mesmo assim, a quantidade de desestatizações operacionalizadas pelo BNDES nos últimos três anos foi inédita. Queríamos ter feito mais? Sim. Mas, olhando para trás, foi um sucesso. Essa agenda deveria ser irreversível.

Há risco de retrocesso nesse aspecto caso Lula seja eleito? Sim.

Os ministros Paulo Guedes e Adolfo Sachsida já demonstraram interesse em privatizar a Petrobras. É possível que saia ainda na atual gestão? O BNDES ainda não foi formalmente contratado para participar desse projeto. Mas, se procurados, estamos prontos para executar o mesmo trabalho de qualidade que fizemos com a Eletrobras, a Cedae ou na concessão do Parque Nacional do Iguaçu.

Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796

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