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Fábio Faria: “Precisamos manter o clima de entendimento e paz”

Hábil articulador, o ministro (que é evangélico) prega a harmonia entre poderes e diz que a disputa em 2022 será entre Bolsonaro e a esquerda

Apresentado por Atualizado em 4 mar 2021, 20h24 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00

No cargo há apenas seis meses, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, se tornou um dos principais articuladores de Jair Bolsonaro nas relações com o Congresso, com partidos políticos e autoridades da República. Nos bastidores, imbuído de um espírito conciliador, ele trabalhou fortemente para apaziguar os ânimos entre os poderes, que estavam bastante exaltados, e ajudou a construir pontes de entendimento — que julga cruciais para o sucesso do governo. Filiado ao PSD, um dos partidos do Centrão, e evangélico, Faria agora atua nas disputas na Câmara e no Senado para eleger candidatos comprometidos com a agenda liberal e a pauta conservadora do capitão. Em entrevista a VEJA no seu escritório em São Paulo, o ministro defendeu as atitudes do presidente em relação à Covid-19, diz que nenhum nome de centro tem chance de suplantar Bolsonaro em 2022, mas admitiu que o governo vem perdendo a guerra da comunicação na questão ambiental. A seguir, os principais trechos da conversa.

O senhor defendeu na sua posse, em junho, a ideia de que as diferenças políticas e ideológicas fossem deixadas de lado em nome do combate à Covid-19. Isso não aconteceu. Mas melhorou muito. Nós tínhamos uma guerra muito forte entre Judiciário e Executivo. Uma crise diária de palavras, porque a imprensa ficava cobrindo o Alvorada na entrada e na saída do presidente. Todo dia, ele falava por quarenta minutos, uma hora… E aquelas frases ficavam repercutindo uma semana, duas semanas. Ninguém sabia o que o governo estava fazendo para combater a Covid-19. As empresas estavam angustiadas, pois não sabiam o que o Congresso estava votando. Enfim, reinava a confusão. Agora, há um clima maior de entendimento e paz. Precisamos manter isso.

O governo tem alguma autocrítica em relação à atuação na pandemia? No começo, o presidente tomou a atitude de colocar no mesmo patamar o risco econômico e a saúde. E foi muito criticado, porque o discurso no mundo inteiro era o de primeiro vamos salvar vidas e depois cuidamos da economia. Ali houve um sentimento de que ele poderia estar indo por um caminho sem volta. Depois, a própria OMS e vários países começaram a ver que não seria uma curva com um pico de duas, três semanas, que não era só parar, esperar a curva achatar e retomar a normalidade. Estamos há quase um ano convivendo com o vírus. Ou seja: o presidente estava certo. Se a economia entrasse em colapso, o efeito negativo teria sido ainda pior. A autocrítica, então, teria de ser feita por todos, porque naquele momento ninguém sabia de nada.

Falar de gripezinha ou que a pandemia está quase no final não são declarações que merecem reparo? Merecem reparo dos dois lados. Toda a imprensa falou que ele tinha chamado a Covid-19 de gripezinha, mas o que ele disse foi que “se eu pegar esse vírus, provavelmente em mim terá o efeito de gripezinha”. E quando ele fala que a pandemia está no finalzinho é porque as vacinas já estão chegando.

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Não houve demora para elaborar um plano de vacinação? O governo comprou 260 milhões de doses da AstraZeneca e entrou em um consórcio que dá direito a mais 50 milhões. Bolsonaro já disse que vai comprar qualquer outra vacina aprovada pela Anvisa. Elaborou uma MP de mais de 20 bilhões que permitirá a aquisição de 400 milhões de doses. O que está havendo é uma confusão de posições. O presidente é contra a obrigatoriedade da vacinação, mas isso não quer dizer que ele é contra a vacina.

“O presidente precisa ter um aliado na Câmara, não só da agenda econômica, mas que saiba que o exercício da democracia é pôr em votação uma pauta, mesmo sem concordar com ela”

Como o senhor avalia esses dois anos da gestão de Bolsonaro? O governo quebrou um ciclo de muitos anos nos quais víamos os mesmos partidos comandando os ministérios. O resultado é que não há nenhuma denúncia de corrupção no governo. Esse é um legado que o brasileiro vai saber reconhecer. Bolsonaro também trouxe uma agenda liberal para a economia. Votamos a reforma da Previdência sem ter nenhum ministro indicado por partido político, algo que consideravam impensável.

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Para quem pregava uma “nova política”, as negociações atuais com os partidos não são uma contradição? Para aprovar a sua agenda, ele precisa ter maioria no Parlamento. Por isso está de olho nas eleições da Câmara e do Senado. Várias coisas que ele defendeu em 2018 não foram nem pautadas. Precisamos aprovar reformas. Tem a pauta conservadora, como a redução da maioridade penal e o homeschooling. Bolsonaro precisa ter um aliado, não só da agenda econômica, mas que saiba que o exercício da democracia é pôr em votação uma pauta, mesmo sem concordar com ela.

Na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) é esse aliado? Ele se apresentou quando havia um conflito muito forte com o Legislativo, no momento crucial da pandemia. Ajudou muito o governo a vencer na pauta, porque tinha com ele o PL, o PTB e outros partidos. Temos um Congresso reformista, todos os candidatos que se apresentaram têm compromisso com a questão fiscal. Mas alguns terão compromisso com a esquerda, como o que for apoiado pelo Rodrigo Maia. Por essa razão, a preocupação é termos alguém que nos dê tranquilidade em relação a isso.

Outro ponto do governo que gera muita polêmica é a gestão ambiental. As críticas são injustas? Tínhamos nos governos passados uma crítica muito grande em relação aos órgãos ambientais, que perseguiam os empresários, o agronegócio. Quando veio Bolsonaro com outro discurso, gerou uma guerra enorme e há uma disputa de narrativas. Infelizmente, temos de reconhecer que, internacionalmente, perdemos essa guerra. Eu pedi para termos uma verba maior para divulgação no exterior, porque estamos fazendo muita coisa e precisamos reverter essa imagem que está aí.

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O auxílio emergencial foi eficiente na pandemia e melhorou a popularidade de Bolsonaro, sobretudo no Nordeste. Como será após o seu fim? Foi o maior programa de distribuição de renda do mundo, fazendo com que a economia ficasse aquecida e muita gente recebesse um dinheiro nas pequenas cidades. Ajudou também para que o nordestino observasse Bolsonaro, porque o PT dominou a região por muito tempo. Sou nordestino e sei: a gente valoriza o jeitão autêntico do presidente. Quanto à interrupção do auxílio, poderá ter um efeito momentâneo na popularidade, mas o que vai definir a eleição de 2022 é o governo todo, o crescimento econômico. Muito mais importante é o compromisso fiscal, é manter uma taxa de juros em 2%, a inflação controlada, uma relação mais amena entre os poderes. Se o presidente só pensasse na eleição, ele esqueceria tudo e tratava só de manter um colchão gigante de pessoas recebendo o benefício, porque isso garantiu quatro vitórias ao PT. Seria muito fácil. Quebra o país, mas você se elege. Não vamos fazer isso.

A principal oposição a Bolsonaro é o próprio governo, como demonstrou a recente briga de ministros que provocou a queda do titular do Turismo? Gosto muito do Marcelo Álvaro Antônio. Ele sabe que não deveria ter mandado a mensagem com críticas ao ministro Luiz Eduardo Ramos. O presidente, aliás, ficou praticamente a noite inteira sem dormir, porque não foi fácil demi­ti-lo. Em relação à pergunta, eu concordo 100% que a oposição vem de dentro por um único motivo: o Brasil não tem outro líder e não tem tempo de formar um até 2022. Então, Bolsonaro disputa com ele mesmo, porque não tem ninguém à altura dele. Não tem um Lula da década passada para ser o antagônico. Por isso estão preocupados em buscar erros de Bolsonaro, para ver se alimentam a desconstrução do presidente.

O senhor vê algum risco à reeleição do presidente, caso o centro se una? Não creio nesse cenário. Acho que Bolsonaro vai enfrentar a esquerda, um Guilherme Boulos, um Ciro Gomes, talvez o Fernando Haddad de novo ou outro nome do PT. O eleitor de centro virá com Bolsonaro.

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E como o senhor vê a disputa de Doria com o presidente sobre a CoronaVac? Doria se apaixonou por entrevistas coletivas e todos já viram que ele, sim, é quem está tratando a pandemia politicamente. O Bruno Covas, aliás, teve de escondê-lo um pouco na eleição, então não vejo o governador com força para 2022. Fala-se em Sergio Moro, mas ele traiu a carreira de juiz ao virar político, depois traiu o governo e por fim traiu o próprio legado ao ir trabalhar para empresas que ele condenou. O Luciano Huck é um apresentador de sucesso, mas é muito difícil um outsider com família estruturada, bem de vida, largar tudo e começar a levar pancada. E ele tem uma coisa que o prejudica, que é ser da Rede Globo. Os adversários vão usar isso.

“Bolsonaro disputa com ele mesmo porque não tem ninguém à altura. Não tem um Lula da década passada para ser o antagônico. Por isso tentam desconstruir o presidente”

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Um dos temas mais importantes de sua pasta é o leilão da telefonia 5G. A Huawei, da China, está fora do jogo? Eu pedi que ninguém tratasse sobre o 5G, porque estava atrapalhando, pelo excesso de informações. Há uma briga geopolítica dominando o assunto, e não é para ser assim. A decisão da Anatel, que está sob o guarda-chuva do ministério, será técnica, mas quem decide é o presidente da República. Como se trata de um chefe de Estado e tem segurança nacional e relações entre países envolvidas, ele tem autonomia. Mas não estamos nessa etapa. O 5G será uma das principais pautas de 2021. Já estipulamos o deadline para o primeiro semestre. A partir de fevereiro, com uma comissão do Tribunal de Contas da União, vamos visitar todos os players na Europa e na Ásia.

Outra prioridade do seu ministério é a privatização dos Correios. Sai em 2021? Garanto que sai. Tudo tem de passar por um ritual, você não consegue mudar isso. No ministério, demorou só dois meses para ficar pronto o projeto de lei. Vou trabalhar intensamente na Câmara e no Senado para que haja um desfecho ainda em 2021.

O senhor é evangélico e Bolsonaro promete um ministro evangélico na próxima vaga do STF. O que acha dessa ideia? Fui batizado em 2018 na Igreja Batista, eu me converti. Minha esposa (a apresentadora de TV Patricia Abravanel) é evangélica, todas as irmãs dela são, minha sogra é, o meu sogro (o empresário Silvio Santos) é judeu. Eu me casei em uma cerimônia judaico-cristã. Meu pai é católico, minha mãe é católica, minhas duas irmãs mais velhas são evangélicas. Mas nunca usei isso politicamente, nem falo. Esse eleitorado acredita muito no Bolsonaro, ele é católico, a esposa dele é evangélica, e ele tem uma identificação muito forte, porque sempre diz que busca soluções na Bíblia. Mais importante, porém, que ser evangélico é ter um compromisso com a agenda conservadora. Mas essa é uma decisão do presidente, eu não me meto.

Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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