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Eduardo Mufarej, idealizador do RenovaBR: “Política é missão”

O criador da escola para políticos diz que a economia sofre com a má gestão pública, mas vê avanços e confia em um nome novo em 2022

Apresentado por Atualizado em 28 Maio 2021, 17h13 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

Quando idealizou uma escola para aspirantes a cargo público, Eduardo Mufarej foi recebido com unânime desconfiança. A esquerda achava que ele queria mesmo era criar um sistema paralelo de financiamento para candidatos liberais. A direita acreditava que, ao dar espaço a todas as ideologias, prejudicaria a agenda das reformas econômicas. Escolado na superação de obstáculos depois de quase duas décadas de atuação no mercado financeiro, Mufarej, 43 anos, ignorou as críticas e, em 2017, fundou o RenovaBR, que já capacitou mais de 2 000 pessoas, entre 50 000 inscritos, movidas pelo desejo comum de mudar o Brasil, entre elas nove deputados — sendo Tabata Amaral (sem partido-­SP) uma das mais conhecidas — e um senador, Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Ex-CEO do grupo Somos, de educação, e atual administrador do Good Karma, o maior fundo de impacto social do país, Mufarej relata sua trajetória incomum no recém-lançado Jornada Improvável (Ed. Intrínseca). Nesta entrevista, feita por videoconferência, ele fala sobre os resultados da escola e aposta em uma candidatura de centro em 2022 — de preferência, a do amigo Luciano Huck.

Como o senhor concebeu a ideia de uma escola para incentivar talentos políticos? O regime militar jogou a política na clandestinidade. Mesmo depois da redemocratização, a sociedade optou por permanecer alheia, disseminando o estigma de que é um assunto que não se discute. Já ouvi de um político que “a sociedade não me reconhece como uma pessoa bacana só porque estou na política, um lugar sujo, onde gente ruim se aventura”. Isso nos coloca na contramão de todas as boas práticas de democracias-modelo, como a Alemanha, que tem os mesmos partidos há décadas e um sistema civilizado de renovação.

O Congresso teve uma renovação de quase 50% nas últimas eleições. Houve mudança de verdade ou foi só uma troca de cadeiras? É bom evitar generalizações. Os velhos hábitos do Congresso ainda são mais presentes do que o desejo de mudança. Esse é um processo que vai levar tempo, mas a transformação já começou. Ulysses Guimarães dizia: “Está achando ruim a atual composição do Congresso? Espera a próxima. Será pior. E pior. E pior”. O RenovaBR nasceu como uma reação a essa frase. Se o país ficar desqualificando a classe política eternamente, o cenário só vai piorar, mesmo.

Os candidatos formados no RenovaBR estão se saindo melhor do que os demais? Eles usam 60% menos dinheiro da verba de gabinete do que outros deputados em primeiro mandato. Alguns optaram por fazer a distribuição de emendas consultando a população. Até o fim do ano passado, apresentaram 2 257 projetos em diversas áreas. Na Câmara, tiveram atuação decisiva no marco do saneamento básico, no marco das startups, em propostas de educação e até na CPI da Covid, no Senado.

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De que maneira os velhos quadros da política, como Fernando Collor e Renan Calheiros, conseguem se manter no poder? Existem muitos partidos e eles estão nas mãos de poucas pessoas. Não servem aos interesses coletivos, mas sim a pequenos grupos, famílias ou indivíduos que querem se perpetuar no poder. Além disso, é muito mais complicado para um candidato se eleger sem ter a vantagem de um mandato prévio. Na Assembleia Legislativa do Rio, um único deputado pode dar origem a sessenta cargos, número claramente superior ao volume de trabalho da atividade parlamentar. Trata-se de uma forma legal de financiar o eleito e sua equipe e usar parte do Orçamento público para quitar dívidas de campanha.

“Existem muitos partidos e eles estão nas mãos de poucas pessoas. Não servem aos interesses coletivos, mas a grupos, famílias e indivíduos que querem se perpetuar no poder”

Além de indivíduos, a longevidade se estende a um grupo de partidos, o chamado Centrão. Como ele se mantém vivo, não importa o governo? Isso me parece um reflexo do sistema. Os incentivos hoje estão ancorados em tamanho de bancada e na quantidade de votos necessários para se eleger. Precisamos ter transparência e governança. Se você assistir à série Borgen, que retrata a política na Dinamarca, verá que em países desenvolvidos a formação de maioria se dá dentro de princípios republicanos. No Brasil, prevalecem as pautas de interesses partidários, voltadas para privilégios da própria classe política.

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Qual o impacto da má política na economia? Em meu livro, comparo o valor das empresas listadas na bolsa de valores nos últimos meses de 2012 com o de 2017. Os anos de deterioração econômica e social levaram a uma perda de 700 bilhões de dólares. Existem muitas consequências que a gente não percebe. Não se adotam políticas públicas baseadas em evidências, soterra-se a transparência, reforça-se o clientelismo e destroem-se valores éticos, morais e financeiros.

Houve mudanças no modelo de financiamento de campanha. Elas trouxeram melhoras? Até 2014, quando pessoas jurídicas podiam financiar as campanhas eleitorais, dizia-se que os grandes empresários eram donos dos candidatos. A reforma que limitou as doações a pessoas físicas mudou, sim, o jogo, no sentido de que os donos passaram a ser os dirigentes partidários, que repartem o fundão eleitoral. Isso é clientelismo com dinheiro público. Também vemos um crescimento do financiamento informal que é muito preocupante. Se permitirmos novamente as doações empresariais, é preciso impor limites. Mas, seja a fonte pública ou privada, o importante é haver transparência. As eleições brasileiras estão entre as mais caras do mundo e isso precisa mudar.

Por onde se pode começar? O voto distrital misto, adotado em diversos países da Europa, é uma alternativa. Por esse sistema, os partidos apresentam um candidato por região e o eleitor tem direito a dois votos: um na pessoa que melhor representa seu distrito, outro no partido que tem o melhor leque de candidatos. Ele reduz o número de postulantes, facilita a fiscalização e barateia as campanhas. É uma possibilidade para as eleições de 2026, pelo que tenho acompanhado.

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Em 2018, o senhor disse que votou em Jair Bolsonaro com base nas propostas liberais defendidas por Paulo Guedes. Arrependeu-se da escolha? Foi um voto por exclusão, esperando que pudéssemos entrar em um novo ciclo. Até Ciro Gomes, ex-ministro do governo do PT, foi para Paris para não votar no segundo turno, o que mostra a situação complicada naquele momento. Como milhões de brasileiros, estou desapontado com o encaminhamento do governo. A gestão da pandemia, a inabilidade em implantar políticas econômicas, as oportunidades perdidas no campo externo — como a possibilidade de transformar o país em uma potência verde — me deixam muito frustrado.

O senhor foi convidado por Paulo Guedes a integrar o governo. Por que não aceitou? Não conhecia a cadeia de comando e, à medida que novas informações me foram chegando, achei melhor não conhecer. A questão de família misturada com política me incomodava. Fico aliviado de não ter aderido ao governo Bolsonaro. A área da educação, infelizmente, ficou nas mãos dos quadros ideológicos. Andamos muito para trás nessa área.

As pesquisas mostram que, em 2022, deve se repetir a polarização entre Lula e Bolsonaro. Há espaço para uma candidatura competitiva de centro? Creio que sim. Tanto Lula quanto Bolsonaro têm índices de rejeição bastante altos, o que abre caminho para uma terceira opção. O clamor é por uma visão de futuro, não de retrovisor. Entre um projeto que não deu certo e um projeto que não está dando certo, o eleitor tende a buscar outras alternativas. Até agora os nomes levantados não decolaram. Ninguém está preocupado com eleição ainda. A população brasileira está no meio de uma pandemia, estressada com a saúde e a economia.

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Luciano Huck, que é seu amigo e conselheiro do RenovaBR, aparece como alternativa para a terceira via. O senhor acha que ele vai mesmo concorrer? Luciano não deu nenhuma declaração sobre isso até agora. Quando ele se posicionar, posso comentar. É um grande parceiro. Tem muita vontade de aprender, transita bem por todos os círculos sociais e espectros ideológicos, quer ajudar o país e não é personalista. Não tenho dúvida de que seria um excepcional candidato. Mas há que considerar que essa escolha é difícil e tem muitas implicações. Somos amigos e respeitarei a decisão que ele vier a tomar.

Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, votaria em quem? Prefiro não me posicionar por enquanto.

O senhor prega a renovação, quer arejar a política brasileira, mas nunca se candidatou a nada. Por quê? O Brasil tem milhares de entidades para discutir todos os assuntos imagináveis, mas, não por acaso, pouquíssimas dedicadas a debater o sistema político e eleitoral. Entendo que aprimorar a formação de pessoas que gostariam de participar da vida pública, sem entrar nas disputas partidárias, é a melhor contribuição que eu poderia dar. Só assim a qualificação técnica se torna permanente. Há muita gente boa querendo participar da política, mas elas necessitam de um estímulo para perseverar.

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“O clamor é por uma visão de futuro, não de retrovisor. Entre um projeto que não deu certo e um projeto que não está dando certo, o eleitor tende a buscar outras alternativas”

O processo de seleção do RenovaBR faz lembrar a contratação de funcionários por uma empresa. Há semelhanças entre as duas coisas? O RenovaBR não é um movimento político, e sim uma escola de formação de lideranças políticas. Temos um volume elevado de inscritos e precisamos aplicar um critério de seleção. No final, quem escolhe os candidatos é o eleitor e ele tem inúmeras opções. O que a gente se propõe a fazer é selecionar pessoas com trajetórias incríveis de vida, que não participam da política institucional, mas têm vocação para servir à população. Reconhecemos que ser político é uma tarefa dura e precisamos de gente preparada, que enxergue a vida pública como missão e não como negócio.

É possível renovar a política sem melhorar a educação em geral? Investir em educação é essencial, mas liderança e coordenação também são necessários. Nestes tempos de pandemia a omissão é completa, o que acelera as desigualdades. Enquanto o filho do rico está no ensino on-line, o do pobre fica mais um ano para trás. Isso impacta na formação cívica do indivíduo e reverbera na visão de seu papel como eleitor. Temos de retomar um projeto de educação que o Brasil perdeu. O mundo não vai ficar nos esperando.

Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740

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