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Edson Fachin: o caso da suspeição de Moro não acabou

O ministro do STF diz que é possível uma reviravolta no julgamento e defende o legado anticorrupção da Lava-Jato — mas admite que ela cometeu equívocos

Apresentado por 9 abr 2021, 06h00

Depois de criar uma enorme polêmica com a decisão que livrou Lula das condenações por corrupção, ao considerar que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência para julgá-lo, Edson Fachin, o responsável pelos casos da Lava-Jato na Suprema Corte, virou alvo de ameaças e passou a andar com segurança reforçada. Além da lamentável reação de alguns radicais, seu ato gerou também uma pororoca política de proporções gigantescas, com a volta ao palanque do ex-presidente petista e com uma repercussão direta no julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Na ocasião, a maioria dos ministros da Segunda Turma do STF votou a favor da suspeição de Moro no processo do tríplex do Guarujá, resultado computado como uma derrota ao movimento de Fachin. Na visão dos colegas, Fachin atuou para evitar que o ex-juiz acabasse no banco dos réus, o que ele nega. Embora admita alguns excessos da Lava-Jato, o ministro continua um defensor do seu legado e ainda acha possível uma reviravolta na Corte que resgate a desgastada imagem de Moro no episódio. Na entrevista a seguir, concedida por videoconferência, ele fala sobre esta e outras questões atuais do STF.

No próximo dia 14, o STF pode abrir caminho para invalidar a decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição de Sergio Moro? Não seria inusual o plenário derrubar o entendimento da turma. Portanto, no dia 14, os onze ministros vão decidir se o fato de o relator ter declarado a incompetência de Moro para julgar Lula em Curitiba invalida toda e qualquer deliberação que tenha sido tomada depois pela turma. Nada disso é muito incomum. O tribunal com sua composição máxima vai decidir se houve perda de objeto ou não. Se decidir que houve, a suspeição de Moro fica sem efeito.

Por que o senhor decidiu anular a competência de Moro nos processos de Lula? Desde que os recursos contra a Lava-Jato chegaram, a maioria dos ministros no Supremo foi reduzindo a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Não poderia ser um juízo universal. Deveria focar em Petrobras. Foi assim que os casos envolvendo o Consórcio de Abreu e Lima e da Transpetro acabaram saindo de Curitiba e foram para Pernambuco e Brasília. Em ambos os casos, fiquei vencido na Segunda Turma, porque entendia que o desmembramento poderia trazer prejuízos à investigação. Mas não posso contrariar para sempre o tribunal. Por isso, anulei agora os processos do ex-presidente Lula. Compreendo que a decisão tenha causado surpresa aos que não acompanharam o lento esvaziamento de Curitiba, mas não é a chuva de um dia que rompe a represa.

Fez sentido tomar essa decisão, depois de tanto tempo? Ao longo desses anos, consolidou-se uma relatoria mais restrita da Lava-Jato no Supremo. Eu já tive mais de 120 inquéritos no meu gabinete que foram redistribuídos a outros ministros na Corte. O que aconteceu comigo aconteceu com a 13ª Vara Federal de Curitiba, mas, no próximo dia 14 de abril, o colegiado dirá se prevalece a minha posição ou a da Procuradoria-Geral da República, que defende a competência universal da Lava-Jato para julgar os casos investigados.

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Sua decisão foi uma forma de proteger a reputação do ex-juiz Sergio Moro? Os processos são distintos. A decisão que proferi limitou-se a garantir ao ex-presidente o mesmo tratamento dado pela maioria dos ministros a outros acusados em situação análoga.

“Não posso contrariar para sempre o tribunal. Por isso, anulei os processos de Lula. Compreendo que a decisão tenha causado surpresa, mas não é a chuva de um dia que rompe a represa”

Se Moro era incompetente para julgar Lula, é coerente declará-lo suspeito no caso? É por isso que tomei a decisão de declarar a perda do objeto da ação da suspeição. Para ser declarado suspeito, o juiz primeiro precisa ser o titular do caso. É uma relação de causa e consequência, mas o tribunal vai deliberar sobre isso.

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Que avaliação o senhor faz da Lava-­Jato? A operação ainda é responsável pelos grandes avanços no combate à corrupção no Brasil. Os números de colaborações premiadas, denúncias oferecidas, condenações e, principalmente, os valores bilionários recuperados demonstram essa importância. Sem nenhuma dúvida, os resultados da Lava-Jato no combate à corrupção são muito maiores do que eventuais falhas ou excessos na condução da operação.

O que fazer com os excessos da operação? Eventuais erros não devem ser varridos para debaixo do tapete. Há equívocos, certamente. Tudo deve ser visto e apurado. Nenhuma conduta é imune à crítica e ao escrutínio. Caso verificados a existência de falhas ou excessos, estes devem ser corrigidos tendo como parâmetros a própria Constituição da República, os princípios da legalidade, da ampla defesa e do contraditório. É preciso ter a consciência de que dentro de um estado democrático de Direito não se tem lugar para atalhos, atitudes heterodoxas ou seletividades.

Durante o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro pela Segunda Turma, foram usadas mensagens apreendidas na Operação Spoofing — que ainda não foram reconhecidas como prova. Como o senhor enxerga as relações claramente promíscuas entre procuradores e juízes espelhadas naqueles diálogos? Considero inadmissível utilizar as mensagens para fundamentar, seja direta ou indiretamente, a conclusão da suspeição do magistrado na forma como foi realizada, isto é, diretamente no STF e em um processo que não admite instrução probatória. Não desconheço a gravidade dos diálogos e reconheço que a ampla divulgação do seu conteúdo e o conhecimento público que se deu a ele exigirão um pronunciamento do Judiciário. Afinal, o que os diálogos estão a revelar é um grave problema ético. Os contatos das partes diretamente com os juízes deveriam ser, como regra, proibidos.

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Depois da decisão sobre o ex-presidente Lula, o senhor teve de reforçar a própria segurança e de sua família. Como avalia tudo isso? Prefiro a solidariedade dos colegas às ameaças. Em momentos conturbados, a serenidade é a melhor resposta.

Outra questão que coloca hoje o STF no centro de polêmicas é a postura do presidente Jair Bolsonaro, que reclama da interferência da Suprema Corte na atuação dele na pandemia. A crítica é justa? A crise chegou às portas do Judiciário. O STF não age de ofício e tem sido provocado. Na pandemia, o país peca em sua missão urgente de salvar vidas (veja reportagem na pág. 32). Esta crise agravou a desigualdade e tem efeitos perversos para as pessoas mais pobres. A guarda da Constituição compreende proteger camadas expressivas de população vulnerável.

O uso da Lei de Segurança Nacional contra atos antidemocráticos e, agora, pelo governo contra críticos do presidente também rende muitas controvérsias. O senhor engrossa a corrente daqueles que pedem uma revisão dessa lei? A legislação deve proteger as instituições sem proibir a liberdade de expressão. Não se pode punir delitos de opinião e calar a voz da oposição. A democracia é canteiro de obras. Não há silêncios, há sons, ruídos. O importante é que o canteiro edifique algo que fique em pé. Todos que estamos em algumas posições prestamos contas.

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O que difere, por exemplo, os críticos do presidente Jair Bolsonaro do deputado Daniel Silveira, preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes? Não se pode proteger quem ameaça com dano as instituições ou seus representantes. Apologia à ditadura e elogio à tortura são incompatíveis com democracia. Pregar o caos, a ruína das instituições, é uma forma de emergir uma autoridade central, cujo poder estaria legitimado pela força. Isso tem um nome: ditadura.

O Brasil vive uma onda obscurantista, com ataques à ciência e à democracia. Há risco de retrocesso? Há autoritários espectros insepultos que desde 1988 rondam a democracia brasileira. O Brasil retrocedeu na proteção dos direitos humanos, do meio ambiente e dos mais vulneráveis, falhando a olhos vistos. Tome-se como exemplo a tarefa de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Há, a rigor, no Brasil de hoje a lamentável normalização dos delitos contra o patrimônio público, da seletividade punitiva, de desrespeito a direitos fundamentais previstos na Constituição, à plena liberdade de imprensa. Da negação da ciência à pregação da violência pública e privada, ao predomínio das notícias falsas e à criação de factoides para uma proposital desordem.

O senhor enxerga alguma ameaça militar no horizonte? O poder militar, nas democracias, deve ser sempre vinculado ao poder civil. Liberais e conservadores, durante toda a história da República, se aliaram à farda para tomar o poder. Espera-se que essa parte da história não se repita. Infelizmente, a generosa porta pela qual entrou a Constituição corre o risco de ser travada. Precisamos sair da crise sem sair da democracia.

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“Pregar o caos, elogiar a tortura, a ruína das instituições, é uma forma de emergir uma autoridade central, cujo poder estaria legitimado pela força. Isso tem um nome: ditadura”

Qual o sentimento que o ministro do Supremo nutre em relação ao presidente que o indicou? O juiz deve reconhecer seu percurso com gratidão e respeito. Tive a honra de ser indicado ao Supremo pela presidente Dilma. Gratidão e respeito são por mim nutridos como percepções que não são nem podem ser formatadas como contraprestação, muito menos qualquer limite à independência e à imparcialidade. O direito não é mero instrumento de poder. O juiz do STF não veste a toga como quem se encapsula na epiderme de quem o indica.

Como vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, como o senhor avalia as frequentes declarações do presidente sobre fraude na urna eletrônica? Declarações dessa natureza compõem um quadro amplo de erosão deliberada das instituições. Seu objetivo é espalhar a desconfiança das instituições para que o poder seja personificado e a justificação do insucesso já esteja à mão no momento da eventual derrota política. Isso só beneficia aqueles que não suportam as regras do jogo democrático.

É um jogo de cena? As alegações sobre fraudes nas urnas nunca vieram acompanhadas de provas capazes de desacreditar o bom funcionamento da urna eletrônica. Essa narrativa é alimentada por fake news, cujas inverdades já foram repetidamente demonstradas pelo TSE. Tenho a convicção de que, no íntimo de suas crenças, acreditam na lisura do processo eleitoral, afinal todos os espectros políticos deste país já alcançaram o poder por meio da urna eletrônica, de modo que os ataques têm o único propósito de provocar desestabilização institucional.

Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733

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