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Augusto Aras: “Não vejo nenhum risco ou tentativa de golpe”

Procurador-geral diz que as críticas de Bolsonaro às urnas são protegidas por liberdade de expressão e acusa oposição de usar Justiça para fazer política

Apresentado por Atualizado em 19 ago 2022, 12h52 - Publicado em 19 ago 2022, 06h00

Prestes a iniciar, em setembro, o seu quarto e último ano à frente da Procuradoria-Geral da República, Augusto Aras refuta as críticas de que seja aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), contra quem destaca ter aberto oito investigações no Supremo Tribunal Federal. Apesar disso, é categórico ao afirmar que o chefe do Executivo não comete crimes ao disparar suspeitas infundadas sobre as urnas eletrônicas às vésperas do processo eleitoral ou ao desestimular a vacinação contra a Covid-19 durante a pandemia. “Na retórica política, ressalvada a honra alheia, cabe tudo”, diz o procurador-geral, que também afirma não ver nenhum risco de o país enfrentar um golpe institucional. Em entrevista concedida a VEJA em seu gabinete em Brasília pouco antes do início da campanha eleitoral, ele falou também sobre os desafios de um país polarizado politicamente e pediu ao novo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que atue para garantir a paz social durante o pleito.

Setores importantes da sociedade esperam que o Ministério Público faça uma defesa mais enfática das urnas. Por que a PGR não se engaja nisso? O MP não é governo nem oposição. A atividade de defesa do estado democrático de direito no plano da retórica política compete ao Parlamento e aos chefes de Executivo, que são eleitos pelo povo. Quando este procurador-geral fez manifestações, o fez porque foi indagado pela imprensa, mas não competiria ao PGR fazer proselitismo a favor ou contra, e sim se manifestar nos autos. Dessa forma nos manifestamos, sim, a favor do sistema eleitoral. Não fizemos abaixo-assi­nado, até porque não é dado ao MP ou à magistratura fazer isso.

O presidente se reuniu com embaixadores e lançou suspeitas sobre as urnas eletrônicas. Por que isso não ensejou uma medida do MP? Por não haver nenhum vício. Quem representa o Estado nas relações internacionais é o chefe do Executivo federal. Atos praticados no exercício da potestade são insindicáveis (não podem sofrer sindicância). Essa é a regra geral.

Mesmo quando atentam contra o sistema eleitoral? No constitucionalismo americano ou brasileiro, a liberdade de expressão é o primeiro dos princípios. A mesma liberdade de expressão que têm outras autoridades também tem o presidente da República.

Que papel o MP terá nestas eleições? No ano passado, todo o MP trabalhou no intuito de acompanhar, manter o monitoramento, o controle e a fiscalização de movimentos políticos, partidários ou não, que pudessem gerar violência. Ao final do 7 de Setembro, tivemos uma grande festa cívica, evidentemente com alguns eventos mais ligados a uma forte retórica política de lados distintos, mas não tivemos violência. Neste ano, nós já iniciamos os trabalhos no que toca ao acompanhamento de movimentos sociais para manter a ordem.

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“Não faltou vacina. O Brasil foi um dos países que mais vacinaram. Uma coisa são os atos do governo. Outra coisa é a retórica do discurso ‘não gosto de vacina e não vou me vacinar’ ”

Os questionamentos do Ministério da Defesa sobre as urnas são pertinentes ou preocupam o MP? O regime democrático é a única ideologia do Estado brasileiro. Quem de fato e de direito dirige todo o processo eleitoral é o Tribunal Superior Eleitoral, mas nada impede que esse TSE, que sempre contou com o apoio das Forças Armadas, também admita que elas possam ajudar o tribunal nesse processo de proteção, controle e fiscalização. Sempre sob os auspícios do TSE.

Em caso de haver incompatibilidade entre o TSE e as Forças Armadas, o que prevalece? O que o tribunal estabelecer. Evidentemente que a Constituição ampara todas essas instituições do Estado, e é a Constituição que deve orientar a atuação delas.

O que espera da gestão de Alexandre de Moraes no TSE? Que o ministro preserve a lisura das eleições, mas também a paz e a harmonia sociais em um ambiente caracterizado pela polarização.

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Quais desafios a Justiça Eleitoral enfrentará? Toda eleição envolve uma batalha e uma festa. Uma batalha, porque existem forças antagônicas que disputam com um ânimo mais acirrado que o normal, e uma festa porque a democracia se faz entre os contrários. A democracia se realiza exatamente no final da eleição, com o resultado, por maioria, que legitimará o vitorioso a governar. É muito importante lembrar as lições clássicas de Mirabeau (França, 1749-1791), de que os processos eleitorais majoritários que se realizam em dois turnos buscam maior legitimidade. Governantes eleitos em dois turnos tendem a ter maior legitimidade e governabilidade.

O senhor está dizendo que é importante que haja dois turnos na eleição para presidente? Essa é uma resposta que só o eleitorado poderá dar. Quando há polarização como a que estamos vivendo, um segundo turno reforçaria a legitimidade material do eleito, porque teria passado por dois grandes escrutínios.

Como avalia a atuação das Cortes superiores em defesa do sistema eleitoral? No plano do TSE e do STF, os processos eleitorais estão sendo julgados dentro da normalidade.

E no campo do discurso dos magistrados? O grande desafio que temos é que, quanto maior a polarização, maior a necessidade de distinguir retórica política de discurso jurídico. Na retórica política cabe muita coisa. Eu diria que, ressalvada a honra alheia, cabe tudo. No discurso jurídico, somente os bens juridicamente protegidos podem ser objeto de intervenção judicial. Em um estádio de futebol, se alguém xinga o árbitro da arquibancada, não é processado. Mas, se chegar no árbitro e, olho no olho, xingar a mãe dele, isso pode levar a um crime contra a honra. A liberdade de expressão não é absoluta, mas só deve ser coibida em circunstâncias que exprimam discurso de ódio, ofensa à honra alheia, atentados à segurança do Estado brasileiro. São poucas as possibilidades. Não fosse isso, a arte e o humor estariam comprometidos. A ideia do politicamente correto atenta contra a liberdade de expressão, contra a liberdade da opinião, porque o ser humano se manifesta na comunicação.

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A oposição pediu para que o senhor obrigue o presidente a se abster de fazer discursos de ódio. Que encaminhamento o senhor vai dar? Primeiro é preciso saber se o discurso de ódio infringe alguma norma, se é individualizável. De novo, xingar a mãe do árbitro é algo abstrato. O que não se pode admitir é que instituições do sistema de Justiça como a magistratura e o MP ajam ou reajam com a mesma retórica política. A liturgia das magistraturas impõe que as manifestações se façam nos autos.

O que o senhor diz com essa metáfora do futebol é que o presidente pode dizer “vamos fuzilar a petralhada”, mas não pode dizer “fuzilem o Lula”? Exatamente. Não se pode individualizar. Evidentemente que é uma linguagem de retórica política.

USP, Fiesp e entidades importantes fizeram manifestos em defesa da democracia. O senhor vê algum risco? Não vejo nenhuma tentativa de golpe. Ao contrário, vejo as instituições funcionando. E tanto é verdade que, no ano passado, não obstante toda a retórica política, a festa cívica do 7 de Setembro ocorreu sem violência.

Alguns parlamentares pediram ao Senado o impeachment do senhor sob a alegação de crime de responsabilidade. Isso preocupa? Primeiro, crime de responsabilidade é mera infração política. Segundo, o senador que faz essa representação (Randolfe Rodrigues, da Rede-AP) vem desde sempre atacando a Procuradoria sem razão aparente, porque os senadores votaram neste procurador-geral por 86% dos seus quadros. Se um senador se acha mais inteligente que seus pares, é motivo de compreensão de que está atrás de votos, juntamente com parlamentares de um partido de esquerda (o PSOL) que tem entre seus quadros as pessoas que me agrediram com palavras de baixo calão em uma rua vazia de Paris e que estão denunciadas pelo MP. Vejo esse pedido de impeachment como uma retaliação desse partido em defesa de seus filiados e do senador como uma tentativa de obter votos.

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“Não vejo nenhum risco ou tentativa de golpe. Ao contrário, vejo as instituições funcionando. E tanto é verdade que a festa cívica do último 7 de Setembro ocorreu sem violência”

Não houve crime na atuação do presidente durante a pandemia? Ao mesmo tempo que a retórica política do presidente começou com a questão dos medicamentos e depois foi contra a vacinação, não faltou vacina. O Brasil ostenta a condição de um dos países que mais vacinaram. Então, uma coisa são os atos de governo no que toca às medidas de saúde necessárias. Outra é o discurso “eu não gosto de vacina e não vou me vacinar”. Essa é uma questão de retórica política.

A CPI diz que houve atraso na aquisição de vacinas. Já foi identificado que não houve atraso algum, foram quinze dias, por questões de logística e transporte. Já foi investigada e arquivada essa parte. Politicamente, quem julgará se houve inocente ou culpado serão os eleitores, em outubro.

Um delegado da PF pediu ao STF a apreensão do celular do senhor por causa de uma reunião com o advogado do ministro Paulo Guedes para evitar o depoimento dele em um inquérito. O senhor atendeu o advogado? A Lei de Abuso de Autoridade deixa claro que é crime violar direitos ou prerrogativas dos advogados. Portanto, delegados, membros do MP e juízes que não receberem advogados de defesa estarão incorrendo em ilegalidade, com pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. Sinceramente, é lastimável ver a barafunda e o erro grosseiro revelador da má-fé que criaram em torno de algo que bastava consultar a legislação. A propósito, foi assim como decidiu o eminente ministro Luís Roberto Barroso.

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A vice-procuradora-geral Lindôra Araújo apontou desrespeito ao sistema acusatório por Moraes na investigação de vazamento de dados da PF pelo presidente. O senhor concorda? O caso provavelmente irá ao plenário do Supremo. O que posso dizer é que o sistema acusatório, em que investigador, acusador e julgador não podem se confundir, não é só uma cláusula pétrea, mas tem garantia de tratados e convenções internacionais. Se houver essa confusão, alguém que tenha sofrido prejuízo, além do MP, poderá reclamar às cortes internacionais, como aconteceu com o ex-presidente Lula.

Bolsonaro poderá fazer o mesmo? Em tese, sim. Mas espero que o Supremo venha a julgar o caso como deve e não tenhamos que buscar solução fora da jurisdição constitucional do país.

Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803

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