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Por que o movimento antivacina está errado

Os casos de sarampo nos EUA chamam atenção para os direitos dos grupos antivacinação — mas uma escolha pessoal não pode virar um problema de saúde pública

Por Adriana Dias Lopes e Carolina Melo
13 fev 2015, 00h00

Até a vacina contra o sarampo começar a ser usada, em 1963, a doença era uma das principais causas de mortalidade infantil. Com o aperfeiçoamento e a popularização das imunizações, ela foi controlada na maioria dos países. Nos Estados Unidos, a boa notícia foi anunciada em 2000. Em dezembro do ano passado, no entanto, o sarampo ressurgiu, com 94 casos registrados na Disneylândia, na Califórnia. Até agora, no total, 121 pessoas foram identificadas com o vírus, em dezoito estados americanos. A origem do surto está associada ao crescente espaço conquistado por grupos adeptos do movimento antivacina, avessos à imunização. Dizer “não” é um direito individual, inalienável, mas, quando ele afeta a saúde pública, não há como fugir da constatação de retrocesso, na contramão dos avanços da medicina. É a quebra de um contrato social que, nas últimas décadas, salvou milhões de vidas e não pode ser rompido com alegações muito frágeis.

As justificativas para não imunizar as crianças contra o sarampo são variadas. Alguns pais argumentam que o sistema imunológico consegue naturalmente se livrar dos agentes patológicos. Outros recorrem à tese do gastroenterologista inglês Andrew Wakefield. Em 1998, ele publicou um artigo na prestigiosa revista científica Lancet que associava a vacina tríplice (contra a caxumba, a rubéola e o sarampo) a um risco aumentado de autismo. Em 2010, acusado de fraudador, antiético e desonesto, perdeu o registro no Conselho Geral de Medicina da Inglaterra. Virou um pária, embora os fanáticos pela antivacinação o tenham transformado em bode expiatório. A Lancet teve de pedir desculpas, mas o estrago estava feito.

Há hoje cerca de 80 000 casos de sarampo no mundo, parte dos quais na Europa, principalmente na Inglaterra, na França e na Itália, onde a onda antivacina é forte, mais sólida que nos Estados Unidos. A outra parte dos casos ocorre em países pobres da África e da Ásia. Vivessem neles, certamente os inimigos da vacinação (contra o sarampo, mas também contra outras doenças) não levantariam suas bandeiras. Vivessem em outro tempo, também ficariam calados.

A imunização contra o sarampo, só ela, salva meio milhão de crianças a cada ano. Somadas, as cerca de trinta vacinas atualmente em uso livram da morte 3 milhões de pessoas no mundo e evitam que 10 milhões sofram as sequelas das mais variadas afecções. A vacinação de uma criança não protege apenas a vida dela, mas também a de todos ao seu redor. Um programa de imunização, em geral, pode ser considerado um sucesso quando pelo menos 95% da população é vacinada. Os 5% restantes são protegidos pelo que se chama, no jargão médico, de “imunidade de rebanho”, como uma muralha de proteção. No Brasil, mais de 90% das crianças estão vacinadas contra o sarampo. A imunização é feita com uma única vacina, a tríplice viral, no primeiro ano de vida, com reforço aos 15 anos.

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A grita contra as vacinas, sob a alegação da livre expressão de uma vontade, perde força quando comparada a uma discussão semelhante nos anos 60. Os fumantes acendiam um cigarro sem se preocupar com as pessoas ao lado porque estariam fazendo mal apenas a si mesmos, e ponto. Quando estudos minuciosos comprovaram os danos da “fumaça passiva” à saúde, xe­que-­­mate. Fumar hoje é de mau gosto, além de crime em locais, cada vez mais numerosos, em que impera a draconiana proibição.

A oposição aos evidentes benefícios das vacinas é uma atitude que soa extemporânea, inaceitável. Parece coisa do início do século passado. Remete à Revolta da Vacina de 1904, contra a decisão do sanitarista Oswaldo Cruz de tornar obrigatório o controle da varíola, que previa inclusive a invasão de casas e a remoção das pessoas pelos agentes de saúde. Durante um mês, o Rio de Janeiro viveu em estado de guerra civil. Acuado, o então presidente Rodrigues Alves revogou a lei da vacinação obrigatória. Isso foi compreensível, dadas as circunstâncias. No século XX, seria absurdo. Atualmente a varíola é a única doença infectocontagiosa declarada erradicada pela Organização Mundial da Saúde.

Como todos os medicamentos, as vacinas oferecem reações adversas, e seria desonesto escondê-las. A do sarampo, por exemplo, causa em até 3% dos pacientes o chamado “sarampinho”, uma forma atenuada da doença, sem nenhuma ameaça à saúde. Entre os sintomas, estão febre baixa e manchas na pele. Não há comparação com o sarampo em si. Doença devastadora, ela aniquila o sistema imunológico e pode levar à morte por pneumonia e encefalite. Diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo: “O risco de contaminação é sempre muito maior do que qualquer efeito adverso que a imunização possa provocar. É uma constatação que vale para qualquer vacina”.

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A vacinação, e não apenas contra o sarampo, é obrigatória no Brasil. As escolas pedem a carteira de vacinas dos alunos. O Bolsa Família só é concedido às famílias cujas crianças estão com a vacinação em dia.

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