Polícia turca faz operação contra imprensa opositora
Redações de jornais e emissoras de TV ligadas a adversário político do presidente Erdogan foram alvo de operação que teve mais de vinte detidos
(Atualizada às 19h06)
A polícia turca invadiu redações de jornais e emissoras de TV neste domingo e prendeu mais de vinte pessoas, incluindo executivos, produtores, roteiristas e um chefe de polícia. Os veículos alvo da ação são ligados ao clérigo Fetullah Gülen, desafeto político do presidente Recep Tayyip Erdogan, que vive exilado nos Estados Unidos. Os detidos são acusados de formar uma organização ilegal e tentar tomar o controle do Estado. Ao todo, a polícia antiterrorista agiu em treze cidades, prendendo ao todo 24 pessoas.
Em comunicado, a União Europeia condenou a ação policial, ressaltando que ela vai “contra os valores europeus”. “As batidas policiais e prisões de vários jornalistas e representantes da imprensa na Turquia são incompatíveis com a liberdade dos meios de comunicação, que é um princípio essencial da democracia”, afirmou o texto assinado pelo chefe de política externa da UE, Federica Mogherini, e pelo comissário responsável pela ampliação do bloco, Johannes Hahn. A declaração lembra ainda que qualquer movimento para se tornar membro da UE depende do “respeito total pelos direitos fundamentais”.
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As prisões ocorrem dias depois de Erdogan reforçar a campanha contra os apoiadores de Gülen no país. Na sexta-feira, o presidente afirmou que buscaria os apoiadores de seu adversário “em seus covis”. A ação também é realizada um ano depois de um escândalo de corrupção atingir Erdogan e resultar na renúncia de quatro ministros. Então primeiro-ministro, Erdogan afirmou que as denúncias eram um plano orquestrado por seguidores do clérigo para tirá-lo do poder – argumento que volta à tona com a perseguição à imprensa.
A polícia fez uma primeira tentativa de entrar no prédio do jornal Zaman, um dos maiores do país, mas uma multidão de manifestantes obrigou os policiais a recuarem antes que qualquer pessoa fosse detida, informou a rede britânica BBC. O editor-chefe da publicação, Ekrem Dumanli, publicou em sua página no Twitter uma foto em que aparece em sua mesa de trabalho, junto com a frase: “Os policiais recuaram devido à reação democrática dos meus amigos. Estou em meu lugar e esperando”.
Mais tarde, os policiais voltaram ao local e conseguiram levar o editor, que deixou a redação sob gritos de funcionários e apoiadores lembrando que “a imprensa livre não pode ser silenciada”.
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Em cenas divulgadas ao vivo por canais de TV do país, o editor apareceu sorrindo ao verificar a documentação apresentada, que se referia a uma acusação de “formação de quadrilha para tomar a soberania do Estado”. “Deixem aqueles que cometeram crimes ficarem com medo”, disse Dumanli conforme a polícia o levava com dificuldade pela multidão até um carro. “Não estamos com medo”, acrescentou.
Em Istambul, o presidente da emissora Samanyolu TV, Hidayet Karaca, também foi preso, mas antes de ser levado disse a jornalistas que a operação policial é “um espetáculo vergonhoso para a Turquia”. “Infelizmente, na Turquia do século 21, este é o tratamento dado a um grupo de imprensa com dezenas de estações de rádio e televisão, mídia de internet e revistas.”
A perseguição a opositores faz parte do plano de Erdogan para se eternizar no poder. Ele assumiu o comando do país em 2002 e, desde então, passou a dar força cada vez maior aos religiosos islâmicos, ferindo a característica mais admirada da Turquia, que foi a separação entre a Igreja e o Estado.
(Com agências Reuters e France-Presse)