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As duas Colômbias

Ex-ministro das Finanças do Chile compara a Colômbia do crescimento econômico acelerado com o país em guerra com grupos como as Farc

Por Andrés Velasco*
6 dez 2014, 08h40

Em Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia, você pode ouvir uma palestra impressionante da prefeitura sobre parques industriais emergentes e novas empresas de tecnologia. Então, uma olhada no seu smartphone revela que guerrilhas sequestraram um general do Exército, e que as negociações para acabar com a guerra civil de décadas com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o grupo guerrilheiro mais antigo da América Latina, estão paralisadas.

A Colômbia é o único país da América Latina onde você pode participar de seminários em universidades de primeira classe, aprender sobre a proliferação de multinacionais e conversar com formuladores de políticas públicas altamente competentes, tudo isso sabendo que os cidadãos estão se enfrentando com machetes e bazucas a apenas alguns quilômetros de distância. Neste sentido, a Colômbia é dois países, e eles têm estado em guerra um contra o outro por tempo demais.

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De um lado, existe a Colômbia do crescimento econômico acelerado, investimento estrangeiro crescente, cidades remodeladas e políticas sociais inovadoras. De outro, está a Colômbia do Coronel Aureliano Buendía, o personagem de Gabriel García Márquez que iniciou dezessete guerras civis – e perdeu todas elas.

A má notícia é que a luta entre as duas Colômbias teve um altíssimo custo de vidas humanas, com muitos cidadãos sofrendo com a pobreza, a guerra e a violação dos direitos humanos durante boa parte, se não durante todas as suas vidas. A boa notícia é que a Colômbia moderna, o país da paz e do progresso, está vencendo.

Os frutos dessa vitória podem ser vistos em lugares como Medellín, que, há apenas 20 anos, eram sinônimos de cartéis de drogas e violência. Hoje, prefeitos e planejadores urbanos de todo o mundo, ansiosos para aprender sobre renovação urbana, vão para Medellín, que ostenta bibliotecas públicas que levam cultura às favelas nas encostas e bondes reluzentes que transportam seus residentes na ida e volta do trabalho todos os dias. É difícil pensar em uma cidade que tenha passado por uma transformação tão dramática quanto Medellín nos últimos anos (embora Dubai e Xangai estejam na disputa).

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O país como um todo também experimentou progresso econômico significativo. Desde a crise financeira de 2008, a Colômbia, ao lado do Peru, tem sido o país sul-americano de melhor desempenho econômico. À medida que o crescimento desacelera na região, devido à queda dos preços das commodities e ao fim do programa de estímulos nos Estados Unidos, a economia da Colômbia está acelerando. O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que o crescimento alcance um respeitável índice de 4,8% este ano e 4,5% em 2015.

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Evidentemente, a queda acentuada no preço do petróleo em nível mundial é ruim para a Colômbia, que nos últimos anos se tornou uma grande produtora de hidrocarbonetos. Mas regras orçamentais rígidas, similares às do Chile, mantêm estáveis as políticas fiscais. E o governo indicou que, se surgir a necessidade, está preparado para aumentar impostos para atingir seu objetivo de reduzir gradualmente a dívida pública e melhorar serviços públicos. A comunidade empresarial, apesar de uma relutância inicial, parece disposta a acompanhá-lo.

A Colômbia ainda é uma sociedade altamente desigual, com um índice de Gini, uma medida comum de desigualdade, por volta dos 0,5 – na mesma faixa do Brasil e do Chile. O problema tem muitas causas, uma das quais o mercado de trabalho deficiente, que força muitos colombianos a aceitarem trabalhos informais, ou não ter trabalho algum.

Mas o governo não se esquiva em falar sobre redistribuição. De fato, já iniciou transferências (tais como aumento de pensão para aposentados pobres), e as suas políticas contribuíram para cinco anos consecutivos de queda do desemprego.

Como observou o ministro das Finanças, Mauricio Cárdena, em um discurso espirituoso para uma convenção bancária em Medellín, na semana passada, embora a administração do presidente Juan Manuel Santos esteja historicamente enraizada nas forças políticas de centro-direita do país, a sua prudência fiscal e política social ativista a qualificam como partidária da “terceira via” social-democrática.

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Nos próximos anos, dois fatores podem impulsionar o desenvolvimento contínuo da Colômbia. Um é a Aliança do Pacífico, que também inclui México, Peru e Chile. As empresas aprendem a exportar novos produtos vendendo-os em mercados regionais. Mas, na América do Sul, a retórica da integração de mercado tem sido seguidamente sufocada pela dura realidade do protecionismo. Felizmente, com a consolidação de um bloco de livre mercado entre os países da Bacia do Pacífico – responsáveis por 37% do PIB da América Latina, com uma população de 215 milhões de pessoas – isto está mudando.

O segundo fator – que ainda está por vir – é a paz, na forma de um cessar definitivo das hostilidades com as FARC. Esta não é a primeira vez em que as negociações foram suspensas, e pode não ser a última. Mas nunca antes elas progrediram tanto, alcançando acordos substanciais em diversas áreas.

Nada é mais importante do que construir uma Colômbia onde os cidadãos não temam mais se verem em meio a uma saraivada de balas ou serem arrastados de suas casas no meio da noite. Ao mesmo tempo, não se pode subestimar o dividendo econômico da paz, que os economistas de Bogotá estimaram que pode impulsionar o crescimento do PIB em um ponto percentual a cada ano por uma década ou mais.

Há um quarto de século, uma Colômbia segura e próspera parecia impossível. No entanto, agora ela está ao alcance. Em um tempo de intensificação dos conflitos políticos e pouquíssimas histórias de sucesso, os colombianos dão ao mundo uma razão para ter esperança.

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* Andrés Velasco, ex-ministro das Finanças do Chile, é professor de Práticas Profissionais em Desenvolvimento Internacional na Universidade de Columbia

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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