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Reduzir crise no Egito a disputa entre dois lados é equívoco, diz cineasta

Documentarista Hanan Abdalla ressalta que há muitos egípcios que não estão nem do lado dos militares nem do lado da Irmandade Muçulmana

Por Edoardo Ghirotto
8 set 2013, 11h01

O embate histórico entre fanáticos da Irmandade Muçulmana e militares linha-dura no Egito teve um episódio de selvageria em meados de agosto, quando centenas de simpatizantes do grupo fundamentalista foram mortos na operação das forças policiais para esvaziar acampamentos de manifestantes em praças do Cairo. Os dois lados travam uma queda de braço desde o golpe orquestrado pelo Exército que tirou Mohamed Mursi do poder, no início de julho. Mas avaliar a situação no país considerando apenas esse duelo é um erro na opinião da cineasta Hanan Abdalla, de 25 anos. “É muito importante entender que a situação do Egito não é o caso de “mocinho” e “vilão”, ou “vítima” e “opressor”. Tanto a Irmandade quanto o Exército têm sangue nas mãos”, diz. “A situação é enormemente complexa e simplificá-la como algo binário é tomar um caminho perigoso”.

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Nascida na Inglaterra, ela está morando no Egito desde 2011, ano em que a população foi às ruas contra o ditador Hosni Mubarak. Desde então, ela tem documentado as transformações no país e salienta que há muitos egípcios que são contra os dois lados que têm dominado as atenções na atual crise. Essas pessoas, ela conta, têm buscado maneiras de se comunicar – principalmente pelas redes sociais – e ir além do que ela classificou de “silêncio da polarização”. “Isso deu a todos nós uma grande esperança de que podemos encontrar um lugar para seguir adiante, para dar voz às nossas opiniões, aos nossos temores, às nossas dúvidas nesse momento extremamente complexo, e onde não precisamos escolher entre dois lados que não nos representam: nem o fascismo mascarado de religião nem o estado de Mubarak mascarado de nacionalismo”.

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O ditador, que comandou o Egito ao longo de três décadas, renunciou em fevereiro de 2011, em meio a enormes protestos que tomaram as ruas do país. Em seu lugar ficou uma junta militar, que foi sucedida pelo governo de Mursi, membro da Irmandade Muçulmana eleito em junho de 2012. A deposição de Mursi também ocorreu depois que multidões saíram às ruas para protestar contra a traição daqueles nos quais depositaram sua confiança por meio das urnas. “O governo Mursi falhou em todas as frentes: economicamente, politicamente, socialmente e nos direitos humanos. Em qualquer outra situação, ele deveria ter sido impichado”.

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A cineasta egípcia Hanan Abdalla
A cineasta egípcia Hanan Abdalla (VEJA)

Hanan lembrou que o membro da Irmandade foi deposto seguindo um grande desejo da população. “Sim, os militares foram oportunistas no que fizeram a seguir e sim, o povo foi igualmente oportunista ao permitir que o fizessem. O problema foi que as pessoas não viram alternativa viável ou instituição capaz de tirá-lo do poder”.

O povo egípcio é quem realmente tem promovido as grandes mudanças no país, destaca Hanan, ressaltando a necessidade de “manter as cartas nas mãos para não se tornar fantoches na briga pelo poder”.

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Mesmo com o cenário apontando um futuro sombrio, e os constantes embates nas ruas, ela adota uma postura otimista. “Temos de lutar pelo que acreditamos desde o início. As demandas da revolução eram “pão, liberdade, justiça social e dignidade”. Nós podemos e vamos nos manter firmes para conquistá-las”, diz. “As pessoas precisam acreditar que não importa quem está no poder desde que as estruturas do estado possam proteger os direitos dos cidadãos”.

Pelo menos por enquanto, esse anseio por estabilidade se mostra distante da realidade. Além dos constantes episódios de violência, ainda há a instabilidade institucional: a Constituição foi suspensa no dia do golpe. “A Constituição ainda será reescrita. O regime ainda não caiu, e ainda não mudou. A luta não acabou e só acabará quando perdermos a fé em nossa capacidade de mudar esta situação”.

Mulheres – Hanan esteve no Brasil para apresentar o filme À Sombra de um Homem, na 8ª Mostra de Cinema Árabe. O filme conta a história de quatro mulheres de diferentes gerações em busca de autodeterminação. “Para mim, feminismo significa acreditar em igualdade entre homens e mulheres. Eu acredito que há muitos atos de resistência que ocorrem em todo o Egito, seja nas escolhas, nas residências ou nas ruas, onde as mulheres estão lutando por seus direitos”.

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Ela usa como exemplo as histórias das mulheres retratadas em seu filme, Wafaa, que desafiou a decisão da família e se separou do marido; Shahinda, que fugiu para se casar com o homem que amava em vez do escolhido por sua mãe; Badreya, que encontrou uma forma de manter a família unida, mesmo sendo desvalorizada pelo marido, ou Suzanne, que enfrentou os familiares em relação a um tema delicado, o fato de ter sido vítima de abuso cometido pelo avô.

As histórias foram filmadas no contexto da revolução no Egito e, para a cineasta, a busca por igualdade entre homens e mulheres faz parte da busca por mudanças sócio-econômicas no país. “O que dá mais poder para qualquer pessoa é ser financeiramente independente para tomar as decisões e assumir os riscos que quiser. É por isso que eu acredito firmemente que a luta pelos direitos das mulheres nesse país deve ser fortemente associada à luta mais ampla por justiça social e autodeterminação no Egito”.

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