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Por que Francisco será diferente dos outros papas

Bergoglio apresenta um estilo muito distinto de seus antecessores - e isso, para estudiosos da religião, pode influenciar sua atuação como sumo pontífice

Por Cecília Araújo, de Buenos Aires
18 mar 2013, 09h25

Quando o papa Francisco saiu pela primeira vez na sacada da Basílica de São Pedro, todo vestido de branco, sem a estola vermelha sobre os ombros, e cumprimentou seus irmãos e irmãs do mundo inteiro, já deu um sinal aos que estão acostumados com uma Igreja tradicionalmente protocolar. Ações posteriores, como pagar a conta da residência onde ficou hospedado nos dias que antecederam o conclave, ou cumprimentar os fiéis que deixavam a primeira missa que celebrou, neste domingo, também deram indícios de que o novo pontífice deverá trazer ares diferentes ao Vaticano.

O porta-voz da Arquidiocese de Buenos Aires, Federico Walls, explica que esse jeito despojado sempre foi característica marcante de Jorge Mario Bergoglio, ex-arcebispo da capital argentina. “Aqui na Catedral Metropolitana, ele sempre improvisava as homilias. Preferia chegar meia hora antes, conversar com o pároco, olhar para o público de fiéis e deixar o Espírito Santo o inspirar. Da mesma forma, improvisou diante da Praça São Pedro na última quarta-feira”.

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“Bergoglio costuma falar para todos, sem fazer distinção entre católicos e não católicos. Ele passava sua mensagem de misericórdia para religiosos, ateus, solteiros, casados, adultos, crianças”, acrescenta Walls. “Não concordava com as paróquias que se recusavam a batizar filhos de mães solteiras, por exemplo. Para ele, a criança não traz consigo nenhuma culpa.” Segundo o porta-voz, uma das características marcantes de Bergoglio é “não se esquecer”. Em suas missas sempre se lembrava, por exemplo, dos familiares das vítimas do incêndio da boate República de Cromagnon, em 30 de dezembro de 2004, que matou 194 pessoas e custou o cargo ao então prefeito Aníbal Ibarra.

Estilo próprio – Para Jorge Liotti, professor de Ciências Sociais da Universidad Católica Argentina (UCA), Bergoglio deve deixar de lado muitas questões protocolares, de que visivelmente não gosta, e estabelecer seu próprio estilo no Vaticano. “Ele sempre priorizou as relações pessoais”, diz. Ainda não estão claros os aspectos de continuidade que Francisco trará de seu antecessor, mas já se percebem diferenças marcantes em relação a Bento XVI e outros papas. “Como o nome escolhido indica, ele há muito tempo leva um estilo de vida nada luxuoso”, afirma Samuel Kimbriel, professor de teologia filosófica da Universidade de Nottingham. “Também parece claro que o papa será capaz de enfrentar a oposição se isso for necessário para proteger os mais vulneráveis.”

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Para Liotti, a escolha de Bergoglio como papa é curiosa. Primeiro porque ele teve uma formação lógica muito forte e depois seguiu uma trajetória pastoral consistente, como sacerdote, bispo e cardeal. O fato de ser latino-americano e jesuíta também tem um significado importante. “Ao eleger Bergoglio para o cargo, tenho a impressão de que a maioria dos cardeais realmente deseja sacudir as estruturas da Igreja. Não sei se será um reformista, mas provavelmente vai lidar de forma distinta com as prioridades do Vaticano”, diz. O professor lembra que Bergoglio considerou os abusos sexuais realizados por padres um atentado contra a humanidade. Como arcebispo de Buenos Aires, também condenou a corrupção como um dos principais males. “Espera-se que tome medidas para aumentar a transparência no Vaticano. Não é possível prever se conseguirá realizar reformas tão complexas em um curto prazo, mas é certo que tentará”, completa.

Política – Para Kimbriel, o papa geralmente é visto como um líder espiritual, apenas, mas pouco se compreende que seu papel espiritual é, em si, necessariamente político. “O estilo de Bergoglio não foi escolhido de forma leviana ou arbitrária”, diz Kimbriel. “O fato de os cardeais terem escolhido um papa não-europeu de nascimento é uma afirmação política”, diz. Mas ele explica que a política não mancha a pureza do cargo espiritual. “Pelo contrário, o cargo só é capaz de ser executado através da política, já que objetivo do posto é criar comunidades que personifiquem o amor divino da forma mais completa possível. Pelas ações do papa Francisco até agora, podemos observar que ele entende isso”, diz.

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“Ele vai fazer mudanças, não imediatamente, mas em alguns meses. A Igreja e os fiéis devem esperar muitas surpresas até mesmo no núcleo da Igreja”, acredita o jornalista e escritor Marco Ansaldo, especialista em Santa Sé do jornal italiano La Repubblica.

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Para o vaticanista americano Kevin Eckstrom, editor-chefe do site Religion News Service, a primeira razão para o potencial de mudança do papa Francisco é sua origem fora da Cúria. “Ele tem pouca paciência e atração pelas articulações do poder. Ele poderia ser o ‘outsider’ capaz de chegar e limpar a casa. E limpar o Vaticano e tratar dos escândalos recentes será sua principal missão, ele queira ou não”, avalia.

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O italiano Marco Tosatti, do site Vatican Insider, ligado ao jornal La Stampa, também acredita que, mesmo que, a princípio, Francisco seja desinteressado pela administração romana, em seu pontificado ele será obrigado a reformar a Cúria. “Para ele conseguir trabalhar bem, precisará reorganizar o governo central, que está mais ou menos estruturado da mesma forma desde o pontificado de Paulo VI (1963-1978).

Tosatti, porém, opõe-se a algumas análises iniciais, motivadas pelos estilos diferentes, entre Francisco e Bento XVI. “Muito do que começa a dizer Bergoglio é o mesmo que Ratzinger dizia, como a afirmação de que sem Cristo a igreja vira uma ONG especializada em boas ações. Eu acho que há uma continuidade entre João Paulo II, Bento XVI e Francisco”, compara.

O jornalista Esteban Pittaro, que escreve uma tese de doutorado sobre informação religiosa na Universidade Austral de Buenos Aires e tem uma coluna no canal espanhol Cope sobre a Igreja Católica na América Latina, nega que haja um lado político da decisão. “O fato de a eleição de Bergoglio ser uma surpresa fez surgir uma leitura política de uma escolha que não é política. Os 115 cardeais não elegeram um chefe de estado para a Santa Sé, mas um pastor espiritual, uma pessoa que dedicou sua vida à Igreja. É uma instância 100% transcendente, supõe-se que estão elegendo o vigário de Cristo na terra”, afirma.

Comunicação e evangelização – Com carisma e coerência, Pittaro acredita que Bergoglio terá uma boa relação com a imprensa. “Os meios internacionais tinham muitas informações sobre Joseph Ratzinger e atacaram Bento XVI logo que foi eleito papa. A relação melhorou com o tempo, à medida em que o foram conhecendo melhor, e, quando renunciou, a imprensa internacional demonstrou sua surpresa e valorizou sua figura. De Jorge Mario Bergoglio se sabe muito menos, e, apesar das acusações caluniosas de que tinha relações com a ditadura, creio que sua relação com a imprensa deve ser menos combativa e mais construtiva.”

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Para o americano Eckstrom, o estilo que Francisco começa a impor no comando da igreja, com gestos de simplicidade, discursos improvisados e bom humor, também pode ajudar a atrair de volta fiéis que abandonaram a Igreja Católica. “A igreja pode atrair novos seguidores e reconquistar os perdidos com esse estilo de vida simples e humilde do novo papa. Mesmo que ele não queira mudar pontos doutrinários que afastaram muitos católicos, como a recusa ao uso de preservativos, a forma com que ele fala com o rebanho fará uma enorme diferença na maneira como as pessoas recebem sua mensagem”.

Agenda papal – Amanhã, terça, será realizada a missa de inauguração do pontificado de Francisco. O governo italiano espera que mais de 1 milhão de pessoas compareçam à Roma para acompanhar a cerimônia. A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, já está em Roma e é recebida nesta segunda-feira pelo papa. Também estarão presentes a presidente brasileira, Dilma Rousseff, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o vice-presidente americano, Joe Biden.

(Com reportagem de Rodrigo Vizeu, de Roma)

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