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Médicos Sem Fronteiras: ter independência é fundamental

Em locais dominados por terrorismo e corrupção, o trabalho exige isenção total para que doações e ajudas emergenciais cheguem aos que realmente precisam

Por Cecília Araújo
23 dez 2011, 06h59

“Nosso papel é aliviar sofrimentos. Não estamos ali para diminuir o índice de pobreza, melhorar o sistema de saúde ou construir um estado mais justo. Mas, sim, tratar pessoas que estão passando por uma extrema urgência de cuidados.”

Unni Karunakara, presidente da MSF

“Muita confusão”. Esta é a única expressão em português conhecida pelo médico indiano Unni Karunakara. Não por acaso. Desde 1999, ele integra a maior organização de ajuda emergencial humanitária na área de saúde do mundo: a Médicos Sem Fronteiras (MSF), que conta com mais de 25.000 profissionais em 65 países, atuando diariamente em situações de desastres naturais, fome, conflitos, epidemias e combate a doenças. Em junho de 2010, Karunakara foi eleito presidente internacional da instituição, que venceu o Prêmio Nobel da Paz em 1999 e completou 40 anos no último dia 20. Criada em 1971 na França, a MSF foi idealizada por um pequeno grupo de jovens médicos e jornalistas que atuaram como voluntários em uma brutal guerra civil em Biafra, na Nigéria. Em meio à dificuldade de acesso ao local e de entraves burocráticos e políticos, a intenção era associar socorro médico e testemunho em favor das pessoas em risco. Desde o início, eles perceberam também que seria preciso manter a independência em relação a qualquer governo para se fazer um bom trabalho.

O médico sem fronteiras Unni Karunakara em ação
O médico sem fronteiras Unni Karunakara em ação (VEJA)
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Por isso, o movimento é sustentado principalmente por contribuições privadas (são 5 milhões de doadores), o que lhe confere autonomia para chegar aonde for necessário. “São essas ajudas que permitem que a MSF seja uma organização independente. É importante ser isento na hora de dialogar com os diferentes grupos que têm poder em cada região”, diz. Para transpor as disputas internas, que são muito comuns, é preciso conversar tanto com o governo quanto com as milícias locais. E só é possível negociar se a organização demonstrar isenção e imparcialidade – especialmente política. “Não poderíamos aceitar ajuda dos Estados Unidos para atuar no Paquistão, por exemplo. Ou da França, na Costa do Marfim. Muitos países que doam querem interferir no destino da ajuda, e não aceitamos esse tipo de intromissão”, enfatiza Karunakara, acrescentando que também não é aceito dinheiro de companhias farmacêuticas ou de petróleo, sob os quais possam haver interesses comerciais.

Mesmo com todos esses cuidados, há lugares onde as fronteiras do terrorismo e da corrupção insistem em se impor. Daí, nem o auxílio mais básico consegue ser feito, uma vez que a passagem aos necessitados é totalmente bloqueada. A Somália é um desses locais, que colocam os profissionais da MSF em perigo. “Trabalhamos na Somália há mais de 20 anos, temos cerca de 14 projetos no país, mas nosso movimento ainda é restrito, e não temos capacidade de fornecer ajuda a todos os locais”, lamenta Karunakara. De um lado está o governo de transição, apoiado pelo Ocidente e pelas tropas da União Africana, e de outro, grupos armados de oposição, como o Al Shabab. É essa disputa, combinada com as rivalidades entre as próprias milícias, que impede a assistência internacional. A seca na região só exacerbou o que já era uma catástrofe. “As operações são lentas, e constantemente os médicos são forçados a fazer escolhas difíceis. Nossos funcionários estão em constante risco de serem baleados ou raptados. Além disso, temos de conviver com a frustração de não sermos capazes de alcançar as comunidades mais necessitadas de ajuda”, detalha o médico indiano.

Confira, no infográfico abaixo, os países mais afetados pela crise humanitária:

Infográfico: Os 11 países mais afetados pela crise humanitária em 2011
Infográfico: Os 11 países mais afetados pela crise humanitária em 2011 (VEJA)

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Ações – Essa barreira que se levanta entre os voluntários e as vítimas – aliada a outros problemas, como a carência de recursos (resultado da crise econômica mundial) e o acesso precário a medicamentos básicos – atravanca a primeira exigência do trabalho da Médicos Sem Fronteiras: agilidade. Logo após um desastre, os primeiros dias são os mais importantes, porque determinam se as pessoas podem ou não ser salvas, e quando. Por isso, chegar onde elas estão é fundamental. “Nesses casos, o dinheiro em si é essencial. Depois, vêm os medicamentos, comida, entre outros tipos de doações”, explica o economista Tyler Fainstat, diretor-executivo da MSF no Brasil. O objetivo aqui não é solucionar os problemas dos países, ressalva ele. “Os médicos sem fronteiras nunca querem substituir o papel do estado, apenas intervêm quando os governos e as instituições civis não têm a capacidade de fazê-lo.”

Como fazer uma doação

Médico Sem Fronteiras (www.msf.org.br)

Cadastro – O primeiro passo é se cadastrar no site da instituição ou pelo telefone (21) 2215-8688, e se tornar Doador Sem Fronteiras.

Valores – Depois, é preciso escolher a forma de contribuição. Os possíveis valores (superiores a 10 reais) são associados ao tratamento que é possível ser feito com aquela quantia: com 30 reais, por exemplo, é possível ajudar uma criança com menos de 5 anos a cada mês.

Repasse – Após a transferência, o dinheiro doado vai para um fundo geral da MSF, que será repassado aos projetos de maior necessidade.

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Por ser uma organização emergencial, a MSF age apenas em situações críticas. “Não trazemos respostas, somos apenas atores essenciais em um contexto em que faltam soluções”, resume Karunakara. “Nosso papel é aliviar sofrimentos. Não estamos ali para diminuir o índice de pobreza, melhorar o sistema de saúde ou construir um estado mais justo. Mas, sim, tratar pessoas que estão passando por uma extrema urgência de cuidados.” Ciente de que não é capaz de assistir a todos os pacientes, o grupo mostra que é possível tratar e superar pelo menos as situações mais críticas. “Pretendemos servir de exemplo – além de oferecer treinamento – a governos e especialistas locais, para que possam dar continuidade e complementar sua ajuda.”

Brasil – Essa “especialização” já é aplicada no Brasil, que tem um escritório administrativo da MSF, para ajudar no contato com instituições médicas de excelência, recrutar profissionais qualificados e arrecadar doações. “Nosso papel aqui não é elaborar projetos grandes e de longo prazo, mas orientar e apoiar os profissionais locais”, explica o presidente internacional, que esteve em São Paulo em novembro passado. E a organização já comprovou que o país tem capacidade de responder aos problemas. Em janeiro deste ano, por exemplo, os médicos fizeram uma intervenção após as enchentes na região Serrana do Rio de Janeiro e identificaram carência na área de saúde mental. “Havia profissionais brasileiros dispostos a ajudar, mas não tinham conhecimento de como fazer atendimentos emergenciais. Então, levamos nossa experiência e capacitamos a rede local”, conta Fainstat. No fim, os psicólogos brasileiros fizeram as consultas, com apoio da MSF. “Se acontecer de novo, eles já sabem como responder”, acredita, orgulhoso com o fato de que o interesse dos brasileiros em se envolver com ajuda humanitária só cresce – atualmente, 122 pessoas trabalham com a organização no país, onde o número de doadores mensais soma 57.000.

Confira, no vídeo abaixo, o trailer do documentário sobre o trabalho da MSF:

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