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Eleições no Chile devem marcar retorno de Bachelet à presidência

A ex-presidente é a favorita para voltar ao Palácio de La Moneda. Com 47% das intenções de voto, ela tem chance de eleger-se neste domingo. Caso haja segundo turno, pesquisas apontam caminho confortável para Bachelet

Por Jean-Philip Struck e Edoardo Ghirotto
17 nov 2013, 09h28

Após quase quatro anos sendo governado por uma coalizão de centro-direita, o Chile deve dar uma guinada para a esquerda neste domingo. E a guinada vai ser liderada por uma figura já conhecida: a ex-presidente Michelle Bachelet, de 62 anos. Ela é a favorita nas pesquisas, que apontam que sua coalizão, a “Nova Maioria”, pode receber até 47% dos votos. E mesmo que não ganhe no primeiro turno (são necessários mais de 50%), ela lidera com folga todas as sondagens de um eventual novo pleito.

Chefe do executivo chileno entre 2007 e 2010, Bachelet liderou um governo de esquerda que não seguiu as irresponsáveis aventuras bolivarianas que caracterizaram a América Latina no período. Ela acabou deixando a presidência com uma aprovação de 84%, mas falhou em conseguir fazer um sucessor (a reeleição de presidentes não é permitida no país). Desta vez, a campanha de Bachelet focou em propostas de reformas sociais, o combate à desigualdade social e mudanças na educação superior – este último passou a ser um tema constante de debates depois da onda de protestos estudantis que sacudiu o país entre 2011 e 2012 e causou sérios danos para a popularidade do atual governo de centro-direita.

As eleições no Chile

Presidência

Presidente é eleito por maioria dos votos válidos (50% mais um). Se ninguém conseguir a maioria, os dois mais votados disputam um segundo turno.

Câmara

Possui 120 vagas – todas serão renovadas

Distribuição de vagas: o país é dividido em 60 distritos eleitorais, cada um elege dois deputados, independente do número de eleitores.

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Como funciona a disputa? O sistema é chamado de binominal: partidos ou coligações indicam uma lista com dois candidatos. Os votos são nominais, para cada candidato, mas se uma das listas conseguir o dobro de votos da segunda mais votada o partido ou coalizão leva as duas vagas. Se não for o caso, são eleitos os deputados que mais conseguiram votos em cada uma das duas listas mais votadas.

Senado

Possui 38 vagas – 20 serão renovadas

Distribuição de vagas: país é dividido dezenove ‘distritos senatorais’. Cada uma deles conta com dois senadores.

Como funciona a disputa? Também vigora o sistema binominal: partidos ou coligações indicam uma lista com dois candidatos. Os votos são nominais, para cada candidato, mas se uma das listas conseguir o dobro de votos da segunda mais votada o partido ou coalizão leva as duas vagas. Se não for o caso, são eleitos os senadores que mais conseguiram votos em cada uma das duas listas mais votadas.

Curiosidades

Candidatos ao Senado, Câmara e até à Presidência não precisam ser filiados a um partido político.

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Estrangeiros que residam no país há mais de cinco anos podem votar.

O voto não é obrigatório desde 2011, mas a inscrição é automática quando o cidadão completa 18 anos.

Não existe reeleição para presidente. Os candidatos só podem conseguir um novo mandato não consecutivo. Já os senadores e deputados podem se reeleger de maneira ilimitada.

A ex-presidente também prometeu já na fase final da campanha tentar reformar a Constituição do país, que data da época do governo do ditador Augusto Pinochet (1973-1990). Mas essa “guinada moderada à esquerda”, como está sendo avaliadas por analistas, deve depender também do resultado das eleições parlamentares. Além de escolher um novo presidente, os chilenos também vão renovar toda a Câmara e metade do Senado.

Mesmo com o resultado final da eleição presidencial não sendo liquidado neste turno, ele já indica um fim melancólico para a presidência de Sebastián Piñera, o bilionário de centro-direita que assumiu em 2010 e protagonizou um breve interlúdio ideológico em meio aos vinte anos de domínio da esquerda na presidência. Mesmo surfando em um crescimento invejável (entre 2010 e o final de 2012 o PIB chileno cresceu mais de 5% ao ano, e neste primeiro semestre a taxa foi de 4,3%) e administrando uma taxa baixa de desemprego (6,2% no primeiro semestre), Piñera vai deixar o governo com menos de 31% de aprovação, segundo pesquisas recentes.

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A candidata indicada pela coalizão governista, a ex-ministra do Trabalho Evelyn Matthei, de 60 anos, percebeu a encrenca de associar sua imagem a de Piñera, e mal citou o nome do presidente durante a campanha.

“Ele [Piñera] falhou muito na comunicação. Tinha uma proposta modernizante de botar a economia chilena em um maior nível de empreendedorismo, mas os programas sociais acabaram ficando para trás nesse processo. Ele não soube encontrar uma forma de unir os setores sociais”, diz Alberto Pfeifer, especialista em América Latina e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint- USP).

A campanha deste ano também parece ter mostrado que a questão do “é a economia, estúpido!”, que costuma nortear eleições presidenciais, não parece ter feito tanta diferença para os chilenos. Analistas apontam que com a economia em ordem, os chilenos passam a se voltar para outros problemas, e que a estabilidade constante do país nesse quesito impele os eleitores a não se prenderem a um candidato. “Bachelet tem a missão de resolver a parte social do governo. O Chile é um dos países mais educados da América Latina, então a população sabe o que quer”, afirma Mario Gaspar Sacchi, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A candidata Matthei até tentou nas últimas semanas levantar o temor de que eventuais reformas de Bachelet possam representam “um perigo para o país”, ao criar mais gastos e elevar os impostos, consequentemente gerando instabilidade financeira e uma crise de confiança entre os investidores. Só que o discurso não tem surtido efeito entre os eleitores, e as pesquisas a mostram empacada entre 14% e 20% das intenções de voto. O temor é desconsiderado por analistas, que citam o antigo governo de Bachelet e as duas décadas de governo de esquerda do país, assim como a breve alternância com a direita, que mantiveram o Chile no caminho do progresso econômico. “Bachelet é totalmente moderada, suave. Essa suavidade é a marca do Chile. Centro-esquerda e centro-direita são matizes de um grande projeto nacional”, afirma o professor Alberto Pfeifer.

“É uma política de esquerda democrática. É diferente de várias coisas que caracterizam, por exemplo, o PT no Brasil. Primeiro porque não tem nenhum componente autoritário populista, como o que existe no PT, que é um híbrido composto por democráticos e autoritários. Já o partido da Bachelet é 100% democrático. O próprio governo Piñera mostrou que a sociedade chilena não se divide em dois, mas em um espectro mais gradual, que também permite a existência de uma centro-direita que está separada e em ruptura com vários componentes do legado de Pinochet.”, diz Eduardo Viola, professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

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Além de se beneficiar da impopularidade de Piñera, Bachelet também teve a sorte de contar com a bagunça que caracterizou a escolha de sua principal adversária. Matthei não foi a primeira opção da sua coalizão, mas a terceira, que acabou aparecendo após outros dois candidatos, já indicados ou escolhidos em primárias, terem renunciado em sequência no primeiro semestre.

Outro tema constante nas eleições, como não deixa de ocorrer desde a redemocratização do país, foi a violenta ditadura de Augusto Pinochet. Desta vez, com um simbolismo forte. Se não bastasse o pleito deste ano ocorrer logo após o aniversário de 40 anos do golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, três dos nove candidatos têm o passado marcado pela ditadura.

Simbolismo – O caso mais curioso, que logo despertou a atenção da imprensa internacional, envolve Michelle Bachelet e Evelyn Matthei. Os pais de ambas as principais candidatas eram generais da Força Aérea chilena e mantinham uma amizade no início dos anos 70, mas após o golpe, em 1973, ficaram em lados opostos. O pai de Bachelet, Alberto, que ficou do lado de Allende, foi preso, torturado e morreu um ano depois em decorrência de problemas de saúde na prisão. Já o pai de Matthei, Fernando Jorge, foi membro da junta que derrubou o então presidente e depois do golpe acabou sendo nomeado por Pinochet como ministro da Saúde e depois para a chefia da Força Aérea – ele permaneceu nesse último cargo por treze anos.

Já Marco Enriquez-Ominami, que aparece em quarto lugar nas pesquisas, também é filho de um personagem do período. No caso, Miguel Enríquez, um médico e integrante do grupo guerrilheiro Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), que foi morto pelas forças do regime em 1974.

Líderes de protestos disputam eleições

Enquanto os protestos de junho no Brasil não resultaram na formação de novas lideranças, a onda de manifestações que ocorreu no Chile entre 2011 e 2012 pode estar forjando seus primeiros políticos. Após terem emergido como alguns dos rostos mais conhecidos da série de manifestações contra a política educacional do país, Giorgio Jackson, Francisco Figueiroa, Karol Cariola e Camila Vallejo – esta última considerada a “musa” dos protestos – estão concorrendo a vagas na Câmara dos Deputados chilena.

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Com idades entre 25 e 26 anos, os jovens, apesar de continuarem com o discurso radical, já estão dando mostras de uma “metamorfose” para se adaptar à política e se aproximar do poder. Camilla, filiada ao Partido Comunista, faz parte da coalizão de Michelle Bachelet, e vem justificando sua posição afirmando que a aliança é necessária. O mesmo ocorre com Karol Cariola. Já Jackson, apesar de ter lançado uma candidatura independente, também é indiretamente apoiado pela Nova Maioria, que evitou lançar uma candidatura em seu distrito.

Ainda assim, a maior parte dos debates foi mesmo dominado pela situação social do Chile. “Isso [a ditadura] já não tem o mesmo peso de antes. Os chilenos agora pensam em seu país. E pensam com seriedade”, afirma Mario Gaspar Sacchi. A opinião é compartilhada pelo professor Eduardo Viola: “Cada vez mais o Chile mira no futuro, e não no passado”.

Até mesmo o candidato Enriquez-Ominami tentou explorar esse sentimento de que a “página precisa ser virada”. “Se vocês votarem em Bachelet e em Matthei, a discussão será voltada para o que ocorreu na ditadura. Ou seja, olhando para o retrovisor. Apoio a questão dos direitos humanos, mas o Chile precisa olhar pra frente”, disse ele durante um debate realizado na TV.

Surpesa eleitoral – Ainda que a ascensão de Bachelet venha sendo constante, as eleições presidenciais podem reservar surpresas. Nas últimas semanas, as pesquisas mostraram o crescimento de Franco Parisi, de 46 anos, um outsider sem experiência política que lançou uma candidatura independente (algo permitido pela legislação). Mesmo com um discurso considerado populista por alguns setores e com acusações de ser um “novo-rico” ao estilo de Fernando Collor de Mello, Parisi conseguiu amealhar 10% das intenções de voto, ameaçando a possibilidade de Matthei de chegar ao segundo turno.

Também na categoria de novidades, consta o voto facultativo. Esta será a primeira vez que os chilenos não serão obrigados a votar, segundo novas regras instituídas em 2011. A mesma reforma também criou um sistema de registro automático de pessoas com mais de 18 anos no sistema eleitoral, o que contribuiu para a inclusão de milhões de novos eleitores. As consequências dessas medidas ainda são incertas no cenário eleitoral.

Também resta incerto o resultado das eleições parlamentares. Ainda que um presidente seja escolhido com ampla maioria, seu poder de realizar reformas depende da sua bancada no Senado e na Câmara. Atualmente, tanto as 38 cadeiras do Senado quanto as 120 Câmara estão quase perfeitamente divididas entre as duas coalizões de esquerda e direita. E essa situação deve continuar a persistir.

Pelo curioso sistema eleitoral chileno, que foi forjado durante a ditadura (veja box ao lado), o país está dividido em um série de distritos, que só contam com duas vagas para Câmara e duas para o Senado. Por essas regras, ganha as duas vagas a coalizão que obter o dobro de votos que outra coalizão rival (ou mais de 66%), do contrário as duas vagas são divididas entre os primeiros e segundos colocados. Como raramente uma coalizão consegue uma maioria confortável no Congresso, as vagas acabam sendo divididas entre os dois blocos rivais nas duas Casas – a Aliança (coalizão de centro-direita, de Piñera e Evelyn Matthei) e a Nova Maioria (de centro-esquerda, de Michele Bachelet) – com alguns poucos independentes no meio. Com isso, o Executivo chileno tem muitas dificuldades para aprovar projetos de seu interesse e mais dificuldades ainda para realizar reformas na Constituição do país, que exigem, dependendo dos casos, de maioria de até de 70% dos votos na Câmara.

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