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‘Bento XVI é um intelectual, não queria ser administrador’, diz sociólogo

Coordenador do Centro de Estudos da Fé da PUC, Francisco Borba Ribeiro Neto diz que renúncia do papa foi um gesto de renovação da Igreja

Por Jean-Philip Struck
12 fev 2013, 08h48

Para sociólogo e biólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o papado de Bento XVI será lembrado pela abertura de diálogo com outras religiões, especialmente com o Islã. Para ele, a imagem de um papa extremamente conservador era um equívoco: “Ele sempre foi flexível”. Segundo o professor, mesmo que a escolha de um novo papa seja uma incógnita, o gesto de Bento XVI sinaliza que a Igreja deverá passar por um processo de renovação.

O anúncio da renúncia surpreendeu? Ele já havia acenado em outras ocasiões que poderia renunciar se sentisse que não tinha condições. Ele está passando por uma deterioração física. A impressão é que isso é um gesto de ‘Vou sair por cima’. O Vaticano ainda enfrenta problemas políticos com o governo da Itália (recentemente o governo italiano começou a cobrar impostos de propriedade da Igreja; o Banco Central também acusou a Igreja de não ser transparente em suas finanças). Isso requer muita energia, e ainda um gosto pela politica que ele não tem. Ele é um intelectual, não queria ser um administrador. Então sentiu que era a hora de ir.

Qual é a marca do papado de Bento XVI? Ele recuperou o diálogo com a cultura, isto é, com as visões do mundo, o diálogo com acadêmicos. Ele tem uma visão arguta da sociedade atual. O mundo laico o procurou e quis dialogar com ele, concordasse ou não com ele. Ele mesmo sentia a necessidade de ouvi-los, sempre foi flexível. Ratzinger podia bancar o dobermann da fé do líder Bento XVI, mas ele não se sentia confortável nessa função. Aos poucos ele foi se desvencilhando dessa imagem. Antes, dava a impressão de ter sido a mão de ferro de João Paulo II, mas aos poucos muitos perceberam que não era bem assim. A própria mídia passou uma imagem de um papa duro que não era real.

Perfil

Francisco Borba Ribeiro Neto

Coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SPl

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Biólogo e sociólogo, com doutorado em Oceanografia, foi organizador dos livros Um Diálogo Latino-Americano: Bioética & Documento de Aparecida (2009) e Economia e Vida na Encíclica Caritas in Veritate (2010).

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O papa Bento sempre soube fazer as provocações certas. Pouco depois de assumir, ele fez um discurso em Regensburg em que disse que Maomé e os antigos islâmicos tinham feito colocações que promoviam a violência, e que o Deus verdadeiro não queria a violência, mas sim o diálogo. Muita gente o acusou de fechar as portas para o Islã. Mas não se sabia que ele já tinha iniciado o diálogo entre islâmicos e católicos. Muitos líderes islâmicos afirmaram que era compreensível chegar a essa visão, e o diálogo prosseguiu. O que parecia uma catástrofe política acabou sendo uma provocação que permitiu a abertura do diálogo.

Quais são as consequências da renúncia na imagem Vaticano? Tem o lado emocional, é claro. Mas com essa última medida de impacto, ele deu um sinal veemente de ele é favorável a uma renovação do próprio vaticano. A própria figura do papa muda a partir de agora. Ele renunciou em pleno gozo das suas faculdades mentais, e isso num momento em que se discutem as prerrogativas do papa. Ele mostrou a figura de um papa sujeito às leis da natureza humana. É um passo para repensar a estrutura de soberania da Igreja, a própria figura do papa. E revelam ainda que esse tipo de posição de comando é um fardo.

Quais são as consequências na estrutura da igreja? Com a renúncia, Bento deu um sinal de que considera que um processo de renovação já está em curso e vai continuar independentemente dele. Um novo papa vai vir. Aqui no Brasil, devido a esse velho choque entre conservadores e progressistas, vamos acabar interpretando tudo isso. A curto prazo, pouca coisa muda, mas a médio prazo existe um processo de mudanças. O próximo papa vai ser obrigado a enfrentar.

E no Brasil? O Brasil vai sediar em alguns meses a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. O próximo papa deve vir. É provável até que esta seja a primeira viagem do novo pontífice. Ele vai acabar despertando ainda mais curiosidade para o evento.

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Bento XVI terá alguma influência nesse processo de escolha? É difícil imaginar que ele não banque um eleitor nesse processo. Dificilmente o novo escolhido vai ser um papa que não conte com as bênçãos de Bento XVI. Ele vai ser mais influente nesse processo do que João Paulo II na escolha do próprio Bento XVI.

O que esperar do conclave? A única coisa que a gente pode ter certeza é: o conclave é uma caixinha de surpresas. Os cardeais têm suas preferências políticas, mas nesse espaço têm que deixar tudo na porta e criar um novo relacionamento com seus pares. É um jogo de adivinhações. Até mesmo aqueles que são apontados como possíveis candidatos acabam sendo mal vistos, já que levantam suspeitas de que estão fazendo campanha.

É possível que a escolha do próximo papa seja ousada, assim como foi a do polonês João Paulo II? É também difícil imaginar de que região ele deve vir. Há esse processo de renovação em vista, mas muito cardeais podem levar em consideração os problemas que a Igreja enfrenta na Itália e acabar escolhendo um italiano, que teria mais noção de como lidar com isso.

Como deve ser uma cerimônia de renúncia? É muito difícil imaginar o que vai ser feito. Já devem existir indicações, um grupo de pessoas reunidas para discutir isso, mas essa possibilidade era tão hipotética que o Vaticano vai ter que pensar numa cerimônia.

A figura de um ‘ex-papa’ não existe há quase 600 anos. Ele deve passar para uma vida mais reclusa e mais intelectual. Deve continuar escrevendo. É provável que ainda se mantenha como uma referência intelectual para os católicos. Ratzinger vai continuar sendo uma presença cultural significativa.

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