Sem Teixeira, começa luta pelo poder no futebol brasileiro
Marin tem mandato garantido até 2014. Mas clubes e federações já começam a se movimentar nos bastidores - e o novo presidente da CBF pode ter vida curta
Temendo uma gestão que favoreça os interesses de São Paulo, federações contrárias a Marin já preparam o terreno para tentar substituí-lo, através da realização de uma nova eleição. E esses opositores já têm até um caminho esboçado para derrubar Marin
A queda de Ricardo Teixeira, que renunciou à presidência da CBF na segunda-feira, depois de 23 anos no poder, deve dar início a uma das disputas mais acirradas da história recente do futebol brasileiro. A partir desta terça-feira, clubes e federações devem começar a articular alianças e discutir o futuro, de olho num ano decisivo para o esporte no país – dentro de pouco mais de dois anos, o Brasil vai sediar a Copa do Mundo. Pelos regulamentos da confederação, não deveria nem haver discussão: José Maria Marin, o vice-presidente com mais idade, assume o cargo em definitivo até o fim do mandato previsto para Teixeira, em 2014. Da mesma forma, o ex-governador paulista, de 79 anos, torna-se também o presidente do Comitê Organizador Local da Copa. Na teoria, está garantido nas duas funções até o Mundial. Na prática, contudo, a situação de Marin é bem mais instável, pois ele não é visto como nome de consenso para comandar o futebol brasileiro nesse período crítico de preparação para 2014. Ainda não está claro o que pode ser feito para esvaziar sua função e alterar a balança do poder no futebol, mas isso não deve ser problema para os cartolas brasileiros – notórios pela habilidade em rasgar as regras e virar a mesa, é bem possível que, caso Marin seja visto como o nome errado para presidir a CBF, o mandato legítimo do cartola não seja obstáculo para uma articulação política que o afaste do cargo.
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A chance de uma batalha nos bastidores a partir da saída de Teixeira ficou explícita na tarde de segunda, nas horas que sucederam a notícia da renúncia. Não houve uma posição comum dos clubes e federações após a troca de guarda na CBF. Pegas de surpresa, algumas agremiações simplesmente se calaram, aguardando as próximas jogadas antes de escolher uma posição. Outros cartolas, satisfeitos com a queda de Teixeira, comemoraram abertamente a notícia e saudaram Marin. Outro grupo, porém, iniciou imediatamente as movimentações para evitar a perda de espaço na nova gestão. Entre os dirigentes claramente insatisfeitos com a sucessão na CBF, a preocupação não é com a falta de capacidade de Marin – um advogado que fez carreira política aliado a Paulo Maluf, e que simboliza o lado mais retrógrado e amador do futebol brasileiro. O risco, para eles, é o fim dos tempos de livre trânsito no comando da CBF – algo a que clubes como o Corinthians, por exemplo, estavam acostumados nos últimos anos com Teixeira. O clube paulista, dono da segunda maior torcida do país, viveu uma fase de notável fortalecimento político na reta final da gestão de Teixeira. A aproximação entre os dirigentes foi tamanha que a CBF transformou-se numa espécie de filial corintiana na Barra da Tijuca, onde fica a sede da confederação. Andrés Sanchez trocou a presidência do Corinthians pelo cargo de diretor de seleções, função criada especificamente para ele. Mano Menezes deixou o cargo de treinador corintiano pelo comando da seleção. E Ronaldo, que se aposentou jogando pelo Corinthians, passou a ocupar um cargo na chefia do comitê da Copa de 2014.
‘Mudança radical’ – Apesar da perda do aliado Teixeira, o Corinthians foi diplomático ao comentar a entrega do cargo a Marin. Em nota oficial, desejou “pleno êxito” ao novo presidente da CBF e defendeu a união dos clubes brasileiros num momento decisivo para o futebol brasileiro. Mas o diretor de futebol do clube, Roberto de Andrade, falou abertamente em “cobrar do novo presidente uma solução para as coisas erradas”. Nenhum clube foi mais crítico a Marin do que o Atlético-MG – que, através de seu presidente, Alexandre Kalil, defendeu publicamente uma mudança radical na CBF. “É hora de os clubes falarem que quem manda é quem paga as contas. O futebol brasileiro terá uma grande oportunidade de se unir”, defendeu. No Rio Grande do Sul, os arquirrivais Internacional e Grêmio adotaram posição parecida, falando em proteção aos clubes, em organização da modalidade e na criação de uma liga para representar as maiores agremiações do país. O São Paulo, terceiro clube mais popular do país, foi um dos clubes que comemoraram a troca – desprestigiada com Teixeira, a agremiação do Morumbi enxerga no mandato de Marin um caminho para recuperar força na CBF. Marin é torcedor do São Paulo e tem bom relacionamento com o presidente do clube, Juvenal Juvêncio – que divulgou nota oficial dizendo ter “confiança de que ele vai trazer um novo momento para o futebol brasileiro”. Ainda entre os paulistas, Santos e Palmeiras se manifestaram com palavras favoráveis a Marin, mas devem aguardar os novos desdobramentos da sucessão na CBF antes de adotar uma posição definitiva.
A incerteza sobre o futuro da CBF com Marin fez com que a grande maioria dos clubes mais poderosos do país silenciasse em relação ao novo presidente. No Rio, Flamengo e Fluminense não se pronunciaram, e o Vasco evitou fazer qualquer avaliação definitiva do cenário. Cruzeiro e Coritiba também não falaram. É provável que esses clubes aguardem as primeiras semanas de Marin no cargo – e os próximos passos de outros clubes influentes na CBF – antes de declarar uma preferência. Se nos clubes ainda não há uma posição clara, nas federações estaduais é diferente. Marin já foi presidente da Federação Paulista de Futebol e segue tendo laços muito próximos com a entidade. Temendo uma gestão que favoreça os interesses de São Paulo, federações contrárias a Marin já preparam o terreno para tentar substituí-lo, através da realização de uma nova eleição. E esses opositores já têm até um caminho esboçado para derrubar Marin: a possibilidade de rejeitar as contas da administração de Teixeira, o que viabilizaria a convocação do novo pleito. A reunião que discutirá as contas da CBF está marcada para o mês que vem. É provável, portanto, que até lá os clubes e federações já tenham se articulado em torno do apoio ou da oposição à permanência de Marin. Só existe, no momento, uma incerteza maior do que a própria chance de sobrevivência do novo presidente da CBF no cargo até 2014: a escolha de um nome alternativo para assumir o cargo até a Copa do Mundo. Candidatos não faltam, mas ainda não existe qualquer pista de quem poderia tentar o cargo em caso de convocação de novas eleições na confederação.