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Literatura: a força está com os nerds

Popularidade de títulos de ficção científica, fantasia e quadrinhos entre leitores adultos leva o mercado editorial e até o meio acadêmico a se render à cultura geek — e correr atrás do prejuízo

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 abr 2015, 12h37

Foi-se o tempo em que ser chamado de nerd era um insulto. E com a ascensão dos que são assim definidos – e que hoje comandam negócios bilionários como o Facebook – cresceu também um ambicioso mercado. Que o digam editores especializados em fantasia, quadrinhos e ficção científica, alguns dos gêneros que os discípulos de Sheldon, o carismático nerd da série The Big Bang Theory, mais consomem. Em poucos meses, editoras consolidadas como Rocco e Sextante lançaram selos específicos, e a Novo Século pôs no mercado uma série de livros da Marvel, que já representa 8% de sua receita total. E a Aleph, que há dez anos apostou tudo na ficção científica, vê agora o seu pioneirismo dar resultado. A empresa dobrou o faturamento de 2013 para 2014, cresceu 120% no primeiro trimestre deste ano e ainda projeta mais, com a volta da franquia Star Wars, que impulsiona uma série de lançamentos, a explosão de feiras de fãs como a Comic Con e a expansão sem fim dos super-heróis no mundo do entretenimento. A força, sem dúvida, está com a literatura nerd.

Vídeo: Uma viagem pelo universo expandido de ‘Star Wars’

Mas por muito tempo se duvidou disso no país. “Ficção científica não vende no Brasil” foi a dura sentença dada pelo mercado editorial a Adriano Fromer, diretor da Aleph, em 2003, quando ele decidiu voltar a apostar no gênero que havia deixado de lado nos anos 1990. “Existia esse mantra de que ficção científica não era um bom negócio, que era um estilo limitado. O nosso trabalho foi o de mudar esse paradigma”, conta Fromer, à frente daquela que é hoje a principal editora do nicho no Brasil, responsável por tirar a poeira de autores consagrados como Isaac Asimov, Philip K. Dick e Arthur C. Clarke, e de ressuscitar clássicos esquecidos, caso de Laranja Mecânica, de Anthony Burgess; Neuromancer, de William Gibson; e, um dos seus lançamentos mais recentes, O Planeta dos Macacos, do francês Pierre Boulle.

O bom catálogo, aliado a um trabalho apurado de design gráfico, pode ser apontado como a principal razão do crescimento da Aleph. “A Aleph não acertou, a Aleph trabalhou. A gente insistiu no mercado, superamos estereótipos e mostramos que a ficção científica tem profundidade. É uma literatura séria, e ao mesmo tempo divertida”, diz Fromer.

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O novo trunfo da editora é o contrato assinado com a Disney para o lançamento dos títulos do universo expandido de Star Wars. A parceria começou no final do ano passado com o clássico O Herdeiro do Império, livro que abre a trilogia Thrawn, de Timothy Zahn, o primeiro autor convidado pelo criador da saga, George Lucas, a escrever sobre ela. O romance estava esgotado no Brasil desde os anos 1980, década em que surgiu. Em março, foi a vez de Kenobi, de John Jackson Miller, lançado no ano passado nos Estados Unidos. Ao todo, a Aleph planeja vinte títulos de Star Wars até 2017, com os quais espera vender 1 milhão de cópias. A quantia é plausível, em especial pelo empurrão que a volta da franquia ao cinema no fim deste ano, com Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força, deve receber. Plausível também pelo bom desempenho de O Herdeiro do Império: o livro teve 50.000 cópias vendidas desde novembro.

Outro reforço da editora para o ano é disponibilizar todo o seu catálogo em e-books, boa parte em julho e o restante até o fim do ano. “A expectativa para 2015 é voltar a dobrar o faturamento. Eu não estou preocupado com a economia do Brasil. A crise é vantagem para a editora, porque as pessoas vão ficar mais em casa, lendo livros”, brinca Fromer, otimista.

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Mais adeptos – Além da ficção científica, fantasia e quadrinhos são gêneros bastante apreciados pelos nerds. É o caso de títulos como a série Sandman, de Neil Gaiman, graphic-novel que já vendeu mais de 30 milhões de cópias na mundo – no Brasil, quem publica a trama é a Panini, que não divulga dados de venda -, e da série best-seller As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, publicada pela editora Leya. Os cinco calhamaços gigantescos, que deram origem à série de TV Game of Thrones, já venderam juntos mais de 3,5 milhões de exemplares no Brasil, e cerca de 25 milhões no mundo. A meta da empresa é chegar a 4 milhões de cópias comercializadas até o fim deste ano. Parece fácil.

Criada há quinze anos, a Novo Século é outra que acertou na aposta da fantasia. Os títulos do filão nerd representaram no ano passado 8% do faturamento da editora. E o percentual tende a crescer, já que em 2014 a empresa fechou um contrato com a Marvel para lançar quinze romances sobre super-heróis dos quadrinhos – o formato agrada a autores e leitores porque permite um maior desenvolvimento da trama e dos personagens. Alguns dos títulos são baseados em histórias de gibis, outros são tramas originais. O primeiro da coleção a chegar por aqui foi Guerra Civil, adaptado da HQ de mesmo nome, que também inspira o terceiro longa do Capitão América. Lançado em novembro, o livro se esgotou, causou filas gigantescas na feira de cultura pop Comic Con Experience, em dezembro, e chegou à terceira reimpressão.

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O contrato com a Marvel rendeu também à Novo Século os títulos Homem-Aranha entre Trovões, X-Men: Espelho Negro e, o mais recente, Homem de Ferro: Vírus. Em três meses, os quatro livros venderam mais de 40.000 exemplares e ajudaram a fazer da série Marvel o carro-chefe da editora, que tem um catálogo imenso, composto de cinco selos distintos. “Nossas atenções estão totalmente voltadas para a série. O público nerd é muito específico, exigente e demanda um grande cuidado”, diz Lindsay Gois, coordenadora editorial da Novo Século.

A Marvel em prosa

A Novo Século planeja, até 2017, quinze romances do acordo feito com a Marvel. Desses, quatro já estão no mercado: Guerra Civil, Homem-Aranha entre Trovões, X-Men: Espelho Negro e Homem de Ferro: Vírus.

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O próximo a sair será Vingadores: Todos Querem Dominar o Mundo, de Dan Abnett, que será lançado no começo de maio. Em 2015, ainda serão publicados três livros: Homem-Formiga: Scott Lang (título provisório), em julho; Guardiões da Galáxia: Rocket & Groot, em setembro; e Guerras Secretas, em novembro.

Para 2016, estão previstos cinco títulos: Deadpool, em fevereiro; A Morte do Capitão América, em abril; Wolverine: Arma X, em junho; X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, em agosto; e Novos Vingadores: Fuga; em outubro. Se o acordo entre as editoras não for prolongado, os últimos títulos a sair por aqui, em 2017, serão Homem de Ferro: Extremis e Homem-Aranha: A Última Caçada de Kraven, em março e maio, respectivamente.

No caso do acordo com a Marvel, a editora se beneficia do esforço do estúdio americano, que tem investido cada vez mais em filmes e séries de TV, bem como na sua divulgação. O próximo título previsto é Vingadores: Todos Querem Dominar o Mundo, inédito no Brasil, que será lançado no começo de maio com gancho em Vingadores: Era de Ultron, o segundo episódio da franquia, que estreia na próxima quinta-feira. O acordo entre Novo Século e Marvel prevê lançamentos até 2017, mas pode ser estendido (box ao lado).

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O crescimento do estilo também levou editoras a criar selos especiais para abrigar a literatura nerd, caso da Rocco e da Sextante, que há cerca de um ano lançaram o Fantástica Rocco e a Saída de Emergência Brasil. Ambas já tinham boas experiências com o filão: a Rocco é quem publica o pop Harry Potter, além das distopias Jogos Vorazes e Divergente. E a Sextante é a responsável pela “bíblia” dos nerds, a série O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos no Brasil desde 2004.

“Com a chegada ao mercado de trabalho de uma geração que cresceu consumindo quadrinhos, super-heróis e outros produtos culturais associados ao conceito do ‘nerd’, houve uma demanda maior por todo tipo de item ligado a esse universo”, diz Larissa Helena, editora do selo Fantástica Rocco. Com o aumento da demanda, os geeks passaram a ser mais valorizados pelo mercado – e também se tornaram mais populares. “O segmento geek tem crescido expressivamente mundo afora, e passou a ser parte da cultura pop atual”, diz Marcio Borges, diretor de marketing da Panini, especializada em quadrinhos.

Academia se rende – A professora nova-iorquina Mary Elizabeth Ginway veio ao país nos anos 1980 para completar seu doutorado em espanhol e português e se interessou por livros de ficção científica brasileira. O estudo foi o cerne do livro que ela lançaria em 2005, Ficção Científica Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro (Devir), no qual analisa o gênero antes, durante e depois do regime militar. Quando ela trouxe a pesquisa completa ao Brasil, em 2004, percebeu uma resistência da academia nacional. “Nos EUA, existem estudos sérios de ficção científica desde os anos 1970. A evolução foi lenta, mas hoje existem centenas de disciplinas universitárias sobre ficção científica como gênero, além de diversas teses”, conta Mary Elizabeth, que dá aula na Universidade da Flórida.

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Agora, a passos lentos, as universidades brasileiras começam a abrir espaço para estudos que envolvem viagens do tempo, distopias, ogros e até bruxos adolescentes. “A fantasia e a ficção científica começaram a crescer nas universidades há cerca de oito anos, e de uns três anos para cá o assunto tomou força”, conta Karin Volobuef, professora especializada em literatura fantástica na Unesp em Araraquara, no interior de São Paulo. Segundo Karin, personagens clássicos como Drácula e Frankenstein e o autor J. R. R. Tolkien são os temas favoritos em dissertações de mestrado e doutorado. Porém, o bruxinho Harry Potter tem aos poucos ocupado o seu lugar na academia, como tópico de trabalhos de conclusão de curso.

“A literatura fantástica discute valores como amizade, lealdade e fé, com simbologias mais profundas, além de abarcar dimensões psicológicas, éticas e morais. Já a ficção científica explora âmbitos sociais com mais detalhes”, diz Karin. “Essa literatura foi por muito tempo, e ainda é para alguns, vista como escapista e superficial, presa a padrões, repetitiva. Mas, na verdade, ela tem um forte substrato mítico e filosófico, que passa por diferentes linhas de pensamento, geralmente com viés critico. Não existem limites geográficos e temporais para a fantasia e ficção científica. É uma manifestação cultural que se reinventa a toda hora.” Fãs e editoras concordam – e aplaudem. A força, como se vê, está mesmo com os nerds.

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