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Johnny Depp mãos de tesoura: o ator que podou o próprio sucesso

Com cinco fracassos consecutivos de crítica e bilheteria, o ator americano vê seu cachê cair pela metade e passa por uma fase que exige reinvenção de estilo e escolhas. Porém... ele insiste em se vestir de pirata

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 mar 2015, 09h21

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), vencedor do Oscar de melhor filme este ano, narra a história de um ator de cinema, vivido por Michael Keaton, que tenta se livrar do estigma do super-herói interpretado por ele décadas antes no cinema. Para isso, ele se aventura no teatro, mas o espectro do herói o persegue – inclusive com uma voz fantasmagórica em sua cabeça. O que poucos sabem é que a produção assinada pelo diretor mexicano Alejandro G. Iñárritu tinha um final diferente do que foi exibido. No roteiro original, a peça chega ao fim e outro ator entra no camarim de Keaton: Johnny Depp. O intérprete do pirata Jack Sparrow tira o cartaz de Birdman da parede e pendura no lugar um de Piratas do Caribe quando, de repente, ouve a voz afetada de seu personagem aos gritos: “Que diabos estamos fazendo aqui, colega?”. A troca de atores não deu certo porque, como contou ao site The Film Stage um dos roteiristas de Birdman, Alex Dinelaris, a Disney não liberou o uso dos direitos da saga e Depp não topou satirizar sua atual e preocupante condição. Afinal, a fase negra, apesar de não ter se iniciado com o já cansativo Capitão Sparrow – que na verdade estreou bem no cinema -, foi potencializada pela franquia bilionária. De 2011 para cá, Depp emplacou cinco fracassos de bilheteria e crítica, o último deles o fiasco Mortdecai: A Arte da Trapaça, que chegou ao país nesta quinta-feira, cravejado de críticas negativas lá fora.

Distinto, original e sem medo de ousar, Johnny Depp despontou como um respiro no clube de atores hollywoodianos, praticantes experientes da mesmice, e foi elevado a grande astro do cinema na virada dos anos 1980 e 1990, quando estrelou Edward Mãos de Tesoura (1990), sua primeira parceria com o diretor Tim Burton, com quem faria outros seis filmes. Daí em diante, Depp teve uma trajetória sinuosa. Ele já fez o papel do esquisitão, encarnou o galã e passou por comédias e dramas com certa desenvoltura. Prova dessa versatilidade são suas três indicações ao Oscar: a primeira por uma fantasia cômica (Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, de 2003), depois por um drama (Em Busca da Terra do Nunca, de 2004) e por último com um musical macabro (Sweeney Todd, de 2007). Até 2010, tudo parecia ir bem, até que o ator, na época em luta contra o vício em álcool, passou a escolher roteiros pouco dignos de elogio da imprensa especializada.

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Desagradar à crítica não é um grande problema para os estúdios de Hollywood. Já não ter retorno em bilheteria, com certeza, é. Diário de um Jornalista Bêbado (2011) foi o primeiro fracasso visível. O longa, que custou 45 milhões de dólares, arrecadou apenas 24 milhões ao redor do mundo. A esperança de recuperação foi depositada nos três filmes seguintes, superproduções com orçamentos de encher os olhos. O primeiro a chegar aos cinemas foi Sombras da Noite (2012), outra parceria com Burton, que fez 245 milhões de dólares no mundo, pouco mais que a metade do necessário para o filme se pagar. No ano seguinte, ai, viria o maior fiasco da carreira do ator: O Cavaleiro Solitário, de Gore Verbinski. A vistosa sociedade de Depp e Verbinski, diretor da franquia Piratas no Caribe, fez o orçamento do filme chegar a estimados 230 milhões de dólares, quantia quase igual à bilheteria mundial do longa, que não passou dos 260 milhões. Mais um desastre, já que um filme, para ser considerado bem-sucedido, deve arrecadar cerca de três vezes seu valor de investimento.

Justiça seja feita, baixas na carreira são comuns na vida da maior parte dos mortais, até mesmo no show business (veja lista). Mas no caso de Depp a fase ruim pode não ser apenas uma fase. Em 2014, ele voltou a amargar um mau resultado com a ficção científica Transcendence: A Revolução, que tinha orçamento de 100 milhões de dólares e fez apenas 103 milhões em bilheteria – dos quais, só 23 milhões no portentoso mercado americano, valor que grandes produções fazem em um ou dois dias no país. No Brasil, a produção foi vista por apenas 310 000 pessoas e faturou 4 milhões de reais, performance muito menor que a de uma comédia nacional. “Quando adquirimos o filme, a expectativa era grande”, diz Laercio Bognar, diretor geral da Diamond, distribuidora que trouxe a produção ao Brasil. “O projeto reunia nomes de primeira grandeza e gozava de um budget para lá de generoso. Mas o resultado em todo o mundo foi ruim e aqui não foi diferente.”

Transcendence parecia ser o fundo do poço, mas então Depp descobriu que o poço era mais profundo com Mortdecai: A Arte da Trapaça, o longa que chega agora ao Brasil. O filme empacou em apenas 7 milhões de dólares nos EUA, e fez 30 milhões no mundo todo. Para piorar, foi um dos mais mal avaliados da carreira de Depp pela crítica internacional. Esperançosa, a Paris Filmes, que distribui o longa cômico por aqui, aposta na diferença entre os mercados brasileiro e americano. “O comportamento de bilheteria do Brasil é independente de outros mercados. Os filmes de terror, por exemplo, não funcionam bem nos EUA, mas aqui sim. Fazemos lançamentos baseados nas expectativas locais. Johnny Depp ainda tem um grande apelo no país”, diz Gabriel Gurman, gerente de marketing da distribuidora.

Escravo de si – Quem se aventurar a comprar um ingresso para Mortdecai perceberá que Depp até se esforça e tem alguns (poucos) bons momentos, mas o roteiro sem ritmo e a direção fraca, assinada por David Koepp, não ajudam. “Existe uma retroalimentação: o ator não melhora o roteiro, nem o roteiro o melhora”, diz Yara de Novaes, atriz, diretora de teatro e professora do Núcleo de Artes Cênicas da Faap. “O problema é que, quando diretor e produtor erram a mão, fica difícil para o elenco corrigir”, corrobora Bognar, da Diamond. “O duro, para os atores, é que a cobrança é sempre maior sobre eles. Afinal de contas, são eles que estão com as caras na tela.”

Em Mortdecai, Depp interpreta um golpista atrapalhado e fracote, sempre protegido por sua mulher, Johanna (Gwyneth Paltrow), e pelo capanga Jock (Paul Bettany). Depp exagera em seus famosos maneirismos e a impressão que fica é a de que o estilo teatral, tão elogiado no passado, especialmente nas parcerias com o Burton, se tornou um lugar comum e cômodo para o ator, que não se reinventa, apenas muda o figurino e a maquiagem.

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“Ele surgiu como um ator muita autoral, mas foi deixando isso de lado para servir a um cinema de bilheteria. Assim, ele pecou pelo excesso de confiança nessa marca, nesse estilo de interpretação”, diz Yara. “Às vezes, o ator entra por um caminho e insiste nele, sem se perceber clichê, repetitivo. O que parece é que ele não tem enfrentado grandes desafios.”

O comodismo talvez seja um reflexo de seus altos salários que, mesmo caindo após alguns fiascos, continuam vistosos. Em janeiro deste ano, o site da revista americana Forbes publicou um artigo intitulado: Johnny Depp prestes a se tornar o ator menos rentável de Hollywood. No texto, a jornalista Dorothy Pomerantz dizia que Depp já foi um dos nomes mais bem pagos do mercado cinematográfico, especialmente com a franquia Piratas do Caribe, que soma 3,8 bilhões de dólares em bilheteria. Porém, após tantos fracassos seguidos, os estúdios começaram a repensar o salário do ator, que ganhou 10 milhões de dólares para estrelar Mortdecai, metade do cachê que ele receberia há três anos – então estimado em 20 milhões de dólares – e, mesmo assim, supervalorizado para um filme tão fraco em bilheteria. Hoje, ele é o segundo na lista de atores da revista que trazem pouco retorno para os estúdios, atrás de Adam Sandler. A expectativa é que Depp desbanque o ator de comédias do ranking em 2015.

Além da queda no salário, o ator também começa a enfrentar dificuldades de encontrar um bom papel. Apesar de ser um dos nomes mais cotados, e até óbvios, ele perdeu a chance de interpretar Doutor Estranho, personagem da Marvel e uma das grandes apostas da Disney para 2016. Quem conquistou o trabalho foi Benedict Cumberbatch, ator britânico versátil que tem se mostrado um substituto adequado para Depp. Os dois, aliás, lançam juntos este ano o filme Black Mass, trama policial em que interpretam irmãos.

A expectativa é que a baixa na carreira de Depp ganhe novos contornos a partir de 2016, ao menos no quesito rentabilidade, quando ele retorna ao seu conhecido papel de Chapeleiro Maluco, em Alice no País das Maravilhas: Através do Espelho. No ano seguinte, ele veste pela quinta vez o figurino de Jack Sparrow e lança Piratas do Caribe: Os Mortos Não Contam Histórias. Bilheteria na casa do bilhão é esperada. Se a credibilidade com fãs e críticos vai voltar, é outra coisa. Só o desejo de mudança de Depp pode tirá-lo do fundo do poço, e, quem sabe, levá-lo ao final pensado pelo diretor Iñarritu em Birdman – de fato, a fantasia de pirata deve ser aposentada.

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