Favorito ao Oscar, ‘Spotlight’ enaltece o jornalismo investigativo
Longa mostra processo da matéria vencedora do Pulitzer, que expôs o sistema vigente para ocultar casos de padres pedófilos nos Estados Unidos
Possuir uma equipe de jornalistas que dispõe de meses – ou até um ano – para trabalhar em apenas uma matéria é um luxo que pouquíssimos jornais ao redor do mundo possuem. O trabalho, contudo, passa longe de ser fácil, como mostra o filme baseado em fatos Spotlight – Segredos Revelados, que chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira.
Considerado um dos favoritos ao Oscar 2016, o longa assinado pelo cineasta Tom McCarthy acompanha a equipe do setor Spotlight, formada por quatro jornalistas que trabalham em um esquema sigiloso, com a tarefa de investigar casos cabeludos, com o tempo que for necessário, para o jornal americano The Boston Globe. Apesar da aparente falta de prazo, o grupo trabalha com intensidade, vara noites, leva material para ser apurado durante o uso do transporte público e, como consequência, vê a vida pessoal ser afetada pelo emprego. No fim, o processo é válido, especialmente com a matéria que está sendo produzida, que mais tarde ganhará o cobiçado prêmio Pulitzer de jornalismo.
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O Spotlight é composto pelo editor Walter ‘Robby’ Robinson, interpretado por um sóbrio Michael Keaton, e os repórteres Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian D’Arcy James). Rezendes é o responsável por colocar as fontes na parede com sua insistência e, por vezes, agressividade, enquanto Sacha se mostra esperta e obstinada. Já Carroll é o encarregado pelo longo processo de pesquisa em arquivos e de pensar em como os dados se relacionam.
A premiada reportagem começa com a chegada de um novo editor-chefe à redação, Marty Baron (Liev Schreiber), jornalista judeu transferido de Miami para Boston. Logo na primeira reunião de pauta, Baron pergunta por que o jornal não se aprofundou nas acusações relacionadas ao padre John Geoghan, que teria molestado mais de 80 meninos enquanto estava à frente de uma paróquia, entre os anos 1970 e 80. Os jornalistas tratam o assunto como irrelevante e sugerem que o advogado responsável pelo caso não pode ser levado a sério. A reunião se mostra a primeira evidência de uma longa tradição das instituições da cidade, de tratar o caso como corriqueiro ou boato. Baron insiste, e a pauta cai nas mãos da equipe de Robby.
A apuração leva meses e toma proporções inimagináveis. O que começa com um caso aparentemente isolado, se desvenda em uma rede de abusos encoberta por advogados especializados em livrar os eclesiásticos e ocultar os processos, por vezes de maneira ilegal. Por fim, o caso isolado se revela uma indústria, com centenas de vítimas e cerca de 90 padres envolvidos, apenas em Boston.
O longa se esforça em não misturar fé e religião. Ex-padres e até antigas vítimas se dizem constantes combatentes em manter suas crenças e espiritualidade, apesar dos traumas vividos com a instituição. Em uma das cenas mais marcantes, um rapaz afirma que a agressão não é só sexual, mas também espiritual, já que afeta a relação com a igreja e, logo, com Deus. Mais tarde, outro homem narra sua experiência enquanto coça os braços marcados pelo abuso das drogas, resultado da infância roubada. Caso parecido com o de outro jovem, que sucumbiu ao alcoolismo. Eles são chamados de “sobreviventes”, já que muitas das vítimas morrem na juventude.
Ao contrário de outros filmes em que investigações jornalísticas são o mote, Spotlight prefere abafar o tom de heroísmo da profissão e ainda joga a imprensa no grupo de culpados, que assistiu à proliferação do crime com vendas nos olhos. A história quicava há décadas na frente do jornal – literalmente, já que um dos padres acusados trabalhava em uma instituição educativa do outro lado da rua da redação do Globe. É um soco no estômago, no bom sentido.
Indicado em três categorias no Globo de Ouro, o filme já soma diversas nomeações e prêmios. Provavelmente na próxima quinta-feira, a produção vai figurar entre os principais indicados ao Oscar 2016. Se sair premiado, terá merecido.